quinta-feira, 12 de março de 2015

POR UMA NOVA CULTURA POLÍTICA


Rui Peralta, Luanda

Malcolm X
 
A 21 de Fevereiro de 1965, enquanto discursava no Audubon Ballroom, em New York, Malcolm X, 39 anos de idade, foi assassinado. O seu corpo tombou crivado de balas. Uma semana antes sofrera um atentado em casa. Malcom X acusou a Nação Islâmica e o líder deste movimento islâmico negro, Elijah Muhammad, de - em colaboração com a CIA (que infiltrara o movimento) e o FBI - o quererem assassinar.
 
Seis meses antes discursou no mesmo auditório em que foi assassinado. Nessa ocasião apresentou a Organização de Unidade Afro-Americana (OAAU), nos seguintes termos: "Uma das primeiras coisas que as nações africanas independentes fizeram foi formar uma Organização de Unidade Africana (OUA) (...) O propósito da (...) OAAU é o mesmo da OUA (...) lutar até a completa independência. Pretendemos, assim a independência dos afrodescendentes no Hemisfério Ocidental e primeiro nos USA (...) alcançar a libertação destes povos, por todos os meios necessários (...) Pretendemos começar no Harlem, onde existe a maior concentração mundial de afrodescendentes. Existem mais africanos por metro quadrado no Harlem que em qualquer cidade do continente africano (...) A Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Constituição dos USA e a Bill of Rights são os princípios em que acreditamos (...). Na nossa luta pela liberdade tivemos e temos apoio das comunidades vizinhas: italianos, irlandeses, judeus (...) mas é tempo de parar de fugir do lobo e de agir como raposas (...) A auto-preservação é a primeira lei da natureza (...). Nós, africanos, devemos recorrer ao direito da autodefesa, consignado na Constituição dos USA, que afirma o direito do cidadão á posse de armas, forma superior da garantia se autodefesa da cidadania face ao Estado (...). A História da violência impune contra o nosso povo indica claramente que temos de estar preparados para nos defendermos (...) não podemos continuar a suportar a brutalidade, a violência e o racismo (seja qual for) (...) ”.
Malcolm Little (assim era o seu nome, o sobrenome X, que adoptou, simbolizava o nome africano perdido) nasceu em Omaha, Nebraska, no dia 19 de Maio de 1925. Filho de Louise Norton Little e do orador baptista, Earl Little, um apoiante do nacionalista negro Marcus Garvey, Malcolm gozou uma infância normal, entre os seus sete irmãos, mas na adolescência "descarrilou". Vendeu drogas e dedicou-se ao assalto e roubo. Foi preso várias vezes e numa das suas estadias na cadeia aderiu à Nação Islâmica. Essa adesão transformou a sua vida.
Em pouco tempo Malcolm tornou-se num dos grandes oradores e propagandistas da organização. Ascendeu rapidamente na hierarquia do movimento negro islâmico, tornando-se um dos seus melhores dirigentes. A discursar em comícios, meetings, palestras, conferencias e acções de rua, pela Nação Islâmica, Malcom X era um dos nomes mais indicados e com maiores apoios nas comunidades da Nação Islâmica. Mas Malcolm rompe com a organização e forma a OAAU.
 
Foi uma das mais notáveis figuras da América Negra do século XX. Representava a América Urbana Negra, a sua cultura e a sua Politica. Militante activo na luta contra o racismo e o colonialismo, possuía uma visão internacionalista da emancipação, que partilhava com pan-africanistas como Du Bois e Paul Robertson. Aprendera com Marcus Garvey a importância de construir instituições negras fortes e partilhou com Martin Luther King Jr o ideal de Paz e Liberdade. Manteve contactos com Amílcar Cabral e  Eduardo Mondlane (e acompanhou de perto o desenvolvimento da luta armada na Guiné-Bissau, conduzida pelo PAIGC e em Moçambique, conduzida pela FRELIMO). Foi a Meca como peregrino, percorreu o Medio-Oriente e África (só em 1964 viajou pelo estrangeiro mais de 6 meses, discursando na Europa, Africa e Medio-Oriente). A CIA tinha um agente no seu encalço, um jornalista que cruzou-se em diversas ocasiões com Malcolm X (mais tarde, apos o assassinato de Malcolm X, este agente tentou infiltrar-se na FRELIMO e formou diversos operacionais dos Serviços Secretos Sul-Africanos, no tempo do apartheid, em Pretoria).
 
Um ano antes da sua morte, Malcolm X foi a Detroit, onde discursou: " (...) tal como o nacionalismo remove o colonialismo da Asia e de Africa, o nacionalismo negro removerá o colonialismo das mentes de 22 milhões de afro-americanos no nosso país. (...) os negros ouviram as falácias, as mentiras e as falsas promessas dos brancos durante demasiado tempo. Tornaram-se desiludidos. Tornaram-se desencantados. Tornaram-se insatisfeitos (...) as frustrações na comunidade negra dos USA tornaram a situação mais explosiva que qualquer bomba atómica que a Rússia possa inventar. (...) marchámos entre as estátuas de Lincoln - um morto - e de Washington - outro morto - cantando We shall overcome. (...) fizeram de nós tolos! Fizeram-nos pensar que íamos a algum lado e, afinal, não fomos a lado nenhum, andámos apenas entre as estátuas de Lincoln e de Washington. Por isso, hoje, o nosso povo está desiludido, desencantado, insatisfeito e frustrado. Por isso temos de passar á acção (...)".
 
Este discurso de Malcolm X - efectuado um ano antes do seu assassinato e já depois da ruptura com a Nação Islâmica - demonstra a sua evolução ideológica e a sua radicalização (no sentido primeiro e autentico da palavra: ir á raiz) politica. Aliás este discurso político e ideológico de Malcolm X influenciou toda uma futura geração de líderes comunitários negros nos USA e pode ser encontrado, uma década depois, na Africa do Sul, em Steve Biko.
 
Quando se converteu ao Islão, Malcolm assumiu o nome de El-Haji Malik El-Shabazz. Curiosamente manteve no seu pseudónimo o nome cristão, Malcolm (o seu pai era um pastor baptista) e o X indicativo da identidade africana perdida. Perdida, talvez, mas não ignorada. Malcolm conhecia bem os meandros da política africana. Uma vez, na embaixada do Quênia nos USA, o embaixador queniano, de forma nada diplomática e mal-educada, disse-lhe que ele, Malcom ou El-Haji Malik "não tinha o direito de ir ao Quénia (...)" que a "sua presença só causava problemas às autoridades" do país. Com modos cavalheirescos e num tom tranquilo (simultaneamente dando uma lição de comportamento diplomático e de boa educação) Malcolm respondeu ao exaltado funcionário: "Bom, se os senhores não fazem as coisas que o governo norte-americano faz, nem fazem as coisas que o governo norte-americano manda fazer, então as autoridades quenianas não precisam de preocupar-se com o que eu digo".
 
Esta conversa com o prepotente funcionário queniano, revela o profundo conhecimento que Malcolm X tinha da política africana: os governos progressistas, os regimes neocoloniais e a dialéctica das lutas de libertação nacional no continente africano (a luta de classes no seio do movimento de libertação nacional, a emancipação cultural e o objectivo final das independências nacionais).
 
A imagem que a propaganda oficial vende de Malcolm X é a de profeta da violência, um racista negro e xenófobo (uma facção mais sofisticada da comunicação social tóxica associa-o ao fascismo). Esta falsidade demonstra a falácia predominante da versão histórica (o mais correcto é: "obsessão histérica") das elites oligárquicas norte-americanas (brancas ou negras, anglo-saxónicas, africanas ou hispânicas, caucasianas ou melanianas). Malcolm X não é uma voz isolada num fenómeno de minorias raciais. Bem pelo contrário! O nacionalismo negro norte-americano tem raízes profundas na História dos USA e Malcolm X foi um dos seus mais proeminentes activistas e teóricos, num universo de pensadores e homens de acção que reivindicam os anseios das massas negras norte-americanas desde o século XVIII, algo que a máquina propagandística e a superstrutura ideológica do Império não gosta de mostrar á opinião pública internacional e muito menos aos seus concidadãos. No seu lugar é montado um cenário hollywoodesco que passa ao mundo (e em particular a África e á comunidade negra norte-americana) a imagem idílica de um presidente negro na Casa Branca.
 
50 anos depois do assassinato de Malcolm X o povo afro-americano está cada vez mais "desiludido, desencantado, insatisfeito e frustrado". As manifestações desta realidade? Os motins, o mal-estar permanente, a violência policial, os guetos pobres infestados de droga, prostituição e miséria...pois...é, de facto, uma imagem haitiana a que melhor expressa a realidade social norte-americana actual... Leia o artigo completo