quarta-feira, 18 de novembro de 2015

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO NEOCOLONIALISMO


João Melo – Rede Angola, opinião, IN PG
 
A tendência neocolonialista (pior do que “tentação”, “lapso” ou “desvio”) dos donos e funcionários do sistema mediático (e não só) de Portugal quando o assunto é Angola não é nenhuma paranóia da maioria dos angolanos: é um facto. A cobertura da generalidade dos meios de comunicação lusitanos a propósito dos 40 anos da independência angolana é disso prova insofismável. O sentido produzido pelas diferentes peças produzidas sobre a efeméride (artigos, reportagens, entrevistas e outras) é que, no limite, os angolanos viviam melhor no periodo colonial do que quatro décadas após a independência do seu país. Isso é um insulto, que apenas merece desprezo. De facto, e como me disse um grande amigo, os 40 anos de liberdade ninguém nos tira. É isso o que dói àqueles que não se conformam até hoje com a perda da antiga jóia da coroa. De resto, as nossas makas somos nós que temos de resolver (e vamos fazê-lo).
Um exemplo daquela tendência é o artigo “O sonho e os pesadelos”, publicado na edição da revista do Expresso do último Sábado, 14 de Novembro de 2015. O vício de base desse artigo é confundir um balanço de 40 anos com a fotografia de um momento específico, a saber, a actual crise económica e financeira de Angola. Mas, mais grave do que isso, é a maneira como os factos e as declarações das fontes são seleccionados, articulados e enquadrados, de maneira a produzir um sentido determinado, no caso, negativo e catastrofista. Eu sei do que falo, pois, como jornalista e escritor, o meu material de trabalho são as palavras e eu sei perfeitamente como organizá-lo para produzir sentidos.
Acontece que eu fui uma das fontes ouvida pelo autor do artigo. Contudo, as minhas declarações, além de amputadas (por exemplo, as observações críticas à imprensa portuguesa foram cirurgicamente omitidas), também foram, muitas vezes, utilizadas fora do contexto. Ora, eu não só conheço o autor do artigo – que considero um profissional sério -, como sei como funcionam as redacções e qual o papel dos editores, sobretudo em relação aos artigos enviados pelos correspondentes. Não me custa, pois, admitir que essa manipulação grosseira seja da responsabilidade da redacção e não do correspondente doExpresso em Luanda.
 
Entretanto, e para que os leitores possam fazer a sua própria avaliação, reproduzo a seguir as três perguntas que me foram enviadas e as respectivas respostas, na íntegra:
P) Fim do El Dorado. Um mito ou uma realidade?
R) “El Dorado” para quem? Certamente para um grupo reduzidíssimo de angolanos e muitos estrangeiros que ganharam muito dinheiro em Angola nos últimos anos, sem que, em contrapartida, a economia tivesse registado uma acumulação de capital que permita o seu verdadeiro desenvolvimento. Aliás, o problema é esse: haver quem (estrangeiros e até angolanos) veja o país como um suposto “El Dorado”. Espero (ainda não estou certo) que a crise actual faça o pessoal cair na real. Seja como for, discordo igualmente de um certo ranço catastrofista presente na sua pergunta. Angola continua a ser um país de grandes potencialidades. O necessário é não só, como toda a gente diz agora, mudar a estrutura da economia, acabando com a dependência em relação ao petróleo, mas pensar, de maneira ousada, um projecto para o país que envolva aspectos como a promoção da diversidade, o reordenamento demográfico, a imigração, a industrialização, a valorização dos elementos tradicionais que podem ser realmente úteis ao desenvolvimento (e deixar de, populisticamente, de falar na tradição em geral), etc., etc., etc. Mas, desgraçadamente, hoje não temos visionários, nem em Angola nem no resto do mundo.
 
P) O modelo escolhido para a criação da burguesia angolana, gerando controvérsias, era inevitável ou dever-se-ia enveredar por um outro caminho?
 
R) Qual? Conhecendo minimamente a História como eu a conheço, não sei de outro caminho. Isso pode ser chocante, para alguns espíritos bem pensantes, mas então que nos digam como é que isso poderia ter acontecido. Aliás, incomoda-me essa obsessão da imprensa portuguesa pelo processo de formação da burguesia angolana. Se investigarem como esse processo ocorreu em Portugal, até escravocratas que viraram banqueiros vão encontrar. Portanto, adiante. O problema não é como esse processo ocorreu, é o que faz a burguesia angolana nascente (alguma dela já implantada) com o dinheiro que acumulou? Está realmente a contribuir para o desenvolvimento de Angola? Os dados do BNA segundo os quais o investimento angolano no exterior superou os investimentos externos no país não abonam a favor dessa burguesia. Decididamente, a mesma precisa de aprender com a burguesia asiática.
 
P) Como devem as autoridades enfrentar a crise para esbater o sufoco social provocado pela quebra dos preços do petróleo?
 
R) Primeiro, controlar todos os escoadouros por onde o dinheiro escapa: gigantismo do aparelho do Estado, gastos supérfluos, funcionários fantasmas, facturas frias, contratos de assistência técnica desnecessários, consultorias inúteis, repatriamento “vitalício” de capitais, etc. Segundo, adoptar prioridades correctas: infra-estruturas básicas, programas sociais, promoção da agricultura e da indústria, para gerar empregos e reduzir as importações.
 
Paris, Iraque, Palestina
 
Os atentados terroristas ocorridos em Paris na última sexta-feira, 13, precisam de uma leitura abrangente e corajosa, que vá além da sua condenação pura e simples. Esta última, embora imperiosa, não passará, caso se esgote nela própria, de uma espécie de acto reflexo, que pouco ajudará a criar uma situação onde tais atentados sejam uma aberração em termos.
 
Que não haja dúvidas: o terrorismo é absolutamente condenável e inaceitável. Por mais legítimas que sejam as motivações (o que não parece ser o caso, entretanto, da Al Qaeda ou do ISIS; caso muito diferente era ou é o das organizações palestinas que lutam pela autêntica independência do seu território), os métodos terroristas de luta não fazem sentido, antes pelo contrário.
 
Sobre esse ponto, repito, não pode haver concessões. Mas todo o fenómeno tem várias facetas. Assim, as principais potências mundiais, com os EUA à cabeça, não podem igualmente ser isentas das suas responsabilidades, históricas e actuais, em relação ao crescimento do terrorismo, na sua versão islâmica, nas últimas décadas.
 
Pouco se fala nisso, agora, mas, pessoalmente, não tenho dúvidas de que, por exemplo, a não-resolução do velho problema da Palestina é o primeiro factor que, não o justificando, explica a existência do terrorismo islâmico. Serve-lhe, pelo menos, de pretexo bastante funcional.
 
Já o papel Americano no surgimento da Al Qaeda e de Bin Laden está perfeita e rigorosamente documentado. Por outro lado, a incompreensível invasão do Iraque, após o atentado das Torres Gémeas, em Nova Iorque, tornou o mundo muito mais inseguro desde então. Essa leitura é perfilhada por círculos e personalidades do establishment norte-americano, a começar pelo presidente Obama. Mais recentemente, a acção atabalhoada dos EUA na Síria, sobretudo o fornecimento de armas a grupos desconhecidos, a pretexto de serem opositores do presidente Bashar al-Assad , contribuiu também para o surgimento das forças do Estado Islâmico, organização que já reivindicou os atentados de Paris.
Não basta, por tudo isso, reforçar as medidas de segurança para combater o terrorismo. Isso é fundamental, mas se não se acabar com a desordem no Médio Oriente e no norte de África, provocada pela estratégia ocidental de impôr a democracia à bala ou mediante supostas “revoluções coloridas”, em países cuidadosamente selecionados, deixando de fora, portanto, os seus principais aliados; se a Europa não absorver e integrar os refugiados e imigrantes que chegam do sul, promovendo uma autêntica diversificação das suas sociedades; e se, last but not the least, a questão palestiniana continuar irresolúvel – o terrorismo islâmico continuará a alimentar-se desse pernicioso caldo de cultura, vitimando sobretudo cidadãos inocentes em todo o mundo.