quinta-feira, 15 de outubro de 2015

CADDY ADZUBA: «AS MULHERES VIOLADAS PASSAM DE VÍTIMAS A PROTAGONISTAS DA SUA VIDA»

«Imaginem uma família: um pai, uma mãe e dois ou três filhos. Imaginem que soldados chegam à casa deles e forçam um filho a violar a sua mãe. Ele recusa-se e, em retaliação, os militares matam o pai. Voltam a forçá-lo e recebem outra negativa. Matam o seu irmão. Matam todos os homens da família, até que restam só as mulheres: a mãe, e talvez uma irmã. A elas, violam-nas mais tarde, e nem sequer precisam de usar os seus órgãos genitais: colocam as suas armas e os seus objetos afiados nas vaginas. Em seguida, obrigam-nas a andar a pé e feridas por uns 12 ou uns 20 quilómetros, até à base do seu grupo armado. Ali amarram-nas a uma árvore, como animais, e deixam-nas lá por vários dias. Vão ser submetidas a práticas desumanas. Vão cortá-las e usar os seus corpos para apagar cigarros.»
 
Este é um excerto da assustadora história que Caddy Adzuba contou recentemente no Circulo de Belas Artes de Madrid, Espanha, perante uma plateia silenciosa. Quem a cita é o jornal El País. Não é uma história nova; esta jornalista e ativista congolesa denuncia há vários anos a discriminação e a violência contra as mulheres no seu país, a RDC, em guerra desde os anos 90, e onde 1100 são violadas a cada dia. A sua luta pacífica já a levou a receber inúmeras distinções, sendo a mais proeminente o Prémio Príncipe das Astúrias para a Concórdia, em 2014.
Adzuba falava no encontro Women4Change, organizado pela Fundação Esperanza Pertusa, da empresa espanhola Gioseppo. Consistiu numa conversa entre esta congolesa e a diretora do Huffington Post, Montserrat Domínguez. O objetivo era discutir os desafios comuns para as mulheres do Norte e do Sul e a sua contribuição para a sociedade, mas as mulheres de Caddy e a sua capacidade de recuperação acabaram por ter todo o protagonismo. 
 
Caddy Adzuba explicou que a estratégia da guerra no na RDC inclui violar mulheres porque estas são o motor da família e do desenvolvimento. São as únicas que trabalham para sustentar os seus. O sexo é um assunto tabu, e, ao abusar-se de uma mulher, esta será rejeitada pela família e pela comunidade. «Se se desfazem as famílias, quebra-se a oportunidade de o país se desenvolver. É uma estratégia de guerra pensada para destruir as mulheres da maneira mais humilhante possível», explicou.
 
«Algumas conseguem ser resgatadas por alguém, mas estão “estragadas”. A partir desse momento começam um longo projeto da cura física e espiritual. Voltam tão destruídas que algumas precisam de até 15 cirurgias, e outras perdem todos os seus órgãos genitais», garantiu Adzuba. Mas, por entre a violência, esta ativista congolesa vê um raio de luz. «As mulheres passam de vítimas a protagonistas da sua vida: este é o caminho da esperança». Até porque não querem ser vítimas para sempre. «Sofrer violência sexual não é o fim do mundo. Podem demorar 15 anos a entender isso, mas no final já viram a sua força e o seu poder», frisou Adzuba, não hesitando em definir a mulher como o sexo forte, e não o mais fraco, como é comum ouvir. «Um homem não resistiria aos abusos que são cometidos contra as mulheres no meu país.»
 
Na opinião desta ativista, parte da reparação dos danos e da recuperação das mulheres passa pela participação política e pela condenação dos responsáveis por este massacre de género. «A RCD é um país com necessidade de justiça», disse. Para tal, procurou a ajuda de Espanha, que vai agora presidir ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, para que o país incentive a criação de um tribunal internacional para julgar os crimes de guerra na RDC. «A condenação do executor é também uma terapia para as vítimas», garantiu. Neste sentido, Adzuba explicou que tem havido acusações e condenações de paramilitares por crimes de abuso sexual, mas apenas quanto aos autores de «gama mais baixa», enquanto os verdadeiros culpados, os antigos líderes rebeldes, se tornaram coronéis e generais do Exército e são intocáveis para a justiça.
 
Na mesma ocasião, recorda o El País, a ativista também exigiu à comunidade internacional que beneficia do conflito que compense economicamente as vítimas de violência, não comprando minerais ao seu país se estes não forem rastreáveis. Adzuba refere-se aqui aos interesses das multinacionais e dos governos ocidentais em promover a guerra para controlar os recursos naturais da RDC, assim como aos rebeldes, que exploram as minas de onde saem os minerais usados no fabrico de telemóveis e de outros dispositivos tecnológicos. «Acredita-se que é uma guerra entre os congoleses, mas é uma guerra que se deve ao progresso tecnológico. Como sociedade civil, têm de nos ajudar a viver e a respirar. Somos capazes de nos desenvolver sozinhos, mas precisamos de paz e vida», disse Adzuba. Fonte: Aqui