segunda-feira, 22 de junho de 2015

Clínicas privadas e Consultórios médicos: UM PERIGO “IGNORADO” PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE

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As clínicas privadas do país continuam incontroláveis proliferando por todo o país. Registam-se queixas por parte da população sobre a falta de condições de funcionamento das mesmas, assim como relativamente à falta de pessoal qualificado para os serviços oferecidos. A maioria das clínicas da capital pertence aos médicos que exercem no hospital público “Simão Mendes” mas que também prestam serviço médico em outros centros clínicos da capital.
 
Uma equipa de reportagem do semanário “O Democrata” saiu às ruas da cidade de Bissau para constatar a real situação do funcionamento de clínicas, mas igualmente de consultórios médicos privados, que na sua maioria, funcionam como clínicas. A nossa reportagem constatou que tanto as clínicas privadas como os consultórios médicos são um perigo ignorado pelo ministério da saúde, dado que funcionam sem nenhum controlo da inspecção-geral da saúde.
 
A nossa reportagem teve acesso a uma lista fornecida pelo ministério de saúde, onde constam 35 clínicas legalmente reconhecidas a funcionar na cidade de Bissau. A equipa de reportagem do semanário “O Democrata” conseguiu descobrir quatro clínicas dentro da capital e nos arredores que não constam da lista fornecida pelo ministério da saúde.
 
A maioria das clínicas visitadas não está sinalizada ou identificada por uma placa, funcionam sem corrente eléctrica e no período da noite recorre-se à luz da vela. A nossa reportagem apurou que as clínicas pertencem a médicos conhecidos no país, que no entanto, não dispõem de muito tempo para estar nas suas clínicas. Apesar desta situação, faz-se o internamento dos pacientes para o tratamento, ou seja, fazem-se intervenções cirúrgicas nas clínicas privadas da capital.
 
A maioria dos pacientes tratados nas clínicas, de acordo com as informações recolhidas, passam primeiramente nos hospitais públicos e a partir dali é que são orientados pelos próprios médicos para as suas clínicas, com o argumento de que ali terão melhor tratamento. Os doentes em busca de tratamento confiam na indicação dos médicos; passam nas clínicas onde têm de pagar uma quantia muito mais elevada em relação ao hospital público.
 
CLÍNICA AMERICANA VENDE MEDICAMENTO TRADICIONAL IMPORTADO DOS E.U.A
 
A repórter do “O Democrata” fez-se passar por doente e deslocou-se à “Clínica Americana” para uma consulta médica. A clínica Americana, situada na “subida de cabana” no bairro de Mindara, funciona em dois quartos alugados, numa casa familiar.
 
A marcação da consulta faz-se na varanda. No primeiro quarto, vê-se uma pequena cama e uma mesa de médico, onde se observam os pacientes, sobretudo as mulheres para efeito da corretagem (aborto).
 
A Clínica Americana foi a única onde a nossa reportagem constatou a utilização de medicamento tradicional e clássico, importados dos Estados Unidos de América. O valor inicial da consulta são mil Francos CFA.
 
Após a consulta, o médico passa a receita. Todavia, em algumas farmácias por onde a nossa reportagem passou os medicamentos prescritos não eram conhecidos, podendo ser adquiridos unicamente na Clínica Americana que vende todo o tipo de medicamentos tradicionais para tratamento dos pacientes.
 
Como resultado da consulta feita pela nossa repórter naquela clínica foi-lhe diagnosticado paludismo, pelo que foi aconselhada a comprar uma garrafa de litro e meio, contendo medicamento tradicional importado dos Estados Unidos de América, ao preço de quatro mil Francos CFA. Se o paciente comprar o medicamento no próprio dia, tem um desconto de 500 Francos CFA, se passar 24 horas depois, já não pode beneficiar do desconto.
 
Entretanto, um técnico de saúde que pediu anonimato contou à nossa reportagem que nenhum medicamento tradicional se importa dos Estados Unidos de América para a Guiné-Bissau. O nosso interlocutor, avançou ainda que aquela clínica opera em péssimas condições e, mesmo assim, a inspecção-geral de saúde fecha os olhos e deixa matar cidadãos guineenses.
 
CLÍNICAS E CONSULTÓRIOS MÉDICOS SÃO CENTROS DE CORRETAGEM
 
Outra situação lastimável, constatada pela nossa equipa de reportagem, diz respeito a clínicas ou consultório médicos abertos por enfermeiros. Os consultórios médicos e clínicas geridas pelos enfermeiros fazem, na sua maioria, trabalhos de corretagem (aborto), e o público alvo são jovens raparigas.
 
Uma clínica situada no bairro de Quelélé, ao lado do mercado, foi aberta por um enfermeiro funcionário do hospital Raoul Follereau. Esta clínica funciona numa moradia de dois quartos, onde um deles serve para as consultas e o outro para serviço de corretagem e outros tratamentos. Esta clínica funciona apenas no período nocturno e não se encontra na lista das legalizadas que o ministério de saúde forneceu à nossa reportagem.
 
O Democrata apurou que este estabelecimento funciona clandestinamente desde 2011, mas o seu responsável nunca foi abordado pela inspecção. Apesar do perigo que esta clínica representa para as pessoas que procuram os seus serviços, continua a funcionar em péssimas condições técnicas.
 
CLÍNICA DE DJAL FAZ INTERVENÇÕES CIRÚRGICAS PARA TRATAMENTO DE DIFERENTES DOENÇAS 
 
A clínica de Djal, no sector de Safim (região de Biombo) arredores da cidade de Bissau, interna pessoas para intervenções cirúrgicas de natureza diferente. Esta clínica pertence a um conhecido médico militar, todavia o nome da clínica não consta da lista do ministério da saúde.
 
Este médico militar tinha aberto uma clínica no bairro Militar, mas segundo informações, as autoridades acabaram por fechar o estabelecimento alegadamente devido às mortes que ali se registavam por falta de condições técnicas de trabalho.
 
Segundo o proprietário da clínica, o preço da consulta são três mil francos cfa, e depois do diagnóstico caso seja necessária uma intervenção cirúrgica o preço é acordado pelas partes. A referida clínica tem dois quartos, um com quatro camas pequenas e outro com duas camas igualmente pequenas.
 
O nosso jornal soube que naquela clínica fazem-se intervenções cirúrgicas para casos de Apendicite, Hérnia, Quisto, Mioma entre outras doenças. A clínica não tem corrente eléctrica e no período da noite funciona à luz da vela e às vezes, se necessário, liga-se o gerador para fornecer corrente eléctrica.
 
A equipa de reportagem descobriu igualmente uma clínica no bairro de Mindara (Bissau) que funciona há muitos anos, mas esta também não consta da lista dos estabelecimentos legalizados pelo ministério da saúde. A referida clínica denominada “Clínica Sissoco” pertencia ao já falecido Dr. Sissoco.
 
Actualmente a clínica é gerida pelo irmão do Dr. Sissoco, que explicou à nossa reportagem que decidira trabalhar na clínica por também ser médico formado. Afirmou, ainda, à nossa reportagem que a clínica tem uma licença de funcionamento emitida pelo ministério da saúde.
 
“Fornecemos apenas serviços de tratamento para pacientes com paludismo e com infecções que não são graves. A minha clínica funciona com cinco salas, e em duas delas encontram-se quatros camas, há uma onde funciona o laboratório e duas salas para consultas que custam 1000 francos cfa”, assinalou.
 
Questionado sobre o facto de a sua clínica não figurar na lista do ministério de saúde, disse desconhecer o porquê, mas assegurou que a sua clínica está legalizada.
 
O Democrata descobriu ainda uma outra clínica no bairro de Cupilum de Baixo aberta por um médico que trabalha no Hospital Nacional Simão Mendes. O estabelecimento não tem placa de identificação, apenas é identificado pelo nome do proprietário “Clínica de Dr. Cariton”. Tal como muitas das visitadas, também esta não consta da lista do ministério de saúde. Funciona no período da tarde para consulta de crianças e adultos.
 
MINISTÉRIO DA SAÚDE RECONHECE APENAS QUATRO CLÍNICAS PRIVADAS
 
A nossa reportagem contactou o ministério da saúde para esclarecer a situação das clínicas privadas que funcionam sem a autorização da tutela. A directora dos Estabelecimentos de Prestação de Cuidados de Saúde, Nené Catirona, afirmou à nossa reportagem que apenas existem no país quatros clínicas privadas reconhecidas pelo ministério.
 
“Tendo em conta as condições exigidas pelo ministério para o funcionamento de uma clínica, estamos em condições de afirmar que existem apenas quatro clínicas e o resto são consultórios médicos. As quatro clínicas que o ministério reconhece são: a clínica pediátrica de Bôr, a clínica Madrugada, o Centro Médico “Casa Emanuel” e a clínica Artemisa”, assinalou.
 
Relativamente à situação das clínicas e consultórios médicos que funcionam ao lado de mercados, explicou que não ser admitido o funcionamento nesses espaços, porque tendo em conta o tipo de serviços que presta, uma clínica ou consultório precisa de um local tranquilo.
 
No que se refere à questão da venda de medicamentos tradicionais na clínica Americana para tratamento de doenças, a responsável da direcção do Serviço dos Estabelecimentos de Prestação de Cuidados de Saúde, assegurou que não existe nenhum documento que autorize a venda de medicamentos tradicionais no país, sobretudo nas clínicas. A venda de medicamento tradicional na clínica Americano é por conseguinte um acto isolado.
 
Contou neste particular que se está a se preparar um documento para regular a venda de medicamento tradicional.
 
“Se existisse um documento os nossos curandeiros já tinham lançado os seus medicamentos no mercado. Os responsáveis daquela clínica que vende medicamento tradicional estão a praticar o negócio de forma clandestina para tirar proveito”, assegurou a responsável, que entretanto, frisou que a equipa da inspecção não tem conhecimento da situação.
 
Nené Catirona disse que existe uma proliferação das clínicas por todo o país, mas que de acordo com ela, não reúnem condições técnicas e não dispõem de pessoal qualificado para o funcionamento.
 
“Para ter uma clínica, independentemente da especialidade, é preciso ter em consideração o aspecto de internamento dos pacientes que é fundamental. Ter uma sala de espera, uma para consulta de adultos e outra para consulta de crianças, casas de banhos, sem esquecer de que devem ter uma sala com marquesa, lavatório, uma sala para equipa de enfermagem com os devidos equipamentos e energia eléctrica”, explicou.
 
Por: Aissato Só 
Foto: Marcelo N’ Canha Na Ritche