quarta-feira, 25 de junho de 2025

 

O CASO TCHERNINHO




Na Guiné-Bissau de hoje, a linha entre o poder político e a criminalidade institucionalizada tornou-se irreconhecível. O recente “caso Tcherninho”, tratado com frieza e cinismo pelo Presidente da República, não é um simples episódio disciplinar, como nos querem fazer crer. É, na verdade, a exposição pública da podridão interna de um regime que construiu o seu poder à margem da Constituição, das Forças Armadas e da legalidade republicana.

Tcherninho – também conhecido como Tcherno Bari – nunca foi militar de formação. Foi um técnico ajudante, aprendiz do reputado Zé Bissau, especialista em ar condicionado e de aparelhos electrónicos. Começou por limpar e encher os aparelhos com gás nas residências de Úmaro Sissoco Embaló. Deste relacionamento quase doméstico nasceu uma confiança pessoal que catapultaria Tcherninho da condição de limpador de aparelhos de ar-condicionados para chefe de uma força de segurança privada e extraconstitucional do Presidente da República.

Durante a antepenúltima campanha presidencial, Tcherninho integrou o núcleo duro da caravana eleitoral de Embaló. Usando o seu acesso privilegiado e capitalizando a ausência de escrutínio, organizou entre jovens acompanhantes, militantes do MADEM-G15 e “lumpens” urbanos, um grupo de segurança improvisado. Foi o embrião de uma milícia presidencial cuja existência passaria despercebida ao país — mas não ao círculo restrito do poder.

Após a vitória de Embaló, essa força informal ganhou corpo. Jovens provenientes das chamadas “bancadas” — grupos urbanos vulneráveis — foram recrutados e enviados para formações paramilitares em países como Senegal, Nigéria, Gana, Congo-Brazzaville, Venezuela, Rússia, Cuba e até Israel, onde operava um especialista identificado como Dudik Hazam (“David”). Em Bissau, os quintais do Palácio da República tornaram-se, sob a proteção de Tcherninho e os comandos de Embaló, um verdadeiro centro de instrução paramilitar.

A esta força foram atribuídas missões de repressão política e terror de Estado: raptos, espancamentos, vigilância de opositores e operações de intimidação. Sem base legal, sem estatuto formal e fora do controlo das Forças Armadas, esta milícia presidencial tornou-se o braço armado de uma autocracia que governa pela força, pela chantagem e pelo medo. 

Do narcoestado ao choque de gangues

Mas como em todo império erguido sobre a lealdade cega e o dinheiro sujo, chegou a hora da rutura interna. Com o crescimento exponencial das redes de tráfico de droga e os milhões que começaram a circular no submundo do poder, os aliados transformaram-se em concorrentes.

Tcherninho, sob orientação direta do israelita David, começou a demonstrar ambições próprias. Exigia maior controlo, autonomia operacional e parte dos lucros. Embaló, mais experiente e com mais tentáculos no aparelho do Estado, fingiu não ver, mas preparava o contra-ataque. Quando decidiu que Tcherninho se tornara um problema, acionou a máquina da repressão — não contra um desertor militar, como cinicamente declarou, mas contra o ex-braço direito que sabia demais. 

O Presidente apresentou o caso como um “assunto disciplinar”.

* Mas como pode alguém que nunca pertenceu formalmente às Forças Armadas ser acusado de deserção militar?

* Que regulamento disciplinar se aplica a uma milícia presidencial informal criada nas traseiras do Palácio da República?

* Onde estão os decretos que instituíram tal força?

* Onde está o controlo do Parlamento, do Ministério da Defesa, da Justiça, da sociedade civil? 

O verdadeiro problema: o Estado guineense já não existe

A realidade nua e crua é que a Guiné-Bissau está hoje sem Estado funcional. Não há Parlamento legítimo. O Supremo Tribunal está capturado. As Forças Armadas foram neutralizadas. E o poder real está nas mãos de milícias, mercenários estrangeiros, e redes de narcodinheiro que financiam um regime pessoalista e repressivo.

O caso Tcherninho não é uma exceção — é a regra do regime sissoquiano. Um sistema que promove e despromove com base na lealdade pessoal e no silêncio cúmplice. Onde os fiéis são elevados ao estatuto de “bestiais”, e os que se tornam incômodos, caem à categoria de “bestas” — descartados, humilhados, criminalizados, silenciados. 

Conclusão: A verdade incomoda, mas liberta

O caso Tcherninho é um espelho cruel do país que nos querem impor: sem instituições, sem legalidade, sem moral. Mas é também um aviso: quem alimenta um monstro, cedo ou tarde, é devorado por ele.

É hora de a sociedade guineense, os seus quadros patriotas, os partidos democráticos, a juventude consciente, os militares de honra e a comunidade internacional tomarem posição.

 

É urgente desmontar este sistema de poder paralelo.

É vital recuperar o controlo republicano das forças de segurança.

É indispensável abrir um inquérito nacional e internacional sobre a criação e atuação desta milícia presidencial.

É inadiável devolver o país às suas instituições legítimas, antes que a Guiné-Bissau sucumba por completo ao caos institucional.

Porque quando o terror se torna norma, o silêncio torna-se cumplicidade.

 

Fonte:  João M'Bitna 

Bissau, 24 junho 2025