[REPORTAGEM] Quando o Infante Dom Henrique evocara as cinco razões de enviar 51 Caravelas portuguesas para conquistar a então Guiné-Portuguesa, atual Guiné-Bissau, em 1446, não previa que até hoje, 132 anos depois de Portugal ter cedido à França a região de Casamansa, a 13 de Maio de 1886, que aquela região de Senegal localizada ao Sul da Gâmbia e a Norte da Guiné-Bissau continuaria a ser a mais cosmopolita da República do Senegal onde a língua portuguesa é mais falada atualmente de entre os países não lusófonos.
Para o Infante Dom Henrique, a primeira razão da conquista da Guiné Portuguesa era a vontade de conhecer as terras que iam para além das Canárias e do Cabo Bojador; seguida por razões comerciais da troca de produtos; terceiro, por dizer-se, na altura, que o poderio dos Mouros daquela terra de África era muito maior do que comummente se pensava; a quarta era saber se haveria um Rei Cristão naquela zona de África Ocidental e a última era a expansão da fé cristã. Não visava, na altura, lançar semente para que a língua portuguesa perdurasse até hoje na região de Casamansa como um factor de resistência cultural dos casamansenses.
“A República do Senegal é hoje o país não lusófono onde há mais estudantes da língua portuguesa no mundo. Setenta (70%) por cento desses estudantes são da região de Casamansa”, afiançou ao DN o Formador de Professores de Português do Centro Regional de Formação das Pessoas da Educação (CRFPE) em Ziguinchor, o Professor Demba Thiam, que considerou “em virtude das nossas ligações históricas, culturais, linguísticas e religiosas com a Guiné-Bissau, muitos jovens de Casamansa optam por estudar a língua portuguesa nos Liceus, nos Colégios e nas Universidades” do Senegal.
Em todo o território Senegalês existem 48 mil estudantes da língua portuguesa e 400 Professores espalhados entre Liceus, Colégios e as Universidades. Dezoito mil (18.000) são da região de Casamansa (Ziguinchor, Kolda, Sédhiou e Bignona), onde a Língua Portuguesa é falada por alguns quadros superiores nas empresas e nos Departamentos dos serviços públicos.
Mas no olhar de Professor Demba Thiam não é o facto de Portugal ter cedido à França a Casamansa, em 1886, em troca com a aldeia de Cacine no Sul da atual Guiné-Bissau, que os casamansenses iriam abandonar o estudo da língua e da cultura portuguesa nquela região cuja capital, Ziguinchor, é localizada próximo do litoral e é a mais cosmopolita pela diversidade dos seus grupos étnicos: Djolas, Mandingas, Fulas, Manjacos, Mancanhas, Banhun e Seres.
“Não é porque Portugal terá cedido Casamansa aos franceses, em 1886, em troca da aldeia de Cacine, que nós os casamansenses vamos deixar de estudar a língua e a cultura portuguesa. Há aqui na região de Casamansa, jovens que têm famílias inteiras a viver na Guiné-Bissau e há uma ligação religiosa e linguística muito comum. Muitos têm o pai, a mãe e os irmãos a viverem na Guiné-Bissau. Temos também uma ligação religiosa e linguística muito comum. É necessário e imperioso apreendermos a língua portuguesa para podermos comunicar com a nossa família”, explicou Demba Thiam que testemunha que “na década de 1954, a língua espanhola era a mais procurada no Senegal”.
“Mas, a partir de 1972, quando um Professor guineense, Pinto Bull, com o apoio do então Presidente da República do Senegal, Leopold Sedar Senghor, instituiu na Universidade Cheik Anta Diop, em Dacar, o ensino da Língua e da Cultura portuguesas, o espanhol começou a perder força, passando o português a ser e até hoje, a primeira língua viva que os senegaleses escolhem para estudar nos Liceus, nos Colégios e nas Universidades” do Senegal.
Também Professor Adrien Modeste Mendy que ensina o português no Centro da Língua Portuguesa na Universidade Assane Seck em Ziguinchor, capital de Casamansa, rimou pelo mesmo diapasão: “a nossa proximidade cultural, religiosa, famíliar e linguística com a Guiné-Bissau são fatores que nos levam, quer aqui em Ziguinchor, nas Universidades em Dacar ou nas outras cidades do Senegal, a optar por estudar a Língua e a Cultura portuguesas”.
O ensino da Língua e da Cultura portuguesas ganhou outra dimensão e visibilidade no Senegal com a chegada, em 1998, vinda da Guiné-Bissau, de um leitor de Instituto Camões, José Manuel Horta, à Universidade Cheik Anta Diop, em Dacar. Foi a sua a ideia criar, na Universidade Assane Seck, em Ziguinchor, o Centro da Língua Portuguesa para dar mais visibilidade à cultura e a língua portuguesas na região de onde são originários e oriundos os 70 por cento dos estudantes senegaleses que estudam a língua e a cultural portuguesas no Senegal.
“Na realidade este Centro é muito pequeno. Mas estamos apenas a começar. A ideia é de construir aqui um edificio com dois pisos e muito bem equipado com livros e projecção de filmes ao ar livre”, defendeu Adrien Modeste Mendy, sustentando que “não é o facto de não estar a viver agora aqui, em Casamansa, uma comunidade portuguesa, que vamos deixar de estudar a língua e cultura portuguesas. Temos muitas familias que vivem na Guiné-Bissau. Eu próprio visitei, na semana passada, a minha familia na região de Cacheu, na Guiné-Bissau. Portanto, temos a necessidade imperiosa de estudar a língua portuguesa para podermos comunicar com os nossos familiares que vivem na Guiné-Bissau”.
Por seu lado, o professor do Colégio Maientique de Ziguinchor, Mame Daonr Dabo, considerou que, para além da proximidade geográfica, cultural, religiosa e linguística com a Guiné-Bissau, também o facto de os professores que ensinam hoje a língua e a cultura portuguesa no Senegal serem quase todos eles jovens tem influenciado os jovens a optar pelo estudo da língua e da cultura portuguesas nos Liceus, nos Colégios e nas Universidades de Senegal.
“Para além da nossa proximidade geografica, cultural, religiosa e linguistica, também o facto de a maioria dos professores que ensinam hoje a Língua e a Cultura Portuguesa no Senegal serem muito jovens influência os jovens a estudar a língua portuguesa”, explicou ao DN Mame Dabo, concluindo: “também querem conseguir uma bolsa de estudos para estudar e aprofundar mais e melhor os seus conhecimentos em língua portuguesa, na Faculdades de Letras de Lisboa, para poderem ser intérpretes em língua portuguesa nas várias conferências internacionais que se realizam por todo o Senegal”.
VISIBILIDADE DA CULTURA PORTUGUESA NA CIDADE DE CASAMANSA
Há 132 anos depois de cedência, em 1886, por Portugal à França, quem visita hoje a cidade de Ziguinchor pode constatar que ainda se mantem viva algum patrimônio cultural, usos e costumes portugueses na capital casamansense. O mapa arquitetônico da cidade de Ziguinchor mudou muitos. Mesmo assim ainda se mantêm vivas e visíveis as marcas seculares dos vestigios da arquetectura portuguesa na cidade de Ziguinchor.
Quase todas as casas da parte velha da cidade, junto ao Porto de Ziguinchor, ainda apresentam vestígios da arquitetura portuguesa. Os jardins da mesma zona da cidade apresentam marcas seculares de usos e costumes dos portugueses, a semelhança dos jardins da praça do império e Honório Barreto na Guiné-Bissau.
Com 32.350 quilométros quadrados, Casamansa tem uma vasta reserva de petróleo na sua zona marítima, o que está na origem de várias facções armadas que combatem desde 1982 pela independência da região, do Senegal. Em 2004, sob a batuta do então governo da Gâmbia liderada na altura pelo Presidente Yaya Jammeh, as várias facções assinaram um acordo de paz que morreu logo depois da sua assinatura.
Hoje, a esperança e a expetativa da população de Casamansa reside no novo processo de negociações que a comunidade de Santo Egídio da Itália vai encetar brevemente entre o governo de Dacar e as várias facções de rebeldes de Casamansa. Mas, a esperança e expetativa da população casamansense poder ser muito exígua, uma vez que as facções de César Badiate, de Compasse Djata e de Fatoma Couly alegam ainda não terem sido contatadas pela Comunidade Santo Egidio.
“Nós ainda não fomos auscultados pela Comunidade Santo Egidio. Porém ouvimos dizer que os seus membros estão a negociar com o grupo do Comandante Salif Sadio”, explicou ao DN Pape Djata, da facção do Comandante Compasse Djata, sustentando de seguida que “nós estamos aqui na nossa barraca à espera que nos contatem para o processo negocial. Acho que devem contar com todas as facções armadas e sociedade civil casamansense. Ao invés disso, não vejo como é que a Comunidade Santo Egídio conseguirá um acordo que traga a paz duradoura na região de Casamansa”.
Por: António Nhaga