domingo, 31 de julho de 2016

Crônica : A MALDITA MANDITA

Jorge Otinta
Estou cá só. Sozinho no escuro a pensar na vida que penosamente vou levando. Vida que julgo nem digno de nome é. Sei lá porquê… Mas, como sempre, contento-me com o pouco que vou adquirindo para o meu sustento quotidiano. Teclo uma tecla no meu Computador, depois teclo outra; e, assim, as ideias vêm surgindo como um emaranhado de fios que vou tecendo para costurar este texto. Disse, há pouco, que contento-me com o pouco, e esqueci-me que o pouco não me agrada. Pois, quero é o máximo de tudo que faço tirar o melhor proveito possível. No entanto, nunca me contentei com a impossibilidade, pois julgo que em qualquer que seja projeto de vida, se no início não há nenhuma faísca na relação causa-efeito, não poderá haver o fogo que alimente tal ideal, ou tal projeto concebido.

Sendo assim, com o tempo tudo poderá desaparecer por não ter sido bem pensado, bem organizado para que possa ser bem executado.
O sentimento, com o tempo, acaba por desaparecer senão bem trabalhado quer na horizontal quer na vertical. Afinal, a superfície (horizontal) só faz sentido se tiver a profundidade (vertical). Ora, como sabemos, toda a falha processual acarreta indubitavelmente em fracasso na realização e/ou satisfação de qualquer sentimento.
Penso agora na mandita que está a fustigar o meu joelho esquerdo. Dói-me tanto que chego a rir da própria dor que deveras me acomete estupidamente.
Entretanto, aconselha-me – com deveras advertência – a minha namorada para ir ao Hospital tratar-me da maldita mandita. Mas o que ela não sabe é que esta dor também me fascina – até um certo ponto, é claro.
Dói-me. É sério. Só a que dor que me aflige dá-me ânimo para continuar a viver com esta mandita que é ter de conviver com a barbárie nesta cidade.
Assim, em formato de versos, traduzo meu pesar:
Os de sempre
Ei-los os malditos
Protetores
De interesses escusos
Importados na metrópole assassina.
Ei-los a perambularem-se
Feitos baratas tontas
Com bocas agudas
Compridas e fedorentas
A inventarem mentiras
A disseminarem calúnias
Por entre as ruas,
Através de pessoas desavindas
E a espalharem boatos
Sujando na Praça pública
Os nomes de cidadãos decentes
Com nódoas assassinas
Homens e mulheres sanguinários
– Os sanguessugas!
Ei-los a prostituírem filhas
De gente humilde
Em nome de “agente” ingente
Ou, quiçá, “informante” mentiroso e canalha
Do Ministério da Indiscrição
– A soberana indústria
De ceifar vidas alheias
(Ei-los os nocivos ao Estado).
Ei-los que para subirem na vida
Defecam suas nulidades
Nas exímias competências
As sábias vontades.
Ei-los que, maldosa e malvadamente, excluem os bons
E promovem os maus.
Ei-los doutores
E engenheiros
Vindos de universidades fajutas
Porém indecentes de caráter.
Pessoas que, à primeira vista, vê-se suas bocas trémulas
Cheias do mal de Parkinson
Das mentiras urdidas
Das calúnias infundadas
Nas mentes criminosas e assassinas.
Ei-los ladrãos diplomados
Nos Institutos de Pesquisas avançadas
Mas que nunca vão presos
Sempre soltos
Porque seus destinos são como produtos avulsos
Vencidos, e fora do prazo da validade.
Bissau, 21 de Julho de 2016.
É esta a mandita suja, vencida, e fora do prazo de validade que nos atormenta a todos nós. Nos corrói por dentro, e nos enfeia por fora.
Caro leitor d’O Democrata, até a próxima, que o cronista precisa dormir para tentar esquecer o desassossego pátrio.
Por : Jorge Otinta, poeta, ensaísta e critic literário guineense