Tendo em consideração ao Poder Judiciário, um dos três poderes
do Estado moderno, disse José Mário Vaz em entrevista concedida a jornalista
Isabel Marisa Serafim da Lusa e à RTP, no dia 8 de Julho de 2019, a propósito
do paradeiro de 12 milhões de dólares doados por Angola: “Estamos no melhor
momento para o Ministério Público averiguar essa situação, porque os
protagonistas estão todos no país. Estou eu, está a ex-secretária de Estado do
Orçamento e Assuntos Fiscais, está o ex-secretário de Estado do Tesouro, está o
ex-primeiro-ministro e está a filha do ex-primeiro-ministro”.
Esta declaração, não sendo só um apelo à justiça, é, na minha
opinião, reveladora do carácter modesto da pessoa do actual Presidente da
República, ao ponto de o levar a voluntariar-se no sentido de se abdicar da capa
da imunidade reforçada de que gozar como Presidente da República, para prestar
esclarecimentos no âmbito do processo do desaparecimento dos 12 milhões de
dólares doados por Angola, conformando-se, inclusivamente, com
o facto de poder ser convocado a depor como testemunha, ser notificado, ser brigado
a prestar depoimento nas formas prevista na lei, ou até constituído arguido.
O guineense de cerca de 40 anos de idade não conheceu um Ministério Público
agudo quanto a aplicação e o cumprimento das leis. A Magistratura judicial continua
entorpecida face aos crimes praticados pelas figuras proeminentes citadas e não
citadas pelo Presidente da República, no exercício das suas funções, como o
potencial envolvimento (autoria moral e material), por exemplo, nos
assassinatos ocorridos nos últimos anos, entre 2009 a 2012; em desvios de
fundos, uso inapropriado de bens públicos, abuso de poder, entre outros. Se a ex-secretária de Estado do Orçamento e Assuntos Fiscais, o
ex-secretário de Estado do Tesouro, o ex-primeiro-ministro e a filha do
ex-primeiro-ministro, não gozam, nesse momento, de qualquer
imunidade especial pelos actos que praticaram no exercício das suas funções, o
estará a impedir a sua convocação pelo MP?
A maior parte dos crimes cometidos nos últimos anos são do conhecimento
público. Quer o processo de desvio de 12 milhões de dólares doados por Angola, quer
em todos os outros que envolvem figuras cimeiras do Estado, o nome de Carlos
Gomes Júnior como mandante, concordante ou consciente dos actos surge em
permanência. Ele próprio desvaloriza a justiça guineense. Ele próprio na
sequência do Golpe de Estado de 2012, mandou impor sanções a 11 altas patentes militares
guineenses. E será que Cadogo Jr., por exemplo, não cometeu nenhum crime quando
a todo custo quis - à revelia da nossa Constituição - entregar o cargo de
Primeiro-ministro, para se candidatar ao lugar de Presidente da República, como
forma de barrar caminho a outros candidatos? A nossa Justiça parece elitista e cínica.
O Supremo Tribunal de Justiça fora, por exemplo, o órgão judicial que admitiu a
candidatura de Nino Vieira às presidenciais, cinco anos após o exílio em
Portugal, mas que veio a ser assassinado em pleno exercício das suas funções.