sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Opinião: HÁ UM TUMULTO POLÍTICO SILENCIOSO, E NÃO ME PARECE MENOS PREOCUPANTE


O PAIGCWOOD = somatório de todos os males que afligem a Guiné-Bissau desde independência a esta parte. Sempre foi, é e será o epicentro das crises políticas no nosso país, é um cancro que nem a quimioterapia e radioterapia conseguem eliminar, enfim! Enquanto essa força política não desaparecer da cena política, ou não se desinfestar e desinfetar com lixívia e creolina, a Guiné-Bissau, não terá a paz. 

Não acredito que tenha havido um eventual desgaste político, logístico ou financeiro do PAIGC que teria ocasionado uma suposta tranquilidade de governação para o executivo de Sissoco Embaló, patrocinado pelo Presidente JOMAV. E muito menos comungo a crença de que o Primeiro-Ministro tenha se firmado suficientemente e logrado, portanto, cercear os movimentos que até pouco tempo se levantavam sistematicamente, através de cíclicos protestos populares e conferências de imprensa contra o status quo, questionando o Presidente da República e denunciando a ausência de legitimidade do governo.


Penso que uma suposta habilidade política de Sissoco – independentemente da interpretação que aqui atribuímos a este conceito – não seria suficiente para produzir esse cenário político. Muito menos a imoderação política deste outsider da política guineense, e do PAIGC dos últimos anos, lograria propiciar um cenário favorável de governação face a todos os desafios políticos conjunturais.

A conotação de político imoderado, já que falei em imoderação política do chefe do governo, é justificada pelas atitudes e declarações polêmicas que contrastam o “politicamente correto”. Basta lembrarmos das declarações sobre o gás lacrimogênio, que teria sido trazido de Israel para dispersar os manifestantes, e o caso da proibição de mendicidade às chamadas crianças talibés. Penso que não é uma questão apenas de arrogância política, acredito ser mesmo a forma de abordagem de Umaro Sissoco e não sei se isso é uma característica inata sua ou reproduziu de algum lugar. Talvez o seu relacionamento com alguns barões da política africana tenha lhe rendido esse comportamento político, que alguns indivíduos podem avaliar como uma virtude para os padrões políticos da Guiné-Bissau, outros não. Me parece que o chefe de Estado adere ao primeiro grupo de indivíduos. Essa questão nos faz voltar justamente ao ponto de partida.

O desgaste político do PAIGC e a “altivez política” de Sissoco, em associação, poderiam explicar um pouquinho, muito pouco mesmo, o suposto sossego político, caso houvesse. Porque essa suposta tranquilidade política é só uma suposição mesmo – perdão pela redundância. Ela não existe. Certo? Existem, sim, ventos políticos que ecoam precisamente o oposto dessa percepção sobre o quadro político guineense desse exato momento.

Embora tenha sentido o revés desferido pelo JOMAV, qualquer agremiação política acusaria esse golpe, o PAIGC talvez tenha saído das ruas e também deixado um pouco os microfones para reorganizar a casa e tapar os buracos dos quais os sancionados teriam acesso para ir ao congresso que se avizinha e tentar buscar cargos futuros, já que o país está a 1 ano de eleições parlamentares. Me parece que nesse momento os independentistas fazem trabalho de retaguarda e não de vanguarda, e isso seria uma estratégia e não um conformismo político.

Vendo um pouco de lado, depara-se com o PRS também se preparando para as primárias do partido, em um clima político-partidário não tumultuado como do PAIGC, entretanto não desprovido de focos de agitações em relação à próxima liderança da organização. Vamos ver se haverá mudança substancial ou não na cúpula do partido de milho e arroz, que tem “mordido e assoprado” concomitantemente. O partido se perdeu ao constituir parte de todos os executivos da era JOMAV, como se isso fosse natural para a segunda legenda mais votada, e ainda profere um discurso e uma narrativa sempre buscando se desresponsabilizar totalmente da vigente crise político-institucional. O PRS é o sócio do imbróglio, embora o PAIGC tenha sido o progenitor do mesmo.

Diante desse quadro nebuloso e impreciso, há um emergente que responde pelo nome de APU-PDGB. O partido fundado por Nuno Gomes Nabiam – figura apresentada à senda política pelo saudoso Koumba Yalá – e composto na sua base por dissidentes do próprio PRS e do PRID, organiza-se e se fortalece para incomodar os libertadores e os renovadores. A calorosa recepção ao seu líder pela militância e pelos simpatizantes apuanos há poucos dias em Portugal, contraria as vozes que subestimam o potencial eleitoral desta nova cor partidária que, no meu ponto de vista, se conseguir reproduzir na Guiné-Bissau a mesma organização e o mesmo trabalho revelados na diáspora, terá grandes chances de lograr um bom resultado nas próximas legislativas – nesse caso, sucesso eleitoral não se resume à obtenção de maioria dos deputados.

A 1 ano de eleições, os principais atores políticos e partidários priorizam o trabalho de casa, bem ou malfeito. A preocupação, no entanto, é com aquilo que aqui chamo de tumulto político silencioso, caracterizado por um conjunto de pendências e imprecisões políticas que coloca o país em uma situação de enorme imprevisibilidade política. Há muito ainda por resolver no PAIGC, a pouco tempo do congresso de Bolama. Não há dúvidas de que isso é crucial para a estabilidade política ou não da Guiné-Bissau.

Para acentuar ainda mais a nebulosidade política, diz-se que Sissoco pretende pleitear a presidência da República, rumores esses que o Primeiro-Ministro tratou de rejeitar publicamente. E quem disse que ele os confirmaria! Ao que me parece, a sua imoderação política não chega a esse ponto. Como lida com essas notícias aquele que o pôs na primatura? Os teóricos realistas da política ensinam a não subestimar a egocêntrica natureza humana.

Há um tumulto político silencioso e este não me parece menos preocupante para a efetiva consecução da estabilidade política.


Por: Timóteo Saba M’bunde, Mestre em Ciência Política.