Rede Voltaire, Thierry Meyssan *
Quando o seu país foi atacado pelos jiadistas, em 2011, o Presidente Bachar al-Assad reagiu a contra-corrente: em vez de reforçar os poderes dos serviços de segurança, ele diminuiu-os. Seis anos mais tarde, o seu país está em vias de sair vencedor da mais importante guerra desde a do Vietname. O mesmo tipo de ataque está em vias de se produzir na América Latina, onde suscita uma resposta muito mais dentro do habitual. Thierry Meyssan expõe aqui a diferença de análise e estratégia dos Presidentes Assad por um lado, Maduro e Morales pelo outro. Não se trata de colocar esses líderes em compita, mas de apelar a cada um deles para extrair lições políticas e tomar em boa conta a experiência das últimas guerras.
Em Maio de 2017, Thierry Meyssan explicava na Russia Today em que é que as elites sul-americanas se enganam quanto ao imperialismo dos EUA. Ele insistia acerca da mudança de paradigma dos conflitos armados actuais e a necessidade de repensar, radicalmente, a maneira de defender a pátria.
A operação de desestabilização da Venezuela prossegue. Numa primeira fase, grupúsculos violentos, manifestando-se contra o governo, mataram transeuntes, ou seja cidadãos que se tinham juntado a eles. Num segundo tempo, os grandes distribuidores de géneros alimentares montaram uma rotura de abastecimentos nos supermercados. Depois, alguns membros das forças da ordem atacaram dois ministérios, apelaram à rebelião e entraram na clandestinidade.
A imprensa internacional não cessa de atribuir ao «regime» os mortos das manifestações enquanto que numerosos vídeos atestam que eles foram deliberadamente assassinados pelos próprios manifestantes. Com base nestas falsas informações, ela qualifica o Presidente Nicolas Maduro de «ditador» como já o havia feito, seis anos atrás, vis-à-vis a Mouamar Kadhaffi e a Bachar al-Assad.
No entretanto o governo Maduro apresenta duas falhas no seu activo:
uma grande parte dos seus eleitores não se deslocou às urnas aquando das eleições legislativas de Dezembro de 2015, deixando a oposição arrecadar a maioria no Parlamento.
deixou-se surpreender pela crise dos géneros alimentícios, quando, no passado, este tipo de manobra já tinha sido montado no Chile contra Allende e na Venezuela contra Chávez.
Precisou de várias semanas para montar novos circuitos de aprovisionamento.
Com toda a probabilidade, o conflito que começa na Venezuela não irá parar nas suas fronteiras. Ele abrasará todo o Noroeste do continente sul-americano e as Caraíbas.
Um passo suplementar foi franqueado com preparativos militares contra a Venezuela, a Bolívia e o Equador, a partir do México, da Colômbia e da Guiana Inglesa. Esta coordenação é operada pela equipe do antigo Gabinete Estratégico para a Democracia Global (Office of Global Democracy Strategy); uma unidade criada pelo Presidente Bill Clinton, depois prosseguida pelo Vice-presidente Dick Cheney e pela sua filha Liz. A existência deste foi confirmada por Mike Pompeo, o actual director da CIA. O que levou, portanto, à menção na imprensa pelo presidente Trump da existência de uma opção militar dos Estados Unidos.
Para salvar o seu país, a equipe do Presidente Maduro recusou seguir o exemplo do Presidente al-Assad. Segunda ela, as situações são completamente diferentes. Os Estados Unidos, principal potência capitalista, atacariam a Venezuela afim de lhe roubar o seu petróleo, de acordo com um esquema muitas vezes repetido no passado, em três continentes. Este ponto de vista acaba de ser apoiado por um discurso recente do Presidente boliviano, Evo Morales.
Lembre-mo-nos que em 2003 e 2011, o Presidente Saddam Hussein, o Guia Muammar Kadhafi e muitos conselheiros do Presidente Assad mantinham a mesma análise. Segundo eles, os Estados Unidos implicaram-se sucessivamente no Afeganistão e no Iraque, depois na Tunísia, no Egipto, na Líbia e na Síria unicamente para fazer cair os regimes que resistiam ao seu imperialismo e controlar os recursos de hidrocarbonetos do Médio-Oriente Alargado. Inúmeros autores anti-imperialistas seguem esta análise, na actualidade, por exemplo tentando explicar a guerra contra a Síria pela interrupção do projecto do gasoduto catariano.
Ora, esta análise mostrou-se errada. Os Estados Unidos não buscavam nem derrubar os governos progressistas (Líbia e Síria), nem roubar o petróleo e gás da região, mas, sim destruir os Estados, para reenviar as populações à pré-história, para a época em que «o homem era o lobo do homem».
Os derrubes de Saddam Hussein e de Muammar Gaddafi não restabelecerem a paz. As guerras continuaram apesar da instalação de um governo de ocupação no Iraque, depois governos na região incluindo colaboradores do imperialismo opostos à independência nacional. Elas continuam ainda atestando que Washington e Londres não queriam derrubar regimes, nem defender democracias, mas antes esmagar os povos. É uma constatação fundamental que altera a nossa compreensão quanto ao imperialismo contemporâneo.
Esta estratégia, radicalmente nova, foi ensinada por Thomas PM Barnett desde o 11- de-Setembro de 2001. Ela foi publicamente revelada e exposta em Março de 2003 —quer dizer precisamente antes da guerra contra o Iraque— num artigo na Esquire, depois no livro homónimo do Pentágono The Pentagon’s New Map («O Novo Mapa do Pentágono»- ndT), mas ela parece tão cruel que ninguém imaginou que pudesse vir a ser posta em acção.
Trata-se para o imperialismo de dividir o mundo em dois : de um lado uma zona estável que beneficia do sistema, do outro um caos espantoso onde ninguém pense sequer em resistir, mas unicamente em sobreviver; uma zona na qual as multinacionais possam extrair as matérias primas, das quais precisam, sem terem que dar satisfações a ninguém.
- Segundo este mapa, extraído de um Powerpoint de Thomas P. M. Barnett durante uma conferência no Pentágono em 2003, todos os Estados da zona rosada devem ser destruídos. Este projecto nada tem a ver nem com a luta de classes, no plano nacional, nem com a exploração dos recursos naturais. Depois do Médio-Oriente Alargado, os estrategas dos EU preparam-se para reduzir a ruínas o Noroeste da América Latina.
Nesta era de destruição, apenas a estratégia de Assad permite ficar de pé e livre.
Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).
Tradução Alva