sábado, 30 de março de 2019

A HISTÓRIA SE REPETE, A CRISE CONTINUA E A CULPA É NOSSA ou


A VELHA HISTÓRIA DE UM CAMINHO CONTAMINADO!

No rescaldo das eleições legislativas de 10 de Março de 2019, as preocupações da Guiné-Bissau estão voltadas para as relações antagônicas entre a Sua Excelência, o Sr. Presidente da República e o Presidente do PAIGC, Partido que elegeu o maior número de Deputados e que, em conformidade com o plasmado na nossa Constituição, deverá ser convidado pelo Chefe do Estado à indigitar uma figura das suas fileiras, que será empossado para chefiar o futuro Governo.

Ao que tudo indica, essa figura será precisamente o Presidente do PAIGC, Eng.º Domingos Simões Pereira, cujas divergências com o Presidente da República resultaram na profunda crise política e institucional que assolou o País nos últimos quatro anos.

Na sequência disso, questiona-se a pertinência do PAIGC indigitar o seu Presidente para o Cargo de Primeiro-ministro e ainda mais, a plausibilidade de ser empossado pelo Chefe do Estado, quando todos os indícios deixam antever mais um ciclo de confrontações, um prenúncio para a continuidade da crise institucional e a instabilidade política que ameaça a afirmação da nossa soberania.

Ao longo dos últimos quatro anos, fazendo jus a generalizada impunidade, resultante do precário funcionamento das Instituições do Estado, mormente do sector da Justiça, fortemente fustigado pela corrupção, o Presidente do PAIGC cometeu uma série de atropelos que lhe retiram toda a legitimidade de se apresentar como pretendente ao cargo de Primeiro-ministro, nomeadamente:

1.   Em sinal de protesto contra a sua exoneração do cargo de Primeiro-ministro, que é normal, de acordo com a nossa constituição, o Presidente do PAIGC mandou bloquear a Assembleia Nacional, durante três anos, com o objectivo de inviabilizar a legalização de qualquer Governo que não obedeça aos seus interesses pessoais;

2.   Enquanto Chefe do Governo, o Presidente do PAIGC ordenou a afectação de avultados recursos financeiros do erário público, supostamente destinados ao “resgate bancário” que na realidade nunca foi realizado e o dinheiro nunca foi devolvido aos cofres do Estado;

3.   Enquanto Chefe do Governo mais corrupto da nossa democracia, numa atitude inédita num Estado de Direito Democrático, o Presidente do PAIGC obstruiu a justiça, impedindo o Ministério Público de levar à varra da justiça os membros do seu Governo, acusados de corrupção activa e branqueamento de capital. Acto puramente ditatorial;

4.   O Presidente do PAIGC organiza uma Conferência de Imprensa à margem do Congresso do PAICV, em Cabo Verde, com o propósito de insultar publicamente o Presidente da República, acusando-o de ser traficante de drogas e rotulando a Guiné-Bissau  (o País que ele hoje pretende governar) de Paraíso de drogas. E sabemos muito bem, qual é a consequência da acusação do género, nos países onde a justiça é séria;

5.  Num gesto irresponsável e de manifesta arrogância, o Presidente do PAIGC bloqueou o País durante três anos, obstruindo a implementação do Acordo de Conacri, sob o falso pretexto de ter sido o Sr. Augusto Olivais o indicado neste acordo, para chefiar o Governo de Unidade Nacional que tinha como missão realizar as reformas nos sectores da justiça, da defesa e segurança, e da lei eleitoral;

6.   Durante todo o processo de implementação do Acordo de Lomé, o Presidente do PAIGC, num gesto de declarado desprezo e desrespeito, perante o elevado Estatuto Presidencial, levando em conta o nosso sistema político e jurisdicional, recusava categoricamente de participar nas reuniões de “concertação” com os Partidos políticos, convocadas pelo Presidente da República;

7.   O Presidente do PAIGC foi, sem sombra de dúvidas, o promotor da crise política que estagnou o País durante quatro anos, por ter criado, organizado e financiado todo um sistema desinformação e propaganda enganosa nas redes sociais e na imprensa escrita e radiofónica, especial, dedicados especialmente a insultar e denegrir a imagem do Presidente da República e dos demais Dirigentes políticos nacionais, que não partilham as suas convicções políticas;

8.   Com a sua forma agressiva e intolerante de estar na política, semeou a divisão, o ódio, a agressão verbal e a tortura moral e psicológica na sociedade, sobretudo nas relações políticas e institucionais;

9.   Constituiu e chefiou o Governo mais corrupto da história do nosso País, um Governo que arruinou os cofres do Estado, em prol do seu enriquecimento pessoal e da salvaguarda dos interesses do seu Partido e naturalmente da consolidação do seu Poder, como testemunha a opulência ostentada durante a campanha eleitoral, com fretamento de três aviões cargueiros destinados ao transporte de material para o efeito. Isto é, para se reeleger, continuar com a mesma arrogância, tanto na política quanto na economia, acima de tudo, quitar todas suas dívidas, tanto no país como no exterior;

10. Neste momento, enquanto o Presidente do PAIGC aguarda impassivelmente pela sua nomeação e consequente tomada de posse, falsamente demonstra uma postura de Estado, permitindo ao País respirar tranquilamente. Entretanto, assim que for empossado, voltará sem dúvidas a evidenciar o seu carácter intolerante e irresponsável, iniciando uma campanha de provocações, tendentes a pressionar o Presidente da República a indicar uma data para a realização de eleições presidenciais, conforme a sua conveniência pessoal.

E, conhecendo o carácter e a forma de estar na vida e na política do Presidente da República, estaremos perante mais uma espiral de confrontações institucionais e basicamente a continuidade da crise que assola o País nos últimos quatro anos.

Considerando todo este conjunto de pressupostos, o Presidente da República, Dr. José Mário Vaz, reúne todas as prerrogativas constitucionais, institucionais e pessoais (moral e ético), para pedir ao PAIGC para que se abstenha de indigitar o seu Presidente ao cargo de Primeiro-ministro, substituindo-o com uma figura com quem possa coabitar e evitar novos cataclismos que perigam os nossos esforços de edificação nacional.

Em outras palavras, reconhecendo incompatibilidades e a consequente impossibilidade de coabitação institucional com o actual Presidente do PAIGC, o Presidente da República reserva a si o direito de não o empossar no cargo de Primeiro-ministro, em nome da instabilidade sociopolítica, imprescindível àquela governação de excelência que o País reclama, com base na unidade nacional, na interacção e convergência de esforços de todas as instituições e forças vivas e disponíveis na sociedade.

Esta seria a atitude mais correcta para evitar os erros do passado e evitar cometer novos erros, tomando como exemplo a recusa de Nino Vieira de empossar Carlos Gomes Júnior, que o PAIGC correspondeu com a indigitação de Martinho N`Dafá Cabi, em nome da estabilidade política, da coabitação institucional e dos supremos interesses da Nação.

Neste momento, existe um consenso generalizado em torno desta questão e que é partilhado inclusive por altos Dirigentes do PAIGC, que entretanto preferem manter-se no anonimato. Portanto, um eventual empoçamento do Presidente do PAIGC pelo Presidente da República, seria o prelúdio para um novo ciclo de confrontações e pela continuidade da crise política/institucional. Neste caso, o Presidente da República seria o principal responsável pelos acontecimentos posteriores e pelas suas consequências.

É MELHOR PREVENIR DO QUE REMEDIAR!

Bem-haja, 
Patriota Liberal
Fonte: Ditadura de Progresso
APU-PDGB: ACORDO "MATEMÁTICO" COM O PAIGC?


Dr. Juliano Fernandes-Secretário Geral APU-PDGB
Via facebook, assistimos uma Conferência de Imprensa, hoje em Lisboa, proferida pelo Dr. Juliano Fernandes, Secretário Geral de APU-PDGB, procurando  sossegar as "consciências" com promessas inabilitáveis de que o Acordo de Incidência Parlamentar assinado entre PAIGC e APU-PDGB, será para levar até o fim desta legislatura. 

O Dr Fernandes reconheceu que a Guiné-Bissau, praticamente, nunca teve um governo estável. E que, entretanto, tivéssemos de ir as eleições num contexto difícil. Criticou ainda, sem mencionar nomes, o uso desmesurado e sem precedentes no nosso país, de meios de campanha por parte de certos partidos proponentes, num contexto em que os professores não recebiam os respectivos salários, os hospitais completamente carentes, e em que o sistema nacional de saúde não funciona, etc, etc. 

Disse Dr. Fernandes que recai sobre o APU  a grande responsabilidade de assegurar a governabilidade do nosso país nos próximos anos. Avisa que não podemos (quem APU ou os guineenses?) deixar escapar esta oportunidade. 

Face aos resultados, que opções a fazer? 

A resposta do Dr. Fernandes foi de que o APU-PDGB teria que tomar uma opção de acordar com o partido "matematicamente" mais votado, que estivesse mais perto da maioria, sem olhar, no entanto, para este ou aquele, porque é bom ou mau. Segundo ele, o APU optou, contra ventos e marés, porque não deixa de ser por uma questão de justiça. E as questões, então, de estratégia política, ideológica ou de ideais de Kumba Ialá, não requeriam uma justa ponderação antes do acto?

Já está confirmado que tudo que gravita à volta dos números é romance para os "apuanos". O APU-PDGB revelou uma grande insensibilidade em relação ao facto de se ter frustrado os anseios políticos do seu eleitorado, logo ao virar da esquina. 

Mas, a pergunta se persiste na boca do povo é a seguinte: APU-PDGB, sendo um partido centralizado na figura do seu líder e vocacionado e focalizado, inclusive, nas presidenciais, qual a garantia de o PAIGC apoiar a candidatura de Nuno Nabiam, logo à primeira volta?



HOSPITAL NACIONAL SIMÃO MENDES: DIABÉTICOS PEDEM SOCORRO


Já chega de tantas mortes de pacientes diabéticos neste hospital. Qual tem sido a causa desta epidemia? Podemos responder que ainda não estamos em condições de apresentar dados estatísticos sobre este flagelo, mas acreditamos que o senso comum tem razão quando diz que tudo isso resulta sobretudo da falta de experiência dos médicos nacionais jovens, que recusam acompanhamento dos seus mestres.

O que tem acontecido de facto neste hospital é que os pacientes diabéticos quando são atendidos, sofrendo de outras doenças (paludismo, febre amarela ou outras doenças tropicais negligenciadas), são-lhes, tipo chapa cinco, medicados, como se fossem pacientes desidratados (com diarreia), a necessitar directamente, sem outras contemplações, de ser administrado soro com glicose, o que naturalmente acaba por agravar a situação dos doentes diabéticos, provocando-lhes morte imediata. 

Dois tipos de diabetes:

diabetes tipo 1 é resultante da destruição autoimune das células produtoras de insulina. O diagnóstico desse tipo de diabetes acontece, em geral, durante a infância e a adolescência, mas pode também ocorrer em outras faixas etárias.
Já no diabetes tipo 2, o pâncreas produz insulina, mas há incapacidade de absorção das células musculares e adiposas. Esse tipo de diabetes é mais comum em pessoas com mais de 40 anos, acima do pesosedentárias, sem hábitos saudáveis de alimentação, mas também pode ocorrer em jovens.

O que você precisa de saber sobre os dois tipos mais comuns de diabetes:

No tratamento do diabetes, o ideal é que a glicose fique entre 70 e 100mg/dL.  A partir de 100mg/dL  em jejum ou 140mg/dL duas horas após as refeições, considera-se hiperglicemia e, abaixo de 70mg/dL, hipoglicemia. Se a glicose permanecer alta demais por muito tempo, haverá mais possibilidade de complicações de curto e longo prazo. A hipoglicemia pode causar sintomas indesejáveis e com complicações que merecem atenção.

sexta-feira, 29 de março de 2019

CENÁRIOS PÓS-ELEITORAIS: VISÃO POLÍTICA DE ARTUR SANHÁ

Ex-PM  Dr. Artur Sanhá
Esta é o resumo da entrevista do ex-Primeiro-ministro Dr. Artur Sanhá à chegada ao aeroporto de Dakar/Senegal, (via facebook), antes da votação ocorrida no do dia 10 de Março. Argumentou o político que os 4 (quatro) anos passaram sem resultados políticos palpáveis. Durante esse período, o povo ficou dividido, desorganizado e dessintonizado. Falou do cenário do PRS ganhar as legislativas e não ponderou que o MADEM-G15 pudesse obter um óptimo resultado. Mas, para ele, o pior cenário seria a vitória do PAIGC. Ponderou que com a vitória do PAIGC, quem seria o Primeiro-ministro é lógico que fosse o cabeça de lista, Eng. Domingos Simões Pereira. Assim sendo, recordou Sanhá que todos nós assistimos os sentimentos de aversão política existentes entre JOMAV e DSP (entre Presidência da República e o PAIGC). 

O ex-Primeiro-ministro Artur Sanhá, disse ainda, caso o DSP for nomeado Primeiro-ministro, temos questões pendentes com relação ao processo de "Resgate" e vários relatórios de auditorias feitos. Pergunta: como esta situação poderá ser gerida pelos partidos políticos, Assembleia da República e a Procuradoria da República? Para ele, tudo isso poderá trazer de novo, à ribalta, quezílias políticas anteriores. E nesse caso, a Mesa Redonda não chegará , não haverá financiamento estrangeiro, não haverá fábricas, nem política de habitação, saúde, educação, etc. A crise aumentará e a estagnação económica.

E conclui dizendo que encara com bons olhos a solução encontrada pela ONU para Timor Leste, em que se criou o programa de Transição Assistida para antiga colónia portuguesa do oriente.

Acredita Sanhá que só com estabilidade, bom relacionamento pessoal e institucional entre Primeiro-ministro e Presidente da República, poderá a Guiné-Bissau beneficiar de ajuda externa.

Na outra vertente, a recandidatura do DSP como cabeça de lista pode ser encarada como uma afronta ao PR. Os jovens estão a aprender com ele a desrespeitar o PR. Portanto, quando chegar a vez dele, faremos o mesmo.

quinta-feira, 28 de março de 2019


PRS: AS CONSEQUÊNCIAS DOS RESULTADOS ELEITORAIS

Presidente do PRS: Alerto Nambeia
Sori Djaló vai exigir que a Comissão Política tenha lugar em Bissau. Os dois devem reunir-se amanhã em Bissau. a reunião está marcada para UAQUE. Dentro de dois dias, dia 30 de Março os dirigentes do Partido da Renovação Social vão reunir a Comissão Política do partido para analisar os resultados eleitorais. Em partidos democráticos, muita coisa já seria conhecida, mas tudo está em segredo. É uma reunião que está a ser preparada com alto secretismo, sobretudo por parte de Alberto Nambeia, presidente do partido eleito no Congresso de Gardete em 2017.

Até a data presente, Alberto Nambeia ainda não reuniu o presidium do partido. A Direcção não é tida nem achada na preparação do encontro. A derrota eleitoral está a ter consequências graves no partido. O que é de conhecimento público, Alberto Nambeia teve um encontro informal com Florentino Mendes Pereira, Secretário-geral, também eleito no Congresso de Gardete. O próprio Florentino não reuniu o Secretariado do partido que compõem diferentes estruturas do partido. Deste encontro entre os dois, ninguém sabe o que foi decidido. Depois, Alberto reuniu com Orlando Viegas, Director da Campanha e que em tempos, se diz um dos vice-presidentes do partido.

Os restantes membros da Direcção foram ignorados. Certório está doente e pouco activo. Jorge Malú caiu na lista dos suspeitos. Serifo Djaló em função dos resultados eleitorais perdeu espaço. O mesmo aconteceu a Martina Moniz que nem o parlamento vai na presente legislatura. Lassana Fati perdeu espaço há muito. Ele e Florentino Mendes Pereira foram às principais vítimas da chegada de Botche Candé. Alberto Nambeia passou a orquestrar a reunião sozinho e com seus elementos de confiança. A primeira mnaior dúvida é a ordem do dia.

Ninguém da Direcção sabe qual é a ordem do dia. Existem apenas projecções para críticas e confrontações. Não haverá qualquer pedido de demissão. Esta é a única certeza existente a entrada para a reunião.

A seguir, o local. Todos estão a ouvir que a reunião terá lugar em Uaque (propriedade de Malam Sambú), aquele que se o PRS tivesse vencido, seria o seu Primeiro-ministro. O intermediário do PRS com os chineses e com Fernando Dias incluído. Muitos no PRS questionam o porquê da reunião ter lugar naquela localidade. Não há ninguém para responder. Não houve nenhuma decisão. As reuniões desta natureza, o PRS sempre fez nos hotéis da capital.

Depois, outras estratégias maquiavélicas. Os assumidos opositores de Alberto Nambeia, serão confrontados. Serão questionados o porquê de tamanha pressão para Nambeia demitir. Depois, vai-se votar. Se votará o reforço dos poderes de Nambeia, através de dois modelos:

Ameaça do Conselho Nacional para a realização de um congresso extraordinário, onde domina e controla;
Ou uma moção de confiança para continuar a frente do partido.

A primeira vítima anunciada desta reunião, será o grupo de salvação liderado por Ibraima Sori Djaló. Terá resposta. Vão dizê-lo que não pertence a nenhum órgão do partido. Mas não será Sori Djaló apenas. A própria direcção verá certas figuras censuradas. Carmelita Pires, a recém-chegada ao partido e que preside o Secretariado das Mulheres e que nos últimos tempos tem sido bastante crítica com o partido, também vai ouvir das boas.

Fernando Correia Landim, outro crítico para visar. Artur Sanhá, idem. Muita expectativa a volta da resposta da direcção. Ela não existe, porque a Direcção do PRS nunca reuniu para ter uma posição una para os dirigentes e militantes. Se vai ouvir às justificações de Nambeia, Florentino e Orlando. Talvez mais alguém para reforçar. Depois, os homens de Nambeia terão palavra. Para dizer o que Nambeia não souber dizer.

No final vai-se produzir um documento que todos os críticos irão subscrever. Prometer que o PRS fará oposição e que se manterá fiel ao acordo de incidência parlamentar com MADEM-G15.

Fonte: Doka Internacional

segunda-feira, 25 de março de 2019


Especialista em direito penal internacional: “GRANDE DIFICULDADE DA GUINÉ É A EFETIVAÇÃO DAS LEIS! É PRECISO REIVINDICAR E EXIGIR O SEU CUMPRIMENTO”




[ENTREVISTA 1/2] A especialista guineense em Direito Internacional dos Direitos Humanos e Direito Internacional Penal, Aua Baldé, disse que a grande dificuldade da Guiné-Bissau é a efetivação das leis existentes. Para isso, aconselhou a sociedade civil guineense bem como as organizações que zelam pela defesa dos direitos humanos que é preciso reivindicar mais e exigir das autoridades o cumprimento das leis existentes. A jovem especialista que esteve no país para participar numa conferência internacional de ativismo em fevereiro do ano em curso respondia assim à questão se os instrumentos jurídicos do país são suficientes para a promoção e proteção dos direitos humanos.
“Acho que há um sistema legal bastante bom na Guiné-Bissau. A grande dificuldade é a efetivação das leis existentes e é preciso reivindicar mais e exigir o seu cumprimento. Este sempre foi o maior desafio em qualquer um dos países africanos e a Guiné-Bissau não é uma exceção. Há organizações que estão a fazer um trabalho interessante, nomeadamente a Liga Guineense dos Direitos Humanos, mas lanço-lhes um desafio. A Liga foi muito ativa no início dos anos 90 e penso que poderá voltar a ter esse papel relevante, sobretudo se usar meios para lá dos domésticos”, realçou para de seguida criticar os sucessivos governos que segundo a sua explicação, nunca produziram relatórios sobre a situação dos direitos humanos para a Comissão Africana. Encorajou neste particular as organizações da sociedade civil a começarem a produzir relatórios para a Comissão Africana. 
Baldé, que é igualmente especialista em direito penal internacional, falou durante a entrevista dos mecanismos legais que os cidadãos africanos podem usar para chegar ao Tribunal Africano e à Comissão Africana. Explicou, no entanto, que a Comissão Africana permite que organizações da sociedade civil produzam “Relatórios Sombra” sobre a situação dos direitos humanos num determinado país. Acrescentou ainda que às vezes, o uso desses mecanismos com o tempo pode exercer pressão localmente e ajudar na correção de alguma coisa…
O Democrata (OD): Lançou, no país, o livro da sua autoria que fala do “Sistema Africano de Direitos Humanos e a Experiência dos Países Africanos de Língua Oficial Português”. Pode explicar de forma sintética o interesse de versar sobre o sistema africano dos direitos humanos, num continente onde a justiça ainda é uma miragem e os direitos humanos, para os ativistas e críticos, se resumem apenas aos papeis ou na proteção das elites e políticos no poder?
Aua Baldé (AB): O meu interesse pelos direitos humanos não é uma coisa recente. Neste campo dos direitos humanos, há mais de uma década que tenho tentado intervir tanto numa abordagem teórica bem como com trabalhos práticos. É verdade que os direitos humanos, do modo geral, não só em África, mas talvez mais acentuadamente em África, a efetivação dos direitos humanos representa um desafio e isso não significa que não seja uma área que possa suscitar um interesse que deva ser estimulado. Dai que tenha tido a ideia de elaborar este livro que foi um projeto muito antigo, que surgiu há cerca de uma década.
Enquanto estudante destas questões, havia poucas disponibilidades, sobretudo em língua portuguesa, de manuais ou livros que versassem sobre esta questão. Esta foi a razão pela qual decidi iniciar a pesquisa a título individual, sem colaboração de nenhuma instituição. Na primeira fase, estive como investigadora no “SOAS – School of Oriental and African Studies: Escola de Estudos Orientais e Africanos de Londres”, sob alçada da Fundação “Mo” Ibrahim [Mohammed Ibrahim é um empresário bilionário sudanês-britânico que criou a Fundação denominada “Mo Ibrahim“, para incentivar uma melhor governança na África. Criou também o Índice “Mo Ibrahim”, para avaliar o desempenho das nações. É membro do Conselho Consultivo Regional de África da London Business School] que patrocinou a pesquisa inicial para a composição do livro.
No que diz respeito a África Lusófona ou ao mundo PALOP, senti que havia na altura um desconhecimento total sobre o sistema africano: Como funcionam os mecanismos regionais de promoção e proteção dos direitos humanos. Na verdade, quando iniciei a pesquisa para a composição do livro, não havia um único livro que debatesse estas questões. Daí justamente o meu interesse e o que senti que poderia ser o meu contributo. Percebi que, tendo feito uma especialização em direito internacional dos direitos humanos em Harvard, isso poderia ser um contributo adicional uma vez que já tinha as ferramentas para entender melhor o próprio sistema.
O objetivo do livro sempre foi ajudar académicos, estudantes ou ativistas dos direitos humanos no terreno. Como sabe, no mundo lusófono africano não há uma cultura daquilo que é a advocacia para os direitos humanos. Entendi que, havendo um instrumento que explica um bocadinho esta questão, talvez isso poderá suscitar interesse das diversas entidades que trabalham nestas questões em como poderão, de forma mais sistemática, olhar para o lado dos seus, numa tentativa de maior proteção dos direitos humanos.
OD: Até que ponto este livro pode ajudar na “luta” travada pelos ativistas dos direitos humanos na Guiné-Bissau, que muitas vezes veem os seus direitos restringidos pelas autoridades nacionais, certas vezes reprimidos por forças de segurança…
AB: Espero que seja uma chamada de atenção, porque o que sinto é que olhamos muito para os mecanismos internos, ou seja, os mecanismos domésticos de cada país. Espero que o livro sirva de ferramenta para os ativistas poderem entender que quando falham os mecanismos domésticos, que existe um sistema regional que permite reivindicar esses direitos a nível supranacional. É esse o objetivo. 
OD: Acha que os instrumentos jurídicos (leis) existentes são suficientes para a promoção e proteção dos direitos na Guiné-Bissau?
AB: Acho que há um sistema legal bastante bom na Guiné-Bissau. A grande dificuldade é a efetivação das leis existentes! É preciso reivindicar mais e exigir o seu cumprimento. Isso sempre foi o desafio em qualquer um dos países africanos e a Guiné-Bissau não é uma exceção. Há organizações que estão a fazer um trabalho interessante, nomeadamente a Liga Guineense dos Direitos Humanos, mas lanço-lhes outro desafio. A Liga foi muito ativa no início dos anos 90 e penso que poderá voltar a ter esse papel relevante, sobretudo se usar meios para lá dos domésticos.
Justamente os meios que referi no livro. Mas independentemente disso, acho que existe um sistema e apraz-me saber que mesmo a nível da juventude guineense e da sociedade civil, as pessoas estão muito alertas. Penso que o mecanismo existe e que deverá haver uma reivindicação e que independentemente daquilo que seja a reação das autoridades, devemos persistir no caminho de uma maior reivindicação dos direitos humanos na Guiné.
OD: Critica-se muito o sistema judicial guineense, considerado frágil e que bloqueia a atividade dos ativistas dos direitos humanos. Como especialista de direito internacional e dos direitos humanos, o que se pode fazer para a promoção e proteção dos direitos humanos neste sentido?  
AB: Eu pergunto-me se o sistema é frágil? Ou será que há mecanismos que bloqueiam o sistema. Será que é essa a questão!? Eu acho que a solução passa pela reivindicação e uso dos mecanismos existentes para fazer valer esses direitos. Parece-me que os instrumentos legais existem e que há uma corelação de forças, mas isso não deverá fazer com que os guineenses e os ativistas dos direitos humanos, em particular, recuem. Devem persistir.
OD: O que bloqueia o sistema judicial guineense, do seu ponto de vista?
AB: Eu acho que há vários fatores e um deles é o posicionamento das autoridades face àquilo que são os direitos humanos. Mas não é um fenómeno local. Há sempre uma tentativa de resistência das autoridades face ao que é a promoção dos direitos humanos e isso não é uma coisa necessariamente guineense. Penso que isso não deverá servir de entrave e que, independentemente de existirem resistências ou tentativa de bloqueio no concernente às questões do exercício do direito à manifestação ou outro tipo de liberdades e garantias, deverá haver persistência.
Agora podemos usar imensos meios de comunicação, nomeadamente as redes socias, para divulgar as iniciativas. Penso que devemos fazer uso disso, porque às vezes podem servir como forma de pressão contra as atitudes de bloqueio das autoridades.
OD: Voltando ao livro, qual é o papel da Comissão Africana e do Tribunal Africano na promoção e proteção dos direitos humanos no nosso continente?
AB: Tanto a Comissão Africana como o Tribunal Africano são essenciais na proteção dos direitos humanos. Quando se criou a Carta Africana dos Direitos Humanos e nos inícios quando se discutiu a questão dos direitos humanos no continente, houve certa resistência dos próprios Estados a criação do Tribunal. O Tribunal surgiu em momento posterior, ou seja, décadas depois da efetivação da carta e do começo do trabalho da Comissão Africana. Nesse sentido, podemos dizer que a Comissão Africana está mais tempo no terreno e, portanto, tem desenvolvido um trabalho mais proeminente.
Quero aproveitar para explicar que há dois papeis fundamentais da Comissão Africana, por um lado o da promoção dos direitos humanos que tem muito a ver com a divulgação e a sensibilização em matéria dos direitos humanos no continente. Por outro lado, existe a própria proteção dos direitos humanos que faz com que na própria carta exista o mecanismo de queixa em que os individuais ou os cidadãos dos Estados membros da União Africana podem dirigir-se a Comissão Africana e apresentar queixas de violação dos direitos humanos nos seus países ou abusos a que tenham sidos sujeitas.
É preciso esclarecer uma questão, apesar de ser técnica. É bom explicar que todo o trabalho que a Comissão faz, quando chega ao fim de um processo de queixa, emite uma decisão. Essa decisão é na verdade uma recomendação para os países, ou seja, a Comissão chega ao fim e diz que um certo país, em função de uma queixa, violou um tal direito e recomenda o referido país o que deve fazer para colmatar essa violação.
A Comissão não tem força vinculativa, ou melhor, as suas decisões não são vinculativas. Por isso tem havido certa resistência aos mecanismos do Tribunal, cujas decisões deveriam ser necessariamente vinculativas. Isso por o tribunal ter surgido num momento posterior. Neste momento existe realmente um Tribunal cujas decisões são vinculativas para os Estados.
Existem várias salvaguardas a fazer e a primeira é que o Tribunal não é de acesso direto aos cidadãos dos países signatários, a não ser que os países assinem uma declaração aquando da ratificação do protocolo do Tribunal a permitir esse acesso direto.  E poucos países fizeram-no. Para já, a Guiné ainda nem sequer ratificou o protocolo. Há um protocolo para a criação do Tribunal que é anexo, uma vez que o Tribunal surgiu no momento posterior.
Há um protocolo adicional e há vários países africanos que já o assinaram. Porém, mesmo assinando para permitir a jurisdição do Tribunal Africano ou para dar o acesso direto aos cidadãos, é preciso pôr lá uma cláusula na qual se dirá que permitimos que, nos termos do artigo 36º, etc… que os cidadãos tenham acesso a esse mecanismo diretamente. Porém, a maioria dos países não o faz.
Isto para mim é uma manobra do próprio legislador. Na verdade, quanto muito, o que deveria ter feito era ter dito no caso de não haver nenhuma declaração expressa, os cidadãos têm acesso em vez de fazer passar pelos Estados para permitir acesso ao Tribunal. Obviamente que a maioria dos Estados não o permitem. Como podemos contornar esse mecanismo? É preciso fazer todo um processo de queixa através da Comissão Africana e quando a Comissão faz uma recomendação, isso é a sua decisão, como disse anteriormente.
Quando a Comissão faz uma recomendação e se o Estado não cumpre, então a Comissão pode tornar-se parte do processo e apresentar uma queixa em nome do particular ao Tribunal Africano. Acho que isso distância o cidadão dos países africanos daquilo que é um Tribunal com força de efetivar as decisões, enfim… Mas é o mecanismo que existe! Olhando para a evolução, acho que é um passo dado. Eu desafio os nossos governantes a ratificarem o protocolo que dê acesso direto aos guineenses.
OD: Esses obstáculos não criam dificuldades imensos ao funcionamento do Tribunal que deveria oferecer um bom serviço aos cidadãos africanos, de acordo com a sua experiência no direito internacional?
AB: Este é um dos grandes entraves no funcionamento do tribunal. Tribunal Africano tem várias dificuldades de funcionamento, mas eu diria que há uma história de resistência a efetivação dos direitos humanos no nosso continente da parte dos nossos dirigentes, através de instrumentos que aprovam e isso reflete-se não só na resistência inicial à Carta Africana. Nota-se também nesses mecanismos de bloqueio. Mas penso que devemos persistir e independentemente disso, devemos estar em alerta e reivindicar porque só engajando com o sistema é que podemos fazer com que o sistema funcione.
Quero ilustrar outro exemplo. Os países africanos devem, em princípio, elaborar um relatório bianual sobre a situação dos direitos humanos. Mas raramente fazem esses relatórios, aliás, se não estou em erro, a Guiné até ao momento ainda não fez nenhum relatório. Há uma outra componente neste livro e que me interessa que os ativistas dos direitos humanos percebam. Há um sistema chamado “Relatório Sombra” que as próprias organizações interessadas na promoção de direitos humanos num determinado país podem elaborar. Podem apresentar um “Relatório Sombra” perante a Comissão Africana, sobre a situação dos direitos humanos no país. Eu acho que às vezes se usarmos esses mecanismos, com o tempo pode ser que exerça pressão localmente.
OD: Relatório Sombra, significa o quê de concreto?
AB: Os Governos deveriam submeter, a cada dois anos, um relatório sobre a situação dos direitos humanos à Comissão Africana. Ou seja, é um mecanismo que se abriu para que possa haver uma discussão. Não é na verdade uma critica, porque o objetivo da submissão do relatório é iniciar o diálogo no qual o país relata em que situação está no que concerne aos direitos humanos, o que permitiria aos especialistas da Comissão Africana consultar o relatório e dar orientações para melhorar alguns aspetos. O objetivo é estabelecer um diálogo no sentido de melhorar a situação dos direitos humanos no continente africano.
OD: Então, cabe às organizações dos direitos humanos fazer o ‘Relatório Sombra’?
AB: Exatamente. As organizações dos direitos humanos podem engajar-se nesse processo, apresentando o relatório sombra. Porque normalmente a versão oficial, de acordo com a minha experiência, é uma versão mais colorida…
OD: Em relação à Guiné-Bissau, nem as organizações dos direitos humanos e nem a liga conseguiram usar este mecanismo, ou seja, produzir um relatório sombra para a Comissão?
AB: Infelizmente, não! Não há até ao momento este tipo do relatório da parte das organizações dos direitos humanos da Guiné-Bissau. E é um dos mecanismos que podemos usar e está ao nosso alcance.
OD: A possibilidade de produção do relatório sombra pelas organizações dos direitos humanos foi debatida durante a conferência de ativistas que decorreu no INEP?
AB: Debateu-se apenas a questão do ativismo em geral, porque várias pessoas apresentaram perspetivas diferentes, desde ativismo ambiental, cultural, todo o tipo de ativismo. Portanto, não foi uma questão concreta. Mas é um mecanismo que existe e que eu acho que vale a pena pensarmos num fórum e como podemos articular e fazer valer esses mecanismos, porque dá visibilidade à questão localmente.
OD: A nível da nossa sub-região, existe um tribunal que oferece serviços aos cidadãos dos países membros da CEDEAO. Como é que se pode recorrer ao tribunal da CEDEAO para a resolução de diferendos?
AB: A questão interessante em relação ao continente africano é justamente essa, que temos os mecanismos domésticos, aquilo que eu chamo sub-regionais, designadamente a CEDEAO e os outros mecanismos. Depois temos o mecanismo regional. Na verdade, é por isso que eu acabo por pensar que existem instrumentos, ou melhor, existe uma verdadeira plataforma de reivindicação desses direitos e que poderão ser usados.
O tribunal da CEDEAO tem sido muito progressista em relação à algumas decisões, nomeadamente houve uma decisão sobre o direito à educação que foi muito celebrada na comunidade que defende os direitos humanos, por ser uma decisão muito progressista. Enquanto uma pessoa que observa esses fenómenos, penso que o recurso até as estruturas mais próximas de nós e mesmo que supranacionais, por exemplo, a CEDEAO é útil.
A CEDEAO tem todo um contexto e a Guiné está mais próxima desta realidade e pode ser que até exerça mais pressão do que o Tribunal Africano que é já uma terceira via. Mas é bom frisar que nenhumas dessas vias impede a utilização da outra e pode haver uma utilização simultânea das duas. Como disse, não se pode recorrer diretamente ao tribunal africano, mas o tribunal da CEDEAO é de um acesso mais direto, portanto é o mecanismo que podemos usar.
OD: Há uma situação que é incompreensível para um cidadão comum africano. O julgamento dos líderes africanos acusados pelos crimes de guerra e crimes contra a humanidade…A Senhora dedica-se aos estudos e à pesquisa na área dos direitos humanos e o direito internacional penal. O Tribunal Africano não tem competência para julgar esses crimes de guerra de que são julgados os líderes africanos no Tribunal Penal Internacional?
AB: O meu interesse pelo direito internacional penal vem justamente daí, porque a África tem sido a grande vilã do sistema de justiça internacional. A minha pesquisa de doutoramento visa justamente essa área. Na verdade, eu olho para a questão da relação entre os Estados e o Tribunal Penal Internacional e tive a sorte e o privilégio de poder trabalhar como “Visiting Professional – Visitante Profissional” no Gabinete da Procuradora, a gambiana, Fatou Bensouda, durante seis meses em Haia (Holanda) há dois anos.
Sobre a questão, eu acho que não é só para um cidadão comum africano, também para mim enquanto jurista é isso que me interessa abordar. A questão política por detrás da justiça internacional. É uma análise que faço do ponto de vista jurídico e filosófico e a minha tese reflete sobre a questão política por detrás.
O que posso dizer em relação a isso, uma vez que não existe um tribunal africano que possa tomar a dianteira nessas questões? Devo dizer que a União Africana em 2014, adotou o protocolo de Malabo (Capital, da Guiné-Equatorial) em que dá jurisdição penal internacional ao Tribunal Africano dos Direitos Humanos. No papel, existe essa previsão de o Tribunal Africano poder conhecer as questões dos crimes de guerras e crimes contra a humanidade, etc…
Houve uma reação muito antagónica a essa decisão do Tribunal Africano, uma vez que neste mesmo protocolo que dá essa jurisdição penal, houve a inserção de um artigo em que se dava imunidade aos dirigentes. Isso gerou muita polêmica. O que se entendeu na comunidade internacional que estuda esses fenómenos no direito internacional penal é que não foi uma tentativa genuína de engajar e de trazer essa jurisdição penal para o continente, mas mais uma forma de dar imunidade a certas pessoas! Eu acho que depois da segunda guerra mundial e de julgamentos de Nuremberg, a questão da imunidade ficou clara. Portanto, se uma pessoa, independentemente do lugar que ocupa, comete ou incita ao cometimento de crimes contra a humanidade ou crimes de guerra, deverá necessariamente responder por isso.
São três aspetos que quero realçar aqui. A segunda é que há uma coisa chamada jurisdição universal. Lembra-se do caso de antigo Presidente Hissène Habré do Tchad, que foi julgado no Senegal. Foi julgado ali porque há um princípio de jurisdição universal em que determinadas pessoas que cometam certos crimes, qualquer país pode chegar-se à frente e julgar o caso, independentemente de todos estes mecanismos que referimos. E foi isso que o Senegal fez e do meu ponto de vista, foi uma boa reação na medida em que demostrou que o continente é realmente capaz de lidar com questões como essas.
A terceira parte tem a ver com a relação entre o Tribunal Penal Internacional e os Estados (este aspeto é a parte central da minha investigação). Eu devo dizer que na base do princípio da complementaridade no Estatuto de Roma, o Tribunal Penal Internacional só deverá intervir nos casos em que os países que fazem parte do Estatuto de Roma não possam ou não queiram intervir. O sistema do Tribunal Penal Internacional chama atenção que a primeira responsabilidade por estas questões é dos Estados onde ocorreram os crimes.
Mas ao mesmo reconhece-se que muitas vezes pode ser numa situação pós-conflito em que as estruturas jurídicas estejam fragilizadas e que não há possibilidades de tratar dessas questões internamente, ou até quando existe certa resistência dos próprios Estados em lidar com essas questões. Nesse caso, a jurisdição passa para o Tribunal Penal Internacional. Podemos ver isso se olharmos para várias decisões do tribunal recentemente como por exemplo o caso de Jean-Pierre Bemba Gombo [Bemba é um político da República Democrática do Congo. Foi um dos quatro vice-presidentes do Governo de Transição da RDC de 17 de julho de 2003 a dezembro de 2006. Bemba também liderou o Movimento de Libertação do Congo, um grupo rebelde que se tornou partido político. Foi julgado pelo tribunal penal internacional por crimes contra a humanidade e três acusações de crimes de guerra e condenado em março de 2016. Em junho de 2018, foi absolvido pelo tribunal que o tinha condenado a 18 anos de prisão por crimes de guerra contra a humanidade].
No caso de antigo Presidente de Costa de Marfim, Laurent Gbagbo [ex-presidente de Costa do Marfim de 26 de outubro de 2000 a 4 de dezembro de 2010. O seu mandato foi marcado por uma guerra civil que, por vários anos, dividiu o país em dois. Foi acusado de crime de guerra e julgado pelo Tribunal Penal Internacional que acabou por absolve-lo dado que as provas apresentadas eram insuficientes para provar os crimes de que era acusado]. O meu apelo neste caso seria dizer que não devemos olhar para o tribunal com o receio. Devemos engajarmo-nos com o tribunal, porque na verdade a prioridade somos nós e se nós engajarmos com o tribunal, os nossos dirigentes não irão para o tribunal e trataremos das questões localmente. Ou mesmo se estiveram lá, se houver o mecanismo de engajamento, existe toda uma serie de garantias no tribunal que faz com que os processos sejam transparentes. A resistência não é para mim a solução. O engajamento é a opção …
— Entrevista continua na próxima edição.
Por: Assana Sambú

Fonte: Odemocratagb