sexta-feira, 24 de maio de 2019

 Passado e desafios do futuro , 56 anos depois

       Por João Gomes Gonçalves da Angop

Bissau, 24 Maio de 2019 (ANG) - A Organização de Unidade Africana (OUA), fundada a 25 de Maio de 1963, em Addis Abeba, Etiópia, e transformada em União Africana, em 2001, em Lomé, Togo, completa  no próximo dia 25 de Maio ,56 anos de existência.
BANDEIRA DA UNIÃO AFRICANA
Em 1963, ao debaterem a criação de uma organização africana, emblemáticos filhos de África já defendiam a ideia de integração de África, nos moldes dos Estados Unidos ou outro.
Kwame N’Kruma sublinhava que a unidade de África era “o efeito essencial, por sermos todos africanos”.
N’Kruma era apoiado por Julius Nyere e Hammed Sekou Touré que evocavam a ideia de uma África unida e poderosa, baseada num Panafricanismo ideológico, geográfico, através de um movimento que veiculasse a fraternidade entre os negros e afirmasse a personalidade humana.
No fundo, os três estadistas, também conhecidos como pertencentes ao “grupo de Monrovia”, defendiam o “federalismo entre os Estados africanos”, algo parecido com os “Estados Unidos de África”.
Pertenciam ainda ao grupo, os Presidentes Ben Bela, da Argélia, Modibo Keita, do Mali, Ghamal Abdel Nasser, do Egipto, etc.

Paralelamente, Léopod Sédar Senghor, apoiado por moderados como Houphouet Boigny, Filbert Youlou, Léon Mba, Haidjo Amadou, François Tombalbaye, e outros, do chamado “grupo de Casablanca” insistia na “ciência da comunidade cultural e da africanidade, como condição prévia para qualquer progresso na via da unidade, sem a qual não poderia haver vontades ou esforços eficazes de unidade.

Senghor explicava que para se chegar àquela situação defendida pelos seus pares seriam precisos “energia espiritual, um forjar juntos de uma alma comum, e o encarnar de uma alma de africanidade”.

Em suma, Senghor era pela “organização inter-estatal”, ou gradualismo na integração africana, ao contrário dos imediatistas do grupo de Monróvia.

Em Addis Abeba, vingou a organização inter-estatal, o gradualismo defendido pelos “moderados”.

O Imperador Hailesselassié foi o primeiro presidente em exercício da OUA.
A partir de lá, a OUA tornara-se num instrumento de cooperação e não de integração dos Estados.

Não obstante, a organização continental cumpriu um dos seus principais objectivos estampado no artigo 2 da sua carta constitutiva, que foi a libertação total de África do jugo colonial.

Países como Angola, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, alcançaram as suas independências, beneficiando do apoio do Comité de Libertação da OUA.

O mesmo aconteceu com o Zimbabwe, a Namíbia e a África do Sul, cuja libertação dos regimes minoritários e racistas foi graças a OUA de boa memória.

Por causa das transformações políticas, económicas e sociais verificadas no fim do século XX, e dos interesse mundiais do inicio do século XXI, houve a necessidade de se adaptar a OUA aos interesses actuais.

A trigésima sétima e última cimeira da OUA organizada em Lusaka (Zâmbia), em Julho de 2001, culminou com a ideia da criação da União Africana (UA).

Sublinhe-se que as sementes para criação da UA foram lançadas pelo falecido presidente da Líbia, Mouhammar Kadhafi, que pensou numa África organizada nos moldes da União Europeia (UE).

Na altura, reagindo à ideia de Kdhafi, Laurent-Désiré Kabila, na época Presidente da República Democrática do Congo (RDC), considerou-a “um sonho que infelizmente levaria muito tempo a concretizar”.

A tirada de Laurant Kabila, cujo país já era membro da SADC, viria a ser a posição desta organização regional, que defendia o “gradualismo” na criação dos Estados Unidos de África.

Defendiam ainda o “gradualismo” a COMESA e Magreb, enquanto Kadhafi e muitos países membros da CEDAO pugnavam pelo imediatismo. Vingou a primeira posição, o “gradualismo”.

Apesar disso, seguiu-se a Declaração de Syrthe, Líbia, aos 09 de Setembro de 1999, que, na Cimeira de Lomé, Togo, de 12 de Julho de 2001, foi ratificada por chefes de Estado de 36 países.

Foram precisos 12 meses para que fossem criados os órgãos da UA e, no dia 09 de Julho de 2002, ela fosse oficialmente lançada, em Durban, África do Sul, durante a 38ª cimeira.

Thabo Mbeki foi o seu primeiro presidente em exercício.
Na altura, ao analisar a forma como surgiu a UA, António Glaser, chefe de redacção do "La Lettre du Continent", escrevera: "da forma como a organização Panafricana nasceu, temo que a nível internacional, ela venha a ser manipulada para servir interesses extra-africanos".

"Infelizmente, temo que de vez em quando, a UA venha a ser utilizada no seio do Conselho de Segurança da ONU para servir interesses das grandes potências", sublinhara.

O jornalista francês previra igualmente as dificuldades que a UA encontraria na tomada de decisões, porque a mesma carecia de uma verdadeira estratégia política e de defesa militar comuns à todos os Estados membros.

Os temores de António Glaser confirmam-se, pois, tal como no passado, muitos países africanos continuam a depender militarmente das suas antigas potências coloniais.
Citou os Estados Unidos, a França, a China e outras potências como possíveis manipuladores que se servem da UA, imiscuindo-se nos seus assuntos internos, para atingir os seus objectivos.

A organização, pela França, de encontros de chefes de Estado africanos para analisar a situação de segurança no continente, e a criação de forças por ela coordenadas, como o G-5 Sahel, confirmam perfeitamente as preocupações do jornalista francês.

A UA foi fundada na base da solidariedade africana. Os Estados membros deveriam adoptar um comportamento susceptível de culminar numa integração similar à da União Europeia, como fora previsto.

Ela cingir-se-ia à experiência de integração europeia, com Estados directores a servirem de locomotiva para a conduta dos países membros mais desprovidos, impondo a ordem em termos de estratégia económica, militar e social, mas sempre com base no estabelecido pela Carta constitutiva da organização.

A Nova Parceria para o Desenvolvimento da África (NEPAD), lançada em 2001, e que tinha por ambição enfrentar os desafios do continente, nomeadamente a pobreza, o desenvolvimento e a marginalização de África no concerto das Nações, serviria de guia para os Estados directores, caso existissem no seio da UA.

Mas, ao que parece, e por motivos ainda incompreendidos, 18 anos depois, tanto o modelo europeu da UA como os desafios definidos pela NEPAD, não passa ainda de um projecto no papel.

Recorde-se que a NEPAD foi concebida para erradicar a pobreza, promover o crescimento e o desenvolvimento sustentável, integrar plenamente a África na economia mundial e acelerar a autonomização das mulheres.

Infelizmente, tudo isso acontece porque a maioria dos países membros da UA ainda não se libertaram das dependências das suas antigas potenciais coloniais e das influências das actuais potências mundiais, por causa do individualismo de alguns Estados ditos directores, que se abstêm em envolver-se no modelo de integração regional que eles próprios definiram.

A tendência concorrencial e oportunista à liderança africana dos países com substanciais poderes económicos, financeiros e militares, como a África do Sul, a Nigéria, a Argélia, o Egipto e Marrocos, que olham mais para o seu próprio umbigo do que para a África no seu todo, é pernicioso para o crescimento integral do continente.
O comportamento de Marrocos é ainda mais atípico e inaceitável numa organização supranacional. Embora tenha sido membro co-fundador da OUA, em plena vigência da intangibilidade das fronteiras legadas do colonialismo e do banimento do fenómeno, Rabat ainda ocupa o Sahara Ocidental.

O caso da Nigéria que não está disposta a ratificar o acordo sobre o mercado livre africano aprovado em Fevereiro de 2018, durante a cimeira da UA, de Kigali (Rwanda), alegadamente por os principais sindicatos não concordarem com a iniciativa, não é digno de um país que se considera segunda economia de África.
Por isso, as reformas da UA, iniciadas em 2015, que culminaram com a assinatura de um acordo sobre a Zona de Comércio Livre, devem incluir outras acções, visando elaborar um projecto de união mais realista e mais adaptado às exigências do continente.

Para tal, um dos primeiros desafios a vencer será, tal como a UA propôs à UE, é a negociação em pé de igualdade os Acordos ACP-UE, assinados em 2000, com o fito de se obter um pacto equilibrado que garanta uma convenção “ganha-ganha”.
Significa que, na sua futura negociação com a UE, a UA não deverá ceder nos pontos fulcrais que já anunciou, entre quais a transformação estrutural das economias e o crescimento inclusivo, o desenvolvimento centrado na população, a migração e a mobilidade, a paz e a segurança, a ciência, a tecnologia e a inovação, o ambiente e as mudanças climáticas, a governação, os direitos humanos e a gestão dos recursos naturais. ANG/Angop