Nyeleti Mondlane(Foto), filha mais nova do fundador da Frelimo Eduardo Mondlane e atual vice-ministra dos Negócios Estrangeiros, recorda o pai como «uma pessoa extraordinária em todos os sentidos» mas «não rotulável» ideologicamente.
«Tenho grande dificuldade em rotular o meu pai», disse Nyeleti Mondlane em entrevista à agência Lusa, a propósito dos 40 anos da independência, lembrando o primeiro presidente da Frelimo como «um homem que buscou justiça para todos e que queria ver o seu povo soberano».
A afirmação ideológica marxista-leninista da Frelimo só se consolidou após a independência, a 25 de Junho de 1975, mas Mondlane já sinalizava essa escolha pouco antes do seu assassínio, em 1969. «Se quiserem rotular isso como progressista ou socialista, como queiram, mas acho que Eduardo Mondlane não é rotulável», insistiu, assinalando as diferenças entre cada «timoneiro» da Frelimo, mas também um sentido comum de justiça e de representantes dos moçambicanos.
«Não sei se algum movimento de libertação em África pode dizer que recebia armamento da União Soviética e tinha instrutores da China», questiona Nyeleti Mondlane, salientando que as armas AKM e os chineses revelavam a «capacidade de diálogo» e a «visão ideológica» de um líder da Frelimo que encontrava naquelas diferenças «um fio comum, que era a liberdade dos moçambicanos».
«Se Moçambique está hoje no concerto das nações, com muitos amigos e grandes projetos de desenvolvimento, é porque tivemos uma linha muito clara e muito justa», sustenta.
Nyeleti Mondlane só se apercebeu da real importância do pai após o seu assassínio, num atentado com uma encomenda-bomba, no seu exílio, na capital da Tanzânia. «Ganhei consciência da dimensão política e histórica do meu pai, infelizmente, depois de ele ser assassinado», afirma a governante e membro do Comité Central da Frelimo, lembrando que, naquele período, era muito protegida, por ser a mais nova de três filhos, e que vivia rodeada por política e longas reuniões, que não podia interromper em circunstância alguma.
Aos fins de semana, Mondlane levava a família à praia, uma das suas paixões, com os camaradas disponíveis, além de gostar muito de correr e fazer ginástica, até àquele 3 de fevereiro de 1969, em que foi assassinado. «Vi pessoas de renome na nossa casa, com um sistema de segurança em volta delas, e nós fomos retirados para um lugar seguro», recorda Nyeleti Mondlane, à data com 7 anos, e começando então a aperceber-se de que o pai «não era uma pessoa usual», e depois, mais ainda, na escola da Frelimo no sul da Tanzânia, onde compreendeu «muito melhor quem era Eduardo Chivambo Mondlane».
«Era uma pessoa extraordinária em todos os sentidos», considera a filha, descrevendo o percurso de um homem que nasceu numa família pobre em Gaza e que foi desafiado pela mãe «a interrogar-se sobre a magia do homem branco». Começou então a envolver-se com a Igreja Presbiterana, «abraçando teorias de libertação», numa «sede de descobertas» que já o tinha levado a aprender francês e depois, ainda adolescente, a produzir as suas primeiras reflexões escritas, que, segundo a filha, continuam a impressionar os académicos por uma profundidade precoce.
As mesmas características evidenciaram-se enquanto o único negro na Escola de Ciências Sociais da África do Sul, onde se tornou ativista, até à sua expulsão, marcando o caminho para a continuação dos estudos em Portugal e, depois, nos Estados Unidos, onde conheceu a norte-americana Janet Johnson, sua futura mulher.
«Os dois fazem uma fusão ideológica e emocional», analisa a filha mais nova do casal, após consultar as sete mil cartas trocadas pelos pais, apontando a mãe como «uma peça fundamental no amadurecimento do pensamento de Eduardo».
«Janet questiona Eduardo sobre certos assuntos e ele dá respostas que fazem com que abrace o sonho da liberdade para Moçambique», observa Nyeleti Mondlane, lembrando que o pai acaba por deixar o «comodismo» da sua posição nas Nações Unidas e de professor universitário nos Estados Unidos e voltar para África. Fonte: Aqui