BREVES APONTAMENTOS A PROPÓSITO DO RESPEITO PELA Constituição E demais LEIS COMO Solução PARA O imbróglio Jurídico-político PREVALECENTE NA Guiné-Bissau
A Guiné-Bissau está uma vez mais, submersa em querelas políticas estéreis por questões que deviam ter sido normais num processo de construção democrática, mas que acabaram por ser empoladas, a ponto de assumirem proporções descomunais e, mesmo inquietantes para observadores incautos, sem sentido, nem fundamento jurídico.
Eleito pelo povo para representar a nossa Nação em construção, o Deputado, à exemplo de seus homólogos em todo o mundo democrático, participa no exercício da soberania nacional, votando leis e controlando a acção do Governo. Para tal, beneficia dum estatuto protector, concebido não como um privilégio, mas como um meio destinado a assegurar a independência e a liberdade de expressão necessárias ao exercício do seu mandato. Esta protecção específica está consagrada pelo princípio das imunidades parlamentares, que encontra o seu fundamento na própria Constituição (Artigo 82º) e que encerra duas categorias intrínsecas a essas mesmas imunidades: a) a irresponsabilidade e b) a inviolabilidade.
Neste contexto, a irresponsabilidade (Artigo 10º, do Estatuto dos Deputados) cobre todos os actos da função parlamentar, a saber, as opiniões e votos, propostas de lei, emendas, relatórios ou pareceres executados no quadro duma missão confiada pelas instâncias parlamentares. No seu campo de aplicação, a irresponsabilidade tem um carácter absoluto, isto porque nenhum procedimento pode suscitar o seu levantamento. Enquanto, por seu lado, a inviolabilidade (Artigo 11º, do Estatuto dos Deputados) consiste numa garantia que visa evitar que o exercício do mandato parlamentar não seja impedido por alguns procedimentos criminais respeitantes aos actos executados pelos Deputados enquanto simples cidadãos, sem prejuízo do exercício da acção penal por actos estranhos à sua função.
Assim, em razão da imunidade parlamentar, que consiste num conjunto de disposições que asseguram aos parlamentares um regime jurídico derrogatório ao direito comum nas suas relações com a justiça, precisamente, no intuito de preservar a sua independência, a nossa Constituição da República é taxativa ao dispor no seu artigo 82º, n.º 1, que: “Nenhum deputado pode ser incomodado, perseguido, detido, preso, julgado ou condenado pelos votos e opiniões que emitir no exercício do seu mandato.” O que significa que o mandato do deputado deve ser preservado de qualquer influência que possa contrariar o seu livre exercício. Trata-se, efectivamente, conforme se referiu anteriormente, de uma imunidade absoluta, que impede que o deputado possa ser incomodado, perseguido, detido, preso, julgado ou condenado por pelo facto de ter emitido votos e opiniões no exercicio das suas funções. Portanto, o cerne da crise despoletada pelo PAIGC, na Guiné-Bissau: expulsão das fileiras partidárias dos seus dirigentes eleitos Deputados e que, no exercício das suas funções abstiveram-se de votar a moção de confiança relativamente ao Programa de Governo em 23 de Dezembro de 2015 e cujos mandatos foram ulteriormente cassados pela Assembleia Nacional Popular a pedido desse Partido que, ao enfrentar, uma vez mais, tal como no passado, uma dissidência interna, transfere a sua crise para a esfera do Estado, originando a paralisia do funcionamento normal das suas principais instituições, a saber, o Parlamento e o Governo; este, a emanação daquele.
Socorrendo-se da Constituição, verifica-se que o seu Artigo 8º, nº. 2, dispõe claramente que:” A validade das leis e dos demais actos do Estado depende da sua conformidade com a Constituição”. Uma situação que evidencia a inexistência, na Guiné-Bissau, da possibilidade de um acto infra-constitucional, de qualquer natureza, prevalecer sobre a Constituição ou substituir-se à esta. Por outras palavras, o disposto no Artigo 8º, da Constituição, significa uma clara imposição do constituinte guineense a respeito da necessidade de os actos do Estado se conformarem com a Constituição, sob pena de nulidade. Isto é, toda a vez que um acto de um dos órgãos do Estado não se conformar com a Constituição é nulo ipso facto, por não dispor de nenhuma validade. Isso porque todo o acto jurídico que não preencha os critérios de validade não produz efeitos úteis. Uma situação que é igualmente válida para os órgãos jurisdicionais do país, por força do disposto no Artigo 126º da Constituição da República, a saber: “Nos feitos submetidos a julgamentos não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consagrados.” E isso, sob pena de incorrerem os seus magistrados na prática de crime de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, nomeadamente, por crimes de abuso de poder, de prevaricação ou de subversão da ordem constitucional (Lei Nº. 14/97, de 2 de Dezembro).
E, na medida em que um dos princípios fundamentais do ordenamento jurídico guineense é de que o Estado subordina-se à Constituição e baseia-se na legalidade democrática (Artigo 8º), parte-se do pressuposto de que apenas em regimes democráticos podem ser encontrados a necessidade de um aprofundamento do Estado de Direito, pela presença de mecanismos jurisdicionais independentes de influências políticas que possam garantir a normalidade ao nível das relações institucionais do Estado – pessoa colectiva e sujeito de direito.
Perante essas considerações que precedem, visto que o cerne desta crise política prevalecente decorre da deliberação adoptada pela Comissão Permanente da Assembleia Nacional Popular que - mesmo supondo que fosse competente para deliberar sobre a perda de mandato, quando a Constituição só lhe confere a competência para exercer os poderes (gerais) da Assembleia Nacional Popular relativamente ao mandato dos deputados (N.º 2, b), do Artigo 95º) e não poderes específicos para decidir quanto à perda de mandato de deputados que é da competência do plenário da Assembleia Nacional Popular (Artigo 13º, do Regimento Interno) -, a haver uma decisão nesse sentido, ela não deve e nem pode resultar do exercicio do seu direito de voto ou de opiniões à luz do disposto no Artigo 82º, nº.1, da Constituição da República, sob pena de não conformidade dessa decisão com a letra e o espírito da Constituição e, consequentemente, a sua inexistência. Isto porque, em Direito Público não se presumem direitos e obrigações.
Em suma, no caso em espécie, o respeito pela Constituição impõe o status quo ante como forma de se retomar o normal funcionamento das instituições “fragilizadas” da República, poupando-se de “engenharias jurídicas”, recorrendo-se ao Supremo Tribunal de Justiça em sede de Juízo da Constitucionalidade das leis ou dos actos de entidades estatais. E, em última instancia, a palavra ao Presidente da República, na sua qualidade de garante da Constituição e do funcionamento regular das instituições (Artigo 62º, da Constituição).