terça-feira, 19 de junho de 2018

UM CONTO DE DUAS CIMEIRAS

Por: Finiam Cunningham [*] 

É quase um espectáculo surreal ver a ordem mundial a alterar-se perante os nossos olhos. A visão da cimeira dos G7 ocidentais a colapsar em azedume no fim-de-semana estava em contraste total com a positiva e exuberante conferência da Organização de Cooperação de Xangai (SCO), realizada ao mesmo tempo na China.

No fim-de-semana, o conto das duas cimeiras ilustra mais do que nunca uma mudança histórica na ordem global. A ordem ocidental liderada pelos EUA está evidentemente a quebrar-se, dando lugar a um novo paradigma multilateral liderado principalmente pela China e pela Rússia. Potencialmente, esta última trajectória está marcada por uma verdadeira cooperação e relações pacíficas, em oposição à velha ordem norte-americana, marcada pela hegemonia e ambições unipolares que inevitavelmente fomentam conflitos.

A partida abrupta e áspera do presidente americano Donald Trump da cimeira do G7 no Canadá esclareceu-nos eloquentemente. Durante o fim-de-semana, Trump discutiu com os outros líderes ocidentais e Shinzo Abe do Japão sobre várias disputas comerciais. Então Trump incisivamente saiu mais cedo do encontro numa atitude de desprezo pelo anfitrião canadiano, o primeiro-ministro Justin Trudeau, com destino a Singapura para se encontrar com o líder norte-coreano Kim Jong-Un.
O simbolismo foi claro. Era como se o líder americano mostrasse desdém por um fórum ineficaz, indo tratar de assuntos muito mais importantes. O ponto de encontro entre Trump e Kim em Singapura também revelou um novo ímpeto oriental na geopolítica.

Trump é o primeiro presidente americano a encontrar-se com um líder norte-coreano. Tecnicamente, os dois países estão ainda em guerra sem nunca ter sido assinado um Tratado de Paz para acabar com a guerra de 1950-53. Este ânimo poderia tudo mudar nessa semana se os dois líderes estabelecessem uma relação, que possibilitasse uma redução das forças militares na península coreana.

Kim chegou a Singapura dois dias antes da sua reunião histórica programada com Trump para terça-feira. Este último também chegou um dia mais cedo. Na viagem ao exterior altamente incomum de Kim – registada pela terceira vez como líder norte-coreano – estava a bordo de um Air China 747, por cortesia do governo de Pequim. Novamente, o simbolismo foi evidente. A China estava pragmaticamente a facilitar este encontro crucial entre os dois adversários.

A cimeira do G7, que Trump deixou para trás, foi um fracasso vergonhoso. Os líderes da Grã-Bretanha, Alemanha, França, Canadá, bem como altos funcionários da União Europeia ficaram revoltados pelo arrogante desdém do presidente americano pelo acordo de comércio multilateral. Trump rudemente franziu as sobrancelhas aos supostos "aliados” americanos com reclamações sobre "injustas" tarifas comerciais. É difícil saber quem está certo na disputa comercial, mas uma coisa ficou clara: o grupo G7 das nações ocidentais mais o Japão – um fórum criado há 43 anos – ficou em completa desordem e profundo descontentamento.

A postura combativa de Trump atirou a cimeira para o lado antes mesmo de chegar a Quebeque quando anunciou, ao sair de Washington que a Rússia deveria ser readmitida no G7. A Rússia fora expulsa do anterior G8 em 2014 por alegações ocidentais de que Moscovo havia interferido na soberania da Ucrânia.

Os outros membros do G7, especialmente a primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, ficaram indignados com a oferta do Trump à Rússia. Apenas a Itália do recém-chegado primeiro-ministro populista Giuseppe Conte, concordou com a posição do Trump, consistente com a forma como o novo governo em Roma quer restaurar relações europeias com a Rússia. Outro sinal característico de movimento para o Leste da política internacional.

Quando o presidente americano se encaminhou para a cimeira do G7 para ser cumprimentado por Trudeau do Canadá a linguagem corporal era de relutância e constrangimento. No fim-de-semana decaiu para brigas e insultos. Trump chamou mesmo a Trudeau "desonesto" e "fraco". Enquanto isto, o presidente francês Emmanuel Macron não mostrou nenhuma relação íntima bajuladora para com Trump como tinha feito anteriormente. Macron apelou mesmo a um novo formato de G6 sem a "hegemonia" dos EUA.

O contraste com a conduta na cimeira da SCO na China não poderia ter sido maior. O Presidente Xi Jinping calorosamente saudou o seu homólogo russo, Vladimir Putin, bem como os líderes da Índia, Paquistão, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Uzbequistão e Irão. O convívio unido destes líderes estava em nítido contraste com a desunião e disputas no G7.

A presença da Índia e do Paquistão como dois novos membros da SCO sentados juntos depois de décadas de guerra e de conflito foi um poderoso testemunho para o novo paradigma geopolítico em ascensão no Oriente.

As nações da SCO prometeram redobrar os esforços de parceria no desenvolvimento económico e de segurança comum. O presidente Xi disse que uma nova ordem global irá seguir-se, com base na parceria, não na hegemonia de um poder, afirmando-se ele próprio sobre os outros, como é o caso da ordem liderada pelos EUA.

O presidente Hassan Rouhani, do Irão, expressou gratidão a Xi e Putin por liderarem o caminho na construção de um novo formato global baseado no respeito multilateral. O líder iraniano agradeceu à China e à Rússia pelo seu firme apoio ao acordo nuclear internacional, que Trump está tentando minar retirando os EUA unilateralmente. Resta ver se os europeus irão adequadamente apoiar o acordo nuclear. Mas a sua ineficiência frente a Trump na Cimeira do G7 sugere que eles não têm coragem de cumprir os seus compromissos.

XI e Putin justamente lembraram através de declarações públicas durante a reunião da SCO, que o encontro Trump-Kim em Singapura, estava a seguir as suas propostas anteriores para um diálogo pacífico entre os EUA e a Coreia do Norte. No ano passado, quando Trump e Kim foram envolvidos em impetuosas trocas retóricas, ameaçando uma guerra nuclear, foram a China e a Rússia que advogaram o diálogo pacífico como a única via a seguir.

A ordem ocidental após a Segunda Guerra Mundial, que prevaleceu por mais de sete décadas, está sem dúvida a desvanecer-se. Essa ordem, dominada pelos EUA, foi sempre algo ilusória. Longe de parceria mútua e reivindicações virtuosas, a ordem liderada pelos EUA tratou-se sempre de domínio do capitalismo americano e objetivos imperialistas.

Os europeus nunca foram realmente aliados. Eles foram apêndices do poder americano. Agora que o poder americano tem decaído, as rivalidades inter-ocidentais ganham arestas mais cortantes. O desejo americano de controlo hegemónico é limitado pelo seu poder a reduzir-se. Assim, Washington recorre às mais descaradas táticas de intimidação para com os seus supostos aliados que agora estão a perceber o seu verdadeiro papel de nada mais que vassalos.

No entanto, o "excepcionalismo" unipolar americano é um insulto no mundo de hoje de interconexão global e consciência dos princípios da igualdade e da diplomacia.

A China e a Rússia, sob a liderança de Xi Jinping e Vladimir Putin, estão num nível evolutivo da consciência política que excede o dos EUA e o seu círculo de lacaios ocidentais.

A Cimeira SCO demonstrou plenamente a nova ordem global de parceria para o progresso e a paz. O G7, de brigas e calúnias, representa as cinzas de uma velha ordem.

Isso não garante que a paz no mundo prevaleça. A visão está certamente lá e crescentemente graças à China e à Rússia e outros do hemisfério Oriental. O desafio crucial é como o moribundo Império Ocidental liderada pelos EUA de hegemonia capitalista e imperialismo pode com segurança ser transformado em parceria multilateral, pacífica.

Ver também:

Seven Against Eight or 2+2=3

[*] Analista de assuntos internacionais, mestre graduado em Química Agricola, ex-editor científico da Royal Society of Chemistry, Cambridge. Editor e redactor de The Mirror, Irish Times e Independent.

O original encontra-se em www.informationclearinghouse.info/49610.htm

Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ .

17/Jun/18