Como é ser negro em Portugal? Somos um país racista? Talvez não haja melhor forma de saber que perguntar a crianças e jovens.
Como se sentem, como os fazem sentir, como reagem, que esperança têm de que as coisas melhorem e como lutam por isso. Uma reportagem dura, que evidencia a necessidade de, nas escolas, se fazer pedagogia antirracista. E de todos tomarmos consciência de que como está não pode continuar.
"Antes de vir para Portugal julgava que Portugal ficava assim nas nuvens. Quando estava lá na minha terra os aviões entravam nas nuvens, então eu achava que era lá, Portugal. E que quando chegávamos a Portugal cresciam-nos asas nas costas."
Há falas assim, que parecem o início de um romance, ou a voz off que nos primeiros fotogramas de um filme nos mergulha na narrativa, noutro olhar, o de uma criança que olha o céu e sonha com uma terra de anjos. Mas esta fala não está em nenhum livro, nenhuma ficção: é a de Niorka, 12 anos, são-tomense há dois anos neste país que afinal não é nas nuvens, e ficou assim, tal qual, gravada no iphone, na voz de sílabas muito marcadas desta menina sorridente sobre o som do recreio ao lado.
Niorka é uma das três crianças que a escola lisboeta Gago Coutinho escolheu para falar com o DN, respondendo a um pedido para entrevistar alunos afrodescendentes. As outras são Nivaldo Joaquim, de 11 anos, e Aissatou Djallo, de 12, que todos, informa ela, tratam por Aicha. Das três, só Nivaldo nasceu em Portugal: é o único afrodescendente de catálogo, filho de uma guineense e de um angolano. Uma confusão natural, a da escola, já que a expressão "afrodescendente", criada para designar os descendentes de africanos negros a viver em países de maioria não negra e cunhada pela ONU no lançamento da década dos afrodescendentes (2015-2024, uma iniciativa que visa retirar estes cidadãos da invisibilidade e lutar contra a discriminação), ainda não está vulgarizada. Assim, o pedido foi entendido como para entrevistar crianças negras.
E é isso que antes de mais é preciso explicar aos três, que neste dia de sol outonal se sentam na biblioteca da escola, expectantes, curiosos e algo embaraçados, frente a dois adultos que nunca viram: porque é que estão aqui. Como é que se diz a crianças que estão a ser entrevistadas porque a cor da sua pele não é a mesma da da maioria das outras crianças e queremos saber como isso as faz sentir, e como as fazem sentir por isso? Melhor não ir por aí, até porque condicionaria as respostas; dizer-lhes antes que é porque são afrodescendentes e perguntar se sabem o que é. Nivaldo é o primeiro a responder: "Acho que sim. Descendentes de africanos, não é?"
A morar em Vialonga, Nivaldo, um menino sereno de olhos muito sérios, está no 7º ano e quer seguir "arte" ("Tenho um grande interesse por leitura, desenho"). Foi a mãe, que, informa, passa o dia a trabalhar entre limpezas e cuidar de idosos, quis que ele viesse para esta escola: "Há outras ao pé da nossa casa mas as condições não são assim tão boas." E Nivaldo gosta da Gago Coutinho, mesmo se "no primeiro ano foi difícil adaptar-me, porque achavam que vinha de fora." De fora de onde? "Do estrangeiro. Achavam que não era português." E como reagias? "Dizia que nasci cá. Mas eu também concordo que as pessoas me perguntem de onde sou." Porquê? "Então, sou mais escuro que eles. E eles ficam a pensar que sou de fora." Se for um louro de olhos azuis achas que também vão perguntar isso? "Talvez. Há pessoas pensam que ser louro é ter um dom. Porque há poucas pessoas louras." Então nesse caso ser negro, como há menos negros, também pode ser um dom, não? Nivaldo sorri: "Em Portugal sim."
Não é essa, porém, a experiência dele. Nem de Niorka e de Aicha. "Há alunos nesta escola que gozam comigo e com o meu nome", diz Aicha, que nasceu na Guiné Conacri e chegou há dois anos a Lisboa, sem saber falar uma palavra de português (só francês). Ninguém diria tal, ouvindo-a, se bem que, no início da conversa, ouvi-la não é fácil: fala num fio de voz que quase não faz mexer as barras de som do gravador. "Tem alguns na minha sala que gostam muito de fazer essas coisas." Porque é que achas que fazem isso? "Não sei. Quando vim para cá muita gente gozava comigo e eu batia neles. E ficaram amigos." Risota na sala: a tímida Aichanão é de se ficar. Encorajada com as gargalhadas, prossegue. "Quando estou no computador eles vêm e desligam o computador. E eu corro atrás deles até apanhar e bater. Agora no sétimo ano gozam só com o nome, mas dantes desligavam o computador, mandavam a minha comida ao chão." Mandavam a comida ao chão? "Pois, eu bati a tanta gente... [mais risos] Mas não tive participações. E tenho uma amiga chinesa, gozavam com ela e eu dizia "tens de te defender, isto não pode ficar só assim"." Porque achas que fazem isso, por seres estrangeira? "Sim. Mas fazem também com as minhas amigas pretas iguais a mim. Gostam muito de chamar a uma das minhas amigas "escura"." Achas que é por isso? "Acho."
"Olá preta"
"Eu ignoro sempre que eles ficam a ralhar comigo", diz Niorka, que está no 5º anos, mora em Marvila e cujo pai trabalha na RTP (não sabe a fazer o quê). "No outro dia, antes de ontem, estava ali em baixo e um rapaz chamou-me assim: "Olá preta". Eu não me importo que me chamem preta. Porque eu não sou preta. Eu acho que não conseguem distinguir duas cores: preto e castanho mais escuro. Eu não sou preta preta como o carvão. Por isso eu ignoro."
E a ti, Nivaldo, acontece isto? "Poucas vezes. Eu dou-me bem com toda a gente. Às vezes quando chamam nomes eu levo que é só na brincadeira e ignoro. Se não for muito ofensivo até penso que é uma brincadeira. Mas se for ofensivo... Isso só acontece quando me chateio com alguém. Ou quando alguém se chateia comigo. Há pessoas que quando estão chateadas comigo dizem ah seu preto sai do país, não mereces estar aqui.""
Quem diz isso, Nivaldo?
"A maioria das vezes pessoas com quem me chateio e ando à briga."
Pessoas da tua idade?
"Sim."
E como te sentes com isso?
"Ignoro. Porque eu penso que tenho o mesmo direito que eles de estar aqui."
E não lhes dizes isso?
"Não."
E por que será que acham que não tens esse direito?
"Também não sei."
Já pensaste nisso, falaste com a tua mãe sobre esse assunto?
"Já. Ela diz que é porque as pessoas cá não gostam de pessoas assim mais escuras."
Mas por que não haviam de gostar de pessoas mais escuras?
"Não sei."
Faz sentido, isso?
"A essa parte não sei responder. Acho que é porque elas não têm nada para fazer. Pensam que "ah, vou chatear alguém, pronto, só porque me apetece.""
E qual será a maneira certa de reagir? Como faz a Aicha, castigar, ou ignorar?
"Por um lado prefiro castigar porque já sei que essa pessoa não me vai chatear mais."
Já fizeste isso?
"Sim."
E que te faz isso sentir?
"Por um lado faz-me sentir culpado. E por outro faz-me sentir que estou a fazer a coisa certa. A minha mãe diz para eu ignorar, diz "não te interesses, ignora, continua a fazer o que estavas a fazer"."
Mas às vezes é difícil ignorar, não é?
Nivaldo faz que sim, com o seu ar grave. Niorka concorda: "É difícil". Aicha franze o sobrolho. "Eu digo isso ao meu pai, que é difícil. Ele diz para não bater nos alunos. Mas eu vou bater porque eles não entendem nada."
Bates porque isso te magoa?
"Sim."
"Eu tentei ignorar, ignorar mas não consegui", explica Niorka. "Quando estava noutra escola ali em Alvalade, a Teixeira de Pascoaes, havia lá dois rapazes, um na minha sala e outro noutra. Estava lá há poucos dias, e sentei-me num banco à espera que tocasse para a aula e eles vieram do nada e começaram a me dar pontapés. Tentei ignorar e fui para um lado e eles foram atrás e fui para o outro e começaram a dar pontapés. Eu gritava pára pára e não paravam. E quando me deram o último pontapé que foi o que me doeu mais, passei-me dos nervos até ao fim. [grita e faz mímica] E dei um murro e parti um dente a um, coitado. A culpa foi minha daquela vez. E ele começou a chorar e foi fazer queixa e veio toda a gente olhar para mim, fiquei congelada. Mas não me castigaram."
As duas, Aicha e Niorka, esperavam alguma coisa deste género, quando chegaram?
"Não", responde Aicha. "Achava que era mesmo igual à Guiné porque lá quando vês alguém novo na escola tentas que seja tua amiga mesmo, rápido. Adoro isso. Mas aqui é diferente."
"Eu tive uma colega portuguesa lá em São Tomé", conta Niorka.
Branca?
"Sim. Foi muito bem-vinda, todos achavam ela o máximo. Porque tínhamos uma colega de cor diferente e todos achámos muito fixe ter uma nova amiga."
"Nunca gostam de ter amigos negros"
E professores negros, tiveram algum? Respondem não, em coro, mesmo se asseguram que, na Gago Coutinho, não têm qualquer motivo de queixa dos docentes. "Os negros não gostam de ser professores", aventa Aicha, contraditoriamente, já que a mãe, revela mais tarde, é professora no seu país (Aicha está em Portugal com o pai e o irmão mais velho) e planeia ela própria, talvez, seguir a via do ensino. Niorka contrapõe: "Não acho. Tinha uma professora em São Tomé, minha tia, que me deu aulas do primeiro ao terceiro ano. E ela gostava de dar aulas, achava-a uma boa professora."
Na turma atual, Niorka é a única negra. Nivaldo é um de quatro em 22, Aicha tem algumas colegas negras, sem precisar quantas. E têm todos amigos brancos. Sobre como a maioria dos alunos brancos tratam as pessoas com origens ou cores de pele diferentes há um dissenso: Aicha e Niorka dizem que mal, Nivaldo põe água na fervura. Mas, quando perguntado sobre se se lembra de negros famosos, que admire, em Portugal, diz: "Não estou a ver ninguém." Nem no futebol? "Não gosto muito de futebol. E a minha mãe diz sempre : "Quando põem um negro na novela é porque querem acabar com a novela. Ou quando põem negros nas novelas vai ficar um malcriado lá"." As meninas falam de músicos: Anselmo Ralph e C4Pedro, por acaso dois angolanos. Não se lembram de mais ninguém, se bem que Niorka negue que as novelas acabem quando têm personagens negras: "O Amor Maior foi um grande sucesso e tinha um negro. Mas é verdade que fazia o papel de cruel. Tinha de ser, não é?"
Tinha? Como acham que se resolvia essa situação, de haver quem os trate mal por serem negros?
"Grande pergunta", suspira Niorka.
"Não sei", concorda Nivaldo.
"Eu gostava de ser amiga de toda a gente. Toda a gente aqui na escola. Ia ser muito fixe, se toda a gente ficava amigos" diz Aicha, no seu sussurro doce. "Mas não."
Mas não?
"Não. Porque eles nunca gostam de ter amigos negros, aqui."
Talvez por sentir assim, Aicha, que a dada altura da conversa revela que é muçulmana ("Muçulmana é o quê", pergunta Niorka. "É ter a pele mais clara?") pensa que não vai ficar a viver cá: "Talvez vá para Londres, ou para a Alemanha, quando a minha mãe vier ter connosco. Não sei, logo se vê. Ou volto para a Guiné, tenho lá as minhas amigas todas."
Talvez, talvez, sugere Niorka, "a diretora da escola pudesse ter uma reunião com todos os alunos da escola a dizer-lhes que é para tratarem bem todos os colegas, para não haver diferenças. Tratar todos como iguais."
E se de cada vez que alguém vos trata mal, em vez de andarem no recreio à pancada, houvesse uma conversa entre todos, para vos explicarem por que vos tratam mal e vocês dizerem o que sentem, acham que resolvia alguma coisa?
"Resolvia, acho que resolvia bastante", acha Niorka.
"Mas eu digo-lhes", contraria Aicha. "Digo que não gosto das coisas que me fazem. E não serve de nada."
"Dar com cartão de cidadão na cara"
"Nunca muda, nunca muda mesmo. Parece que por vezes o racismo já acabou mas é praticamente igual desde o início." A voz agora, em eco da de Aicha, é de Lígia, 15 anos, e o lugar é a escola secundária Padre António Vieira, também em Lisboa, do mesmo agrupamento da Gago Coutinho, onde frequenta o 9º ano. Com Lígia, são sete à volta de uma mesa, os estudantes que compareceram para a conversa: Jeanci, Osvaldo e Keila, 18 anos; Rosana e Luís, 17; Omar, 15.
"98% das pessoas são racistas", garante Omar, que, nascido em Portugal, filho de dois membros da elite angolana, viveu uma parte considerável da vida fora, em Angola, Brasil, etc, regressou hádois anos. Tantas? Lígia ri. "Ainda hoje no autocarro empurrei uma senhora sem querer com a minha mala, nem dei por isso, e ela começou logo a mandar-me para a minha terra. Já nem ligo. Acontece muito nos transportes, sobretudo quando estão mais cheios."
Osvaldo, que está no 11º de informática e vive na Quinta do Mocho, encolhe os ombros. "Mandar para a terra, chamar preto. Jogo futebol no Camarate e de cada vez que faço falta oiço isso. A primeira vez que aconteceu fiquei nervoso, né? Queria bater. Porque sou lateral e às vezes a lançar a bola há espetadores atrás de mim, começaram a dizer aquilo e tentei largar a bola e ir ter com quem me estava a chamar nomes. Mas os meus colegas eo treinador disseram para ter mais calma." E se não for em jogo? "Depende. O mais provável é deixar a pessoa falar." Mas não te afeta? Sorri, incrédulo. "Se afeta? Afeta e muito. E se estiver num dia mau sou capaz de responder."
"Se calhar dar com o cartão de cidadão na cara", sugere Lígia. "Eu só olho para a pessoa. Fixo nela", diz Luís, numa voz pausada. "Entro no autocarro, oiço falar de mim, "aquele preto". Ponho os phones e pronto." Faz o gesto e assume uma expressão fechada, lábios cerrados em tensão, olhos vazios.
Omar, que também já jogou futebol, corrobora a experiência de Osvaldo. "Sempre que chegava ao pé das bancadas da outra equipa acontecia isso: "Ó preto". Ligar a isso é perder tempo." Jeanci, que está no 1º ano do curso de auxiliar de saúde e esteve até ao momento calada, rebenta: "Vocês estão só a falar de casos de jogo, estão no campo, claro que não vão ligar. Mas cá fora é diferente. A mim por exemplo no autocarro já me aconteceu muitas vezes. E não sou uma pessoa que deixa passar, sou muito nervosa e respondo logo. Houve uma situação em que estava com amigos - brancos, pretos -sentada no autocarro e disseram-me para me levantar, chamaram-me preta, macaca, muitas coisas. E meteram os meus pais ao barulho, fazem isso muitas vezes, dizem que não sabem dar-nos educação por serem pretos. Era uma mulher entre 40 e 50, queria que eu me levantasse para ela se sentar, como se fossemos escravos."
E como acabou isso? "Comecei calmamente. Disse que tinha nascido cá e que ela não tinha direito de chegar e mandar-me levantar, até porque o lugar dos velhos é lá à frente, não atrás. E ela começou a querer agarrar-me, disse para parar e ela continuou e perdi a cabeça e mandei-a para vários sítios e disse que se não saísse na próxima paragem ia apanhar gravemente. E ela saiu. Isto já aconteceu muitas vezes, é um acumular de situações. À primeira passa, à segunda passa, à terceira não passa."
Keila, a única no grupo que não nasceu em Portugal - é cabo-verdiana e está cá desde 2013 -, confirma. "E não são só os velhotes que nos ofendem. Quando cheguei cá fui para outra escola e era a única preta na turma e quando havia trabalhos de grupo chegavam-se todos a um canto e ficava sempre sozinha. Só dois da turma falavam comigo." Lígia faz que sim: "Sou a única preta da minha turma, a escola fez esta coisa bonita, então sofro muito. São maléficos, há aí uns branquinhos muito estúpidos." Que fazem? "Gozam com o meu nariz, por nós termos o nariz largo. Fazem piadas mesmo parvas no meio das aulas." Jeanci reage: "Não concordo nada que a escola esteja a ver se só há um negro numa turma. Deve ser mistura. Mesmo que sejas a única preta na turma eles só têm de respeitar e calar, não têm nada de ofender."
"Lutar contra quê"
Dos monossílabos e da reserva desconfiada do início da conversa passámos a uma espécie de catarse. "No outro dia fui carregar o passe e uma senhora que estava atrás de mim e começou a dizer "despache despache que tenho coisas para fazer", como se eu não tivesse coisas para fazer", conta Keila. "Disse "minha senhora tenha calma" e ela começou a chamar-me preta, vai para a tua terra, nem devias estar aqui. A minha vontade era dizer "os portugueses é que foram primeiro para Cabo Verde e se não fossemos nós a tirar-vos não queriam sair. Invadiram primeiro a nossa terra. E agora chegamos aqui e tratam-nos assim?" Não entendo. Pergunto a mim mesma, porque é que nos tratam assim? Se nós somos pessoas, temos o mesmo sangue a correr nas veias, só por causa da cor de pele é que nos tratam assim? Quando morrermos vamos para o mesmo sítio.""
O discurso de Keila faz silêncio na sala e um nó na garganta. Mas é preciso continuar. E essa relação entre Portugal e os países africanos, acham que é bem contada nas aulas e nos livros? "Estudei em Angola", responde Omar, "e não sei qual a versão certa mas são muito diferentes. Cá não tocam no racismo. Lá o racismo era 100 por cento da história. Aqui não contam isso: fica aquela ideia de que Portugal foi para lá, "olá, boa tarde, bom dia, amigos"."
Passando por estas coisas, sentindo essa revolta, que fazem vocês para combater o racismo? "Fazer o quê?", espanta-se Osvaldo.
Bom, conhecem a história da luta contra a discriminação, não? Por exemplo, aquilo que a Jeanci contou lembra a Rosa Parks, aquela senhora negra americana que um dia, em 1955, se sentou no autocarro no lugar dos brancos. Porque vocês sabem que no sul dos EUA nos anos 1960 ainda havia autocarros com lugares para brancos e lugares para negros, certo? E escolas para brancos e escolas para negros. Foi preciso lutar para acabar com isso. Nos rostos dos sete percebe-se que não, não sabem. Nunca ouviram o nome Rosa Parks sequer, ou a expressão "luta pelos direitos civis." OK. Algum de vocês tem contacto com ou é filiado em algum movimento antirracista?
"Isso existe?", perguntam.
"Onde? Quero saber", certifica Omar.
Já procuraram? Já foram à net?
"Mas não dá na TV?"
Dá, claro.
"Nunca vi. Só falam de política."
Mas isto é política.
"Mas a política de falar dos negros não falam."
E por que não falam vocês?
"Nós? Não temos voz influente para isso", espanta-se Luís, em tom magoado. "Tem de ser alguém que nos apoie, que viva connosco e saiba da nossa situação, e depois transmita as nossas mensagens."
Mas porquê alguém e não vocês?
"Até posso querer fazer isso mas tenho medo de me expor", confessa Keila.
Mas estão a falar, aqui, hoje. Num jornal.
Osvaldo abana a cabeça. "Isto não vai mudar. Não adianta nada. Vou lutar contra quê. Falar não vai valer nada, sei que não vai valer nada. Damos esta entrevista e aparece no jornal e no dia seguinte não vai valer nada." Keila conclui, a voz sem timbre: "Pois não. Daqui a uma semana desaparece e as pessoas voltam ao mesmo."
Das nuvens para o chão: Portugal.
Fonte: https://www.dn.PT