sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Opinião: COM O RECENSEAMENTO ATRASADO E DE IRREGULARIDADES, ANUNCIA-SE UM CONFLITO PÓS-ELEITORAL

Em contextos com poucas décadas de experiência democrática, cuja maioria é pertencente ao continente africano, não é muito incomum a eclosão de conflitos políticos e militares de proporções significativas nos períodos pós-eleitorais. A ausência de transparência e justiça eleitorais conduziu, especialmente nas décadas de 1990 e 2000, diferentes países a guerras civis e/ou paralisias político-institucionais, sendo que, em grande medida, as denúncias de fraudes e falcatruas estão associadas ao processo de votação ou escrutínio. Se a votação, o escrutínio e a divulgação dos resultados são passíveis de fraudes e suscitação de conflitos, mesmo quando o processo de recenseamento é objeto de transparência e demarcado de divergências, imagina quando este último é amplamente contestado.

A Guiné-Bissau precisa, como nunca antes, preparar e realizar eleições transparentes, justas e pacíficas, como forma de produzir um governo legítimo e que tenha confiança do povo e da comunidade internacional. Para o efeito, a remarcação da data de 18 de novembro é indispensável. Isso cumpriria três objetivos que penso serem fundamentais neste momento: 1) a legitimação do processo eleitoral por todos os atores participantes, 2) a inclusão de todos os potenciais votantes no processo, a partir de ampliação do prazo-limite de recenseamento e 3) a criação de confiança do futuro governo em relação aos cidadãos nacionais e aos seus parceiros domésticos e internacionais.

O atraso de 1 mês (em relação à data prevista de 23 de agosto) para dar início ao processo de inscrição dos eleitores, e o recenseamento parcial destes por insuficiência dos kits eleitorais (apenas 150, quando se esperava um total de 350 kits), somando as irregularidades constatadas no processo, são mais do que elementos suficientes para a remarcação da data de eleições a ser precedida por adoção de um novo calendário de recenseamento. Por isso, advogo que todos os atores político-partidários e sociais tenham o bom senso para alterar a data de votação, tendo em conta as irregularidades verificadas no processo em curso e pela falta do tempo hábil para um normal e cabal inscrição de todos os potenciais eleitores guineenses.



A argumentação de que a data de 18 de novembro foi proposta e acordada com os parceiros internacionais, especialmente com a CEDEAO e que, por isso, deve ser categoricamente observada, perde consistência e normatividade face aos atrasos e anomalias que têm caracterizado até aqui o processo. Aliás, a postergação desta data a um período correspondente a pelo menos 30 dias, como forma de recuperar o tempo perdido, deveria constituir um mecanismo político e normativo consensual a aplicar de forma imediata.

Não é razoável que o recenseamento termine dia 20 deste mês, deixando fora do processo uma quantidade significativa de cidadãos com capacidade eleitoral, por culpa que não é deles. Como ter deputados e governo legítimos nessas condições? O governo tem o dever de criar condições para que todos, digo todos, os cidadãos se habilitem para exercer o direito de voto, ao menos que alguns cidadãos resolvam voluntariamente não o fazer.

É uma flagrante irresponsabilidade política pretender levar às urnas só uma parte da população para escolher os futuros governantes da nossa terra. Todas as eleições são importantes, entretanto estas viram crescida sua importância devido às profundas crises de governabilidade – oriundas do PAIGC – que ainda assolam o país. Se há eleições que devem merecer credibilidade, legitimidade e transparência são estas cujo processo está em andamento, sob pena de o país conhecer um profundo conflito pós-eleitoral.

A data de 18 de novembro, reitero, é inviável. Se se quer, e deve-se querer, um clima pós-eleitoral relativamente contornável do ponto de vista da possibilidade de criação de condições com vistas a um cenário de governabilidade e normal relacionamento interinstitucional, deve-se fazer arranjos no calendário eleitoral, incluindo todos ao processo.

Como se legitimará e reconhecerá o resultado duma eleição em que uma parte de potenciais eleitores não votaram por falta de kits ou de tempo hábil para se recensearem? Como legitimar um parlamento e um governo escolhidos só por uma parcela de cidadãos? Como falar em criação de condições de estabilidade e governabilidade pós-eleitoral no país quando há irregularidades e atrasos – inclusive reconhecidos por todos os atores políticos e partidários? O PAIGC, enquanto a fonte de todas as instabilidades e todos os conflitos que têm castigado este povo, deveria ser o primeiro a descartar a data de 18 de novembro e defender uma nova data, tendo em conta todas as anomalias verificadas até aqui.


Por: Timóteo Saba M’bunde, Mestre em Ciência Política.
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