Lisboa - Ricardo Soares de Oliveira, especialista em assuntos angolanos, diz que há "uma tentativa de eliminação política" da família dos Santos, e que só se o ex-Presidente estiver mesmo muito debilitado é que não reagirá.
Fonte: Publico, em http://www.club-k.net
O que significa a exoneração de Isabel dos Santos do cargo de presidente da Sonangol? É o fim do ciclo de José Eduardo dos Santos, com o afastamento da filha da empresa mais poderosa e valiosa de Angola?
A exoneração de Isabel dos Santos é o culminar de uma série de medidas contra os interesses mais próximos do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, que começaram poucas semanas após a sua chegada ao poder. Não é necessariamente o fim do poder económico da família dos Santos, que está profundamente globalizada, até porque por ora não se fala em expropriações. Mas trata-se inequivocamente de uma tentativa de eliminação política da sua influência. Esse fim político pode, por sua vez, ter consequências económicas profundas para a família dos Santos, que dependeu sempre do acesso privilegiado a oportunidades económicas e que raramente revelou talento empresarial. A introdução de alguma concorrência na economia angolana só pode diminuir a sua influência.
A saída do seu filho Filomeno da presidência do Fundo Soberano é a peça que falta?
Sim, e parece difícil que com base nas revelações dos Paradise Papers, e da performance desapontadora do Fundo Soberano desde 2012, ele se possa manter muito tempo, mesmo para além da vendetta contra a família dos Santos. Para além disso, existem apoiantes (ou pelo menos, pessoas que não abandonaram a lealdade a Santos de um dia para o outro) do ex-Presidente em todas as instituições, que poderão também ser afectados por este processo. Resta ver a dinâmica nos órgãos da segurança.
José Eduardo dos Santos pode reagir, como presidente do MPLA?
A não ser que esteja mesmo muito debilitado, é impossível que aceite este processo de forma pacífica. O processo tem um carácter extremamente humilhante, e já se percebeu que, para além da marginalização da família dos Santos, joga-se aqui uma tentativa de culpabilização do ex-presidente (e de ilibação do MPLA) pelo legado desapontador da década do boom petrolífero.
Resta compreender o que está a acontecer dentro do MPLA. Note-se que João Lourenço não está a fazer esta mudança com base em jovens tecnocratas e indivíduos da sociedade civil: os novos homens de João Lourenço são muitas vezes os velhos homens de José Eduardo dos Santos, até ontem bajuladores. Talvez haja aqui uma conversão colectiva e muito rápida à boa governação e ao desenvolvimentismo. No entanto, é muito comum na África contemporânea que os novos presidentes tentem estabelecer o seu controlo da economia e das instituições punindo os próximos do antecessor. Há uma grande diferença entre isso e reformas genuínas. Vamos esperar para ver. Uma interpretação optimista seria que isto é a primeira fase de uma mudança sistémica em Angola, com impacto na reforma do sector financeiro, nas políticas sociais, na diversificação da economia e nas liberdades dos cidadãos angolanos. Por ora, João Lourenço beneficia de um capital político notável, tanto no exterior como internamente – até Luaty Beirão o elogia.
O que representa a saída de Isabel dos Santos, e as mudanças que estão a ocorrer, nos negócios de Portugal com Angola?
Em Angola, não vai haver retaliação massiva contra os interesses portugueses, porque a elite angolana é astuta e existem papéis que os investidores portugueses desempenham e que não é no interesse de ninguém mudar. Mas pelo menos alguns investidores, demasiado próximos do regime de José Eduardo dos Santos, vão sofrer. Durante muitos anos, essa proximidade excessiva foi apresentada por empresários e por políticos portugueses em termos de uma realpolitik muito sofisticada, porque é assim que as coisas supostamente funcionam em Angola. Na verdade, revelaram uma ingenuidade profunda ao atar-se a interesses que agora estão a ser relegados para uma posição secundária.