domingo, 10 de dezembro de 2017

Embaixador Jin Hongjun: “CONSTRUÇÃO DE UMA CIDADE UNIVERSITÁRIA DEPENDE DO GOVERNO GUINEENSE, SE FOR ESTA A SUA PRIORIDADE”

[ENTREVISTA] O Embaixador da República Popular da China na Guiné-Bissau, Jin Hongjun, admitiu que é possível a construção de uma cidade universitária no país, a semelhança daquela que a China perspectiva construir em Cabo Verde, mas advertiu que tudo dependerá se o projeto fizer parte das prioridades definidas pelo executivo guineense, no âmbito dos projetos acordados entre os dois países. A revelação do diplomata foi feita durante uma entrevista exclusiva ao semanário “O Democrata” para abordar a situação do estado de cooperação entre o Governo de Pequim e o de Bissau, que vem desde o período da luta de libertação nacional.
 
Durante a entrevista, falou do projeto da construção da autoestrada a partir da pequena cidade de Safim (região de Biombo) até a capital Bissau, uma distância de 8,2 quilómetros, que será financiada e executada pela China, dentro em breve. Para Jin Hongjun, a estabilidade política e governativa é o único entrave das empresas estrangeiras e inclusive as empresas chinesas, que poderiam vir fazer grandes investimentos em diferentes sectores.

Sobre a situação da crise política e parlamentar que assola o país há mais de dois anos, Jin Hongjun disse que a Guiné-Bissau tem procurado um caminho certo para alcançar a estabilidade política e governativa, bem como encontrar um modelo certo para o seu desenvolvimento, porque cada país tem uma realidade diferente. Adiantou ainda que “não há um modelo único adequado para qualquer país, daí é preciso fazer algumas modificações de alguns modelos. Estou convencido que a Guiné-Bissau, com esforço de todos, vai certamente encontrar um caminho para a sua estabilização política e um modelo certo para o seu desenvolvimento que corresponda à realidade nacional”.
 
O Democrata (OD): o Senhor Embaixador iniciou as suas funções em Abril deste ano.  Como encontrou o estado da cooperação entre a Guiné-Bissau e a China?
 
Jin Hongjun (JH): Eu cheguei em Abril. Exerço a função do Embaixador da China na Guiné-Bissau há sete meses, portanto constatei que a cooperação, ou seja, a relação entre os dois países está em óptimo estado. Essa relação tem quatro características, que são a sinceridade, o pragmatismo, a fraternidade e boa-fé.
 
Digo sinceridade, porque nós tratamos cada um como país independente e de igualdade. Temos respeito mútuo entre os dois países e, quanto à cooperação não há nenhuma pré-condição política. Daí considero a cooperação sincera. Pragmatismo é por causa dos esforços entre as partes desde a escolha de projetos, a concretização dos mesmos e até a sua entrega e aceitação por parte da Guiné-Bissau. Durante todo o processo, as duas partes estão em constante concertação em plena atmosfera de amizade e cooperação.
 
O resultado desta concertação constante permitiu-nos ter resultados palpáveis e frutíferos. A terceira eu digo fraternidade. Nós tratamos os países amigos como irmãos, portanto há um calor humano entre os dois países e essa profunda amizade foi criada desde o período da luta de libertação nacional. E último diria a boa fé, porque neste processo da cooperação sempre encontramos dificuldades, desafios e problemas, mas com boa fé conseguimos ultrapassá-los sabiamente.
 
OD: Quais são os grandes desafios, ou melhor, constrangimentos encontrados neste processo de cooperação entre a China e a Guiné-Bissau?
 
JH: O maior desafio é de procurar o equilíbrio, porque nós queremos fazer muita coisa. E também o nosso amigo a Guiné-Bissau também precisa de muito apoio, mas a maior verdade é que a nossa capacidade é limitada, visto que a China continua a ser um país em via de desenvolvimento. Procurar esse equilíbrio, às vezes para mim é difícil, mas como a cooperação sempre foi sincera e a vontade é sempre grande, conseguimos sempre ultrapassá-los.
 
OD: Na entrega da sua Carta Credencial ao Presidente José Mário Vaz definiu os sectores de agricultura e economia como áreas prioritárias no quadro da cooperação. Já passaram seis meses, o que a China tem feito para ajudar no desenvolvimento da agricultura?
 
JHJ: Agricultura, efetivamente, constitui uma das principais áreas da nossa cooperação. A Guiné-Bissau é um país agrícola, onde 80 por cento das suas populações são camponeses. Agricultura é o principal alicerce económico para o país, por isso a China teve uma contribuição importante na ajuda para o desenvolvimento desse sector. Ao longo dos sete meses da minha função como o Embaixador, continuamos a prestar ajuda neste sentido e ao nível das diferentes áreas.
 
Criamos condições que permitem aos técnicos e camponeses guineenses aproveitarem melhor os nossos técnicos agrícolas que operam na região de Bafatá. Desde a independência que a China tem vindo a enviar os seus técnicos para apoiar os guineenses em diferentes áreas ligadas ao sector de agricultura. Os técnicos chineses que para além de dar apoio técnico, transmitem igualmente os seus conhecimentos e a rica experiência de agriculta aos técnicos guineenses, mas principalmente no cultivo do arroz. Transferir os nossos conhecimentos para os nossos homólogos guineenses constitui um passo importante.
 
Aproveitando essa linha, quero informar que os nossos técnicos, em colaboração com os técnicos guineenses, conseguiram descobrir uma boa semente denominada “sabi – 12”, que efetivamente está em bom estado e bem equacionado à realidade e às condições atmosféricas da Guiné-Bissau, o que pode triplicar ou quadruplicar a produção por hectare e achamos que é um bom resultado.
 
A equipa de técnicos chineses é constituída por 19 elementos, três dos quais são mecânicos, e tem vindo a ajudar os técnicos guineenses na reparação das máquinas agrícolas. A equipa mecânica consegue reparar, por mês, uma média de 15 a 20 máquinas. Estes técnicos estão baseados em Bafatá, mas desde o ano passado temos vindo a fazer uma experiência em Cacheu, concretamente em Calequisse. Isso é uma experiência para ver como é que a semente “sabi – 12” vai adequar-se ao solo desionizado, visto que todas as regiões da zona leste é de plantação em água doce.
 
No sul, ou seja, as regiões de Quinara e Tombali, tidas como o celeiro do país relativamente à produção de arroz e ao solo desalinhado, nessas duas localidades temos vindo a fazer experiências bastante encorajadoras. Conseguimos duplicar e até triplicar a produção de arroz. Agora estamos a pensar juntamente com o ministério de Agricultura, na difusão dessa experiência para toda a zona sul do país.
 
Outra área em que estamos a prestar grande apoio é na formação dos quadros guineenses, não só porque a equipa chinesa tem vindo a formar localmente os técnicos guineenses. Mandamos por ano entre 50 a 60 técnicos guineenses para a China, a fim de capacitá-los na matéria de agricultura. É bom informar que temos vindo a oferecer máquinas agrícolas. Portanto digo que somos um dos maiores fornecedores de máquinas agrícolas ao executivo guineense. Fornecemos ainda aos camponeses outros tipos de materiais tais como inseticidas e fertilizantes, através do ministério de Agricultura.
 
Houve regiões que sofreram inundações este ano, comprometendo assim os trabalhos dos camponeses, por isso a China interveio para ajudar os camponeses através de oferta de arroz para compensar as perdas. Trouxemos arroz da China para a Guiné-Bissau, num valor avaliado em mais de dois biliões de francos cfa.
 
OD: China é na verdade o maior parceiro da Guiné-Bissau neste sector, aliás, melhor parceiro estratégico de desenvolvimento. Segundo o provérbio chinês: É melhor ensinar uma pessoa a pescar em vez de oferecer-lhe o peixe todos os dias. A Guiné-Bissau é um país que tem um solo fértil para agricultura. Qual é o maior constrangimento do país que dificulta a evolução ou desenvolvimento do sector agrícola que, apesar de ter recebido todo o tipo de apoio, não consegue avanços eficazes …
 
JH: Estou apenas há sete meses no país, portanto o tempo não é suficiente para que eu possa ter efetivamente um conhecimento muito profundo da situação. Penso que a situação está-se a melhorar. É verdade que é importante ensinar a pescar de que dar peixe todos os dias! A oferta de arroz é como dar peixe, mas todos outros apoios que temos vindo a dar desde a formação dos técnicos guineenses, a oferta de máquinas e de produtos agrícolas é como ensinar a pescar.
 
O resultado é encorajador, mas sempre é preciso mais tempo para organizar as populações para trabalharem mais na agricultura. Será necessário mais empenho do governo guineense. Constatei que o governo, por meio do Ministério da Agricultura e do Estado, concretamente do Presidente da República, tem vindo a empenhar-se para o desenvolvimento deste sector.
 
OD: Em relação ao sector da economia. A China demostrou ser o maior parceiro estratégico de desenvolvimento da Guiné-Bissau, marcando a sua presença com a construção de grandes edifícios públicos. É desta vez que a Guiné-Bissau pode contar com investimentos de multinacionais privados chineses, sobretudo nos sectores de agricultura, indústria e turismo?
 
JH: Sobre este aspecto, diria que a cooperação entre os dois países, ou seja, entre os dois governos é óptima. Quando se fala em cooperações entre dois países sempre há um fator ou uma área ligada às empresas. No que se refere às empresas, penso que não só as empresas chinesas, também as empresas estrangeiras estão a espera de um melhor ambiente para poderem vir investir em massa na Guiné-Bissau.
 
OD: Ambiente melhor a que se refere, significa a estabilidade política e governativa? 
 
JH: Está certamente relacionada com esta situação, mas penso que as empresas chinesas não estão ausentes. Já temos algumas empresas a atuar numa ou outra área, mas a maior verdade é que para ter empresas estrangeiras em massa neste país é preciso ter não só a estabilidade política e governativa, mas também um ambiente favorável de investimento.
 
Estou a referir-me ao quadro legal; incentivos fiscais; disponibilização de terras e outros incentivos para efetivamente  tornar o país mais ativo, em termos de atrair investimento estrangeiro.
 
OD: A ausência de um projeto do desenvolvimento estratégico, no âmbito da relação de cooperação entre o Governo da Guiné-Bissau e o da China, tem sido um “handicap” lamentado pela China há muito tempo. Senhor Embaixador, até que ponto esta situação dificulta na verdade a relação de cooperação entre os dois países?
 
JH: Eu prefiro olhar esta questão de outra forma. Efetivamente não está a dificultar o relacionamento ou a cooperação em si. Devemos procurar uma maneira melhor de cooperar no concernente às áreas das empresas. Temos um governo a funcionar, temos um Presidente da República eleito pelo povo e que está a trabalhar afincadamente para o desenvolvimento do país.
 
Do ponto de vista do governo, não temos nada a queixarmo-nos. A cooperação entre os dois países tem vindo a andar num bom rítmo. Penso que é só uma questão do tempo até que as condições, não só políticas, mas também legislativas e ambientais sejam criadas.
 
OD: Senhor Embaixador, no passado recente o governo chinês comprometeu-se com as autoridades guineenses em construir uma autoestrada de mais de sete (07) quilómetros, que ligará a pequena vila de Safim à capital Bissau. É um projeto iniciado pelo Embaixador Wang Hua e que está orçado em 13 milhões de Euros. Neste momento como está indo esse projeto ou está tudo parado?
 
JH: O projeto está num bom caminho. A autoestrada que vai ligar o sector de Safim  a capital Bissau é de 8, 2 quilómetros. Será uma autoestrada de três faixas de cada lado e, certamente será grande. Como disse, o projeto não está parado, está sim em bom andamento.
 
Ainda há dias foi firmada uma troca de notas entre eu e o respectivo ministério do governo. Estamos a espera que tudo corra bem como previsto. Vai-se começar os preparativos para o início dos trabalhos da obra para  breve. Sabemos que é uma obra grande.
 
OD: Em relação à educação, o que é que se pode esperar para além da concessão de bolsas de Estudo?
 
JH: A educação constitui também uma das principais áreas de cooperação entre a China e a Guiné-Bissau. Além da oferta de bolsas de estudo, conseguimos construir três escolas de amizade “SINO-GUINEENSE”. Na capital Bissau temos uma. Além disso, construímos também a Escola Nacional da Saúde.
 
Se não estou em erro, a Escola Nacional da Saúde, do ponto de vista de infraestruturas, é o melhor estabelecimento da educação que se pode encontrar em todo território nacional. Eu visitei as escolas e constatei que essa escola é uma das melhores do país. Estamos a pensar introduzir, na Guiné-Bissau, o ensino da língua chinesa.
 
OD: É possível também contar com o apoio da China para a construção de infraestruturas escolares a semelhança daquilo que se regista em Cabo Verde, onde a China apoia a construção de uma cidade universitária?
 
JH: Não digo que é impossível! Porque sempre depende do resultado do diálogo entre dois governos. Estamos em constante diálogo com a parte guineense e depende muito da definição das prioridades por parte do executivo guineense e parece que neste momento estamos a ter outras prioridades apresentadas pelo governo.
 
Por exemplo, estamos a concretizar o projeto do porto da pesca de Alto Bandim, uma das prioridades do executivo neste momento. Outro projeto que é da prioridade do executivo guineense é a construção da autoestrada que liga a pequena cidade de Safim à capital Bissau. Portanto, vamos ver juntamente com o executivo, quais são as prioridades. Lembro que o ministro da Educação, Sandji Fati, falou de um projeto de polo universitário na Guiné-Bissau.
 
OD: Em relação à saúde, qual é o estado da cooperação? O que é que se fez até aqui?
 
JH: A saúde constitui também uma das áreas que atribuímos muita importância, visto que a saúde está intimamente ligada à população. Temos vindo a trabalhar desde a nossa independência, ou seja, ao longo dos anos temos enviado os nossos médicos para a Guiné-Bissau, primeiramente para o Hospital de Canchungo e depois para o Hospital Militar Principal Amizade Sino-Guineense. Construímos dois hospitais no país.
 
A nossa equipa médica tem vindo a trabalhar afincadamente para o bem-estar da população. Além de trabalhar nos respetivos hospitais, os médicos chineses deslocam-se também com frequência às povoações mais longínquas para oferecer consultas gratuitas, ajudando a população mais carenciada.
 
Além disso, temos vindo a oferecer medicamentos e equipamento médico para ajudar estes hospitais a funcionarem da melhor forma. Neste momento estamos a pensar em trazer uma equipa temporária de médicos especializados em tratamento de cataratas para atacarem este problema, que considero grave e que está a prejudicar a população guineense, sobretudo os idosos, impossibilitando-lhes de ver bem e totalmente. Estamos a trabalhar neste sentido com o Ministério da Saúde para trazer para este país a nossa equipa médica para resolver pelo menos uma parte deste problema de cataratas.
 
Esta equipa vai oferecer consultas, cirurgias e oferta de medicamentos. Os especialistas chineses em catarata vão dar formação aos quadros guineenses e deixarão os equipamentos necessários para tratamento de cataratas. Assim, mesmo com o fim dos trabalhos da missão, os médicos guineenses poderão continuar a executar operações e ajudar a população.
 
OD: Vamos falar do projeto Fundação ‘Mon na Lama’, uma iniciativa do Presidente da República da Guiné-Bissau. Conta com apoio da China?
 
JH: Como eu disse, a agricultura é fundamental para este país e agricultura constitui uma das áreas prioritárias de cooperação entre os dois países. Qualquer projeto que esteja ligado ao desenvolvimento do setor da agricultura, pode ter o nosso apoio. Sim, encaramos positivamente o projeto ‘Mon na Lama’. Pessoalmente, já estive com o Presidente da República da Guiné-Bissau em algumas ocasiões e cheguei a ver o Chefe de Estado da Guiné-Bissau a trabalhar durante seis dias consecutivos das suas férias na bolanha, das 9 às 15 horas.
 
Eu nunca vi um Chefe de Estado a trabalhar desta forma. O projeto visa sensibilizar a população para aderir mais à agricultura, um setor fundamental para elevar o nível económico de um país. Em cada país, quando um Chefe de Estado dá um exemplo é para a população segui-lo, por isso apoiamos, sim, ‘Mon na Lama’, visto que é um projeto que visa sensibilizar a população a aderir à agricultura e trabalhar mais na agricultura.
 
OD: O ministério da agricultura guineense pretende mecanizar a agricultura nacional. Tudo aponta que a China, como um dos principais parceiros do país, já terá recebido solicitação neste sentido. 
 
JH: Sim, recebemos pedidos neste sentido e já reagimos positivamente. A China, como já disse, se não é o maior é porque é um dos principais fornecedores e doador de máquinas à Guiné-Bissau. É isso que temos vindo a fazer e vamos continuar a fazê-lo, trazendo mais máquinas para a Guiné-Bissau. Vamos ensinar, em colaboração com o Ministério da Agricultura, os técnicos guineenses como gerir da melhor maneira possível estas ferramentas agrícolas.
 
OD: Como está o projeto de construção da barragem hidroelétrica na localidade de Saltinho, Sul da Guiné-Bissau, que se diz poder ser executado pela China?
 
JH: Já ouvi falar deste projeto, mas não tenho informações se poderá vir a ser executado por uma empresa chinesa. Mas, na minha opinião pessoal, um bom projeto tem que ser primeiramente um projeto economicamente viável, tem que ser avaliado no ponto vista ambiental. As empresas vêm por causa de lucro, por isso tudo tem que ser visto numa perspectiva de lucro e de viabilidade. Neste caso deve ser analisada se a energia fornecida por esta barragem dá para sustentar todo este projeto.
 
Do ponto de vista ecológico, sei que saltinho fica situado numa das áreas protegidas. Se tiver algum problema de ponto de vista ecológico, então tudo isso e demais questões devem ser estudados e tidos em consideração antes do início dos trabalhos.
 
OD: Mas a China não recebeu nenhum projeto da parte das autoridades guineenses para a construção da barragem de Saltinho?
 
JH: Penso que já foi apresentado de uma forma muito preliminar este projeto, mas para avançar um projeto desta envergadura é preciso muita análise e muito estudo.
 
OD: A Guiné-Bissau é abalada por uma crise política que dura há mais de dois anos. Como analisa atual situação política guineense?
 
JH: Eu estou aqui apenas há sete meses, um pouco mais de meio ano. E não estou efetivamente em boas condições para proferir alguma declaração sobre a situação política. E como a China nunca vai interferir nos assuntos internos da Guiné-Bissau, julgo inoportuno e inadequado pronunciar-me sobre a situação política guineense. Mas como fui confrontado com esta questão, gostaria de ver este assunto de outra maneira e responder de outra forma. Se formos ver a história da Guiné-Bissau desde a sua independência, veremos altos e baixos, isso acontece com qualquer país. Mesmo a China, desde a sua fundação em 1949, tem tido também períodos infelizes, por exemplo, a revolução cultural que durou 10 anos foi uma página negra para a China. Voltando a Guiné-Bissau, todos os países têm seus altos e baixos. Acredito que o caminho nunca é reto. É sempre um “ziguezague”. Temos que ver se a tendência é para subir. Estamos a ver isso atentamente. Portanto, na nossa perspectiva, a tendência é para um futuro melhor.
 
Penso que Guiné-Bissau tem que se preocupar mais em ter um caminho certo para alcançar a estabilidade política e governativa, bem como encontrar um modelo certo para o seu desenvolvimento, porque cada país tem uma realidade. E não há um modelo único que seja adequado para qualquer país. É preciso modificar alguns modelos. Estou convencido que a Guiné-Bissau, com esforço de todos, vai certamente encontrar um caminho para a sua estabilização política e um modelo certo para o seu desenvolvimento que corresponda à realidade nacional.
 
OD: Tendo em conta a experiência chinesa, o que é preciso fazer entre os guineenses para se encontrar um modelo certo?
 
JH: Tenho a certeza de uma coisa: as soluções nunca vêm de fora, mas sempre de dentro. E estou convencido de que o futuro da Guiné-Bissau será ainda mais brilhante. O país é rico e tem todas as condições para se desenvolver internamente. Certamente que terá um futuro ainda melhor.
 
OD: A China considera a África um parceiro estratégico de desenvolvimento. Pode falar-nos de uma forma sintética das recomendações saídas do último Congresso do Partido Comunista Chinês, sobretudo as estratégias para o desenvolvimento da cooperação com a China?
 
JH: O XIX Congresso do Partido Comunista Chinês, nosso partido, é um acontecimento muito importante, tendo em conta a escala populacional, geográfica, económica, a história e mesmo a cultura. O congresso do Partido Comunista Chinês é um acontecimento de grande importância que atraiu atenção de todo mundo.
 
Vou apresentar de uma forma muito sintética algumas novidades do nosso XIX Congresso: primeiro, saiu desse conclave uma nova teoria que nós chamamos de Pensamento de Socialismo com Características Chinesas na Nova Era –da autoria do nosso Presidente Xi Jinping, que traz efetivamente novas ideias e novas orientações para o desenvolvimento da China, que no seu fundo é uma conjugação do marxismo com a realidade nacional. É uma nova teoria. A segunda novidade tem a ver com um Novo Projeto ou um Novo Mapa Itinerário para concretizar o sonho chinês, dividido em três etapas – Iª – Até 2020 devemos alcançar o objetivo de construir, em todos os aspetos, uma sociedade modestamente abastecida; IIª – De 2020 a 2035 vamos conseguir construir uma China mais ou menos modernizada e a IIIª e última etapa, até 2049 a 2050 vamos construir uma China forte e modernizada, uma China que ocupará seu lugar no mundo.
 
A terceira novidade é, sem dúvidas, uma liderança reforçada. O Secretário-geral do partido, o Presidente Xi Jinping, foi reconduzido ao seu cargo, um líder carismático, um grande líder que nós temos. Foi eleito o novo Comité Central do partido, temos um novo Bureaux Político e temos novos membros nesta estrutura partidária. Dos sete (7) membros do Bureaux Político, cinco (5) são caras novas. Portanto saímos do congresso com uma nova liderança, uma liderança reforçada tendo na testa o nosso Presidente Xi Jinping, reeleito como Secretário-geral do partido.
 
A quarta novidade do XIX Congresso do Partido Comunista Chinês tem a ver com os  Estatutos do Partido, porque foram trazidas muitas inovações nos nossos estatutos para corresponder melhor à realidade e também para orientar melhor os membros do Partido.
 
Relativamente à África, para os comunistas chineses a África é um continente em vias de desenvolvimento. Na área diplomática, o Partido Comunista Chinês traz algumas inovações saídas do XIX Congresso. A primeira tem a ver com a ideia de um novo modelo de relacionamento entre a China e os países do continente africano, baseado em três pilares – 1º Respeito Mútuo; 2º Igualdade e Justiça e 3º Cooperação com ganho para todos. A segunda inovação é concernente à edificação de uma comunidade da humanidade com destino comum, ou seja, de futuro partilhado. Entendemos que temos apenas um planeta e os Estados estão cada vez mais interdependentes. Temos de coincidir e cooperar pacificamente para podermos ter um mundo melhor.
 
Portanto, os nossos destinos estão cruzados. Temos o mesmo destino e o mesmo futuro, daí temos que ter esta comunidade. Temos que ter a noção de que todos nós, membros desta aldeia global, temos que cooperar. Agora, África é o continente com maior número de Estados e, é o continente efetivamente com maior número de países em via do desenvolvimento, tal como a China. Por isso é preciso ter esse novo modelo de relacionamento entre a China e os países africanos. Assim poderemos dar um bom exemplo aos outros países, com uma nova parceria e um novo relacionamento, fazendo avançar assim para a questão da edificação dessa comunidade de humanidade com destino comum, que eu referi. A África é sem dúvidas uma parceira principal que a China tem e privilegia!
 
OD: Senhor Embaixador! Quais são os projetos concretos saídos do último Congresso do Partido Comunista Chinês, que a China pretende trazer para África para ajudar no desenvolvimento do continente? E quais são as áreas definidas para a intervenção nos setores da indústria, do turismo e da economia em geral?
 
JH: A China já definiu quatro princípios importantes no desenvolvimento económico com a África, baseado nos princípios de Sinceridade, de Pragmatismo, da Fraternidade e de Boa-fé. Com estes quatro princípios podemos fazer muita coisa. Visto que a China é hoje a segunda maior potência economica mundial e daqui a algumas décadas, a China vai certamente chegar a número um no mundo em termos económicos absolutos. Sabemos que em termos per capita, a China continua a ser um país atrasado, mas a China neste momento já é produtor de grande parte dos produtos do mundo.
 
A China tem neste momento uma indústria mais completa do mundo, sabendo que ainda não é uma indústria mais forte. Também a China tem uma agricultura forte e é o maior produtor de muitos tipos de produtos agrícolas. Estou a explicar isso, porque a China é grande e também é grande economicamente. A China e África, temos muito em comum, assim como as suas indústrias e economias têm um grande caráter de complementaridade. Daí termos uma vasta área e potencialidade para cooperar.
 
O resultado do congresso espelha a disponibilidade da China cooperar com a África. E temos grandes potencialidades para cooperar, como já temos vindo a cooperar com vários países africanos, ou seja, praticamente com todos os países africanos em diversas áreas. Agora vamos esperar que, com o empenho de todos, possamos alcançar ótimos resultados, tendo de um lado a China e de outro a África.
 
OD: Embaixador, quando é que a iniciativa económica da China chamada de Cinturão Verde desenvolvida com os países asiáticos chegará à África?
 
JH: Chama-se a Faixa e Rota. É uma das novidades que trouxemos, mas esta iniciativa não visa apenas o continente asiático, porque se assenta em duas perspectivas: uma primeira perspectiva na área Terrestre e a outra faixa que liga à China, atravessando toda Ásia e vai até a Europa, ou seja, a antiga Rota de Seda. A segunda é a Rota de Seda Marítima, que vai da China, atravessando os oceanos Pacífico, Índico e vai até a Costa Oriental da África, abrangendo efetivamente a Ásia, Europa e África.
 
Penso que este projeto, ou seja, esta iniciativa chinesa já está em África, porque África foi um dos destinos de uma viagem do grande navegador chinês Zheng He, já há muitos séculos. Posto isso, devo dizer que sem dúvidas a África está comtemplada nesta iniciativa, porque é mutuamente vantajosa entre as duas partes, visando ligar as povoações e os países em termos das infraestruturas terrestres, marítimas,  informáticas e muitas outras áreas.
 
OD: O fenómeno do terrorismo e da emigração clandestina são dois aspetos que fustigam o continente africano neste momento. Apesar de a China se interessar mais na cooperação económica, mas é possível também que a China estenda a sua cooperação na área de segurança com os governos africanos para combater o terrorismo?
 
JH: Acho que China já está presente em África, porque somos o segundo maior financiador das despesas para a manutenção da paz mundial e somos também o maior doador no seio dos países membros permanentes do Conselho de Segurança, isto é, no quadro da força da manutenção da paz.
 
A China está presente em África nas missões de manutenções de paz, isto é, multilateralmente falando. Já bilateralmente, a China tem vindo a cooperar com vários países africanos na área da segurança, mesmo com a Guiné-Bissau, estamos a reforçar a nossa cooperação com as forças armadas no domínio da segurança, para aumentar a sua capacidade de proteger melhor os espaços aéreo, marítimo e terrestre.
 
Também nunca vamos esquecer que estes problemas de emigração clandestina e a questão do terrorismo são, no fundo, questões do desenvolvimento, a extrema pobreza obriga as pessoas a emigrar. Essas formas extremas de se expressar provoca o terrorismo, que é um inimigo comum. Nós temos vindo a manter a nossa marinha no Mar de Áden, para proteger os navios que passam por aquela zona. A missão tem sido bastante bem sucedida. Como disse, a China está presente na cooperação contra o terrorismo e na questão do reforço de segurança, mas também estamos conscientes de que, no seu fundo, esta situação é a questão de desenvolvimento, por isso estamos empenhados em cooperar com os países em vias de desenvolvimento para desenvolver ainda mais a sua economia, resolvendo assim do fundo a questão de pobreza, terrorismo e da emigração clandestina.
 
OD: Em relação à África Ocidental, quais são os sectores definidos pela China e que podem contar com mais investimentos chineses.
 
JH: Na África Ocidental, penso que podemos cooperar, praticamente em todas as áreas. Já trazemos caminhos-de-ferro para a Nigéria, assim como na outra parte de África, onde levamos o mesmo projeto, nomeadamente, Etiópia e Quénia. Já executamos no Congo Brazzaville uma iniciativa pilota, onde construímos uma zona económica social, sendo uma experiência piloto que pode efetivamente dar exemplo para o desenvolvimento da economia.
 
Aqui na sub-região, a China está presente, as empresas chinesas estão presentes. Estamos a cooperar e estamos a ter resultados frutíferos em praticamente todas as áreas do desenvolvimento.
 
OD: A grande parte dos países da África Ocidental apostou muito nos últimos tempos no empreendedorismo como forma de combater o desemprego jovem. A China pode ajudar através da sua experiência para impulsionar a iniciativa com investimentos privados?
 
JH: As questões do empreendedorismo, do desemprego e a questão do emprego jovem são questões importantes e fundamentais da estabilidade social. A China atribui imensa atenção a estas questões, por isso apelamos à inovação e ao empreendedorismo dos jovens. Por isso, o Governo chinês está fortemente empenhado em resolver esta questão. Cada ano criamos Treze Milhões (13.000.000) de novos postos de emprego. Efetivamente, temos muita experiência para cooperar com nossos amigos africanos nesta área.
 
OD: Terminou há dias a cimeira de COP23 na Alemanha. Atualmente, o mundo conta com o apoio da China. Até que ponto a China está determinada a fazer a redução de emissões de gazes com efeito de estufa?
 
JH: Esta questão é importante. A China está fortemente empenhada nesta questão. Já assinam os ‘Acordo de Paris’ e vamos honrar o nosso compromisso, assim como tudo o que assumimos vamos honrá-lo. Não temos o luxo de voltar a fazer o que os países desenvolvidos já tinham feito, ou seja, poluir primeiro e depois remediar. Se a China começasse a fazer isso, seria efetivamente muito custoso para todo o planeta, tendo em conta a escala e a dimensão que a China tem.
 
Agora optamos por outro caminho, em vez de poluir primeiro, vamos desenvolver uma indústria menos poluída, mais verde e mais amigável ao ambiente. O desafio é enorme, visto que a população também é enorme e é preciso muita tecnologia. O Acordo de Paris avisa e defende a questão de responsabilidade comum, mas diferenciada. Sempre entendemos que os países desenvolvidos têm o seu papel a fazer nesta luta, desde o fornecimento de fundos aos países mais atrasados como também transferir os seus conhecimentos e ‘Know-how’ para que os países em via do desenvolvimento não voltem a percorrer o caminho menos bom que eles próprios já percorreram.
 
A luta está traçada e a meta está lançada. A China está fortemente empenhada, não só para contribuir neste aspeto, mas também vai procurar conjuntamente com os parceiros como a União Europeia e em alguns casos vamos até liderar as ações.
 
OD: A China goza de uma relação diplomática “normal” neste momento com os Estados Unidos de América, aliás, a Recepção do Presidente Donald Trump em Pequim ilustra esse facto. Como interpreta a visita do Presidente Trump à China, justamente numa altura em que o clima do medo e de tensão se regista naquela zona entre as Coreias do Norte e do Sul, Japão e os Estados Unidos?
 
JH:A questão da península coreana é importante, mas não é tudo aquilo que compõe a relação sino-americana. Eu digo que a relação sino-americana é excelente, não é uma relação normal. Temos uma excelente relação com os Estados Unidos da América! Os Estados Unidos da América é o país mais desenvolvido do mundo, enquanto a China é o maior país em via do desenvolvimento. Somos a primeira e a segunda potencia mundial. E somos duas nações economicamente interdependentes. Os países grandes como nós e os EUA temos as nossas responsabilidades e, ‘estamos condenados a cooperar’. Não nos podemos dar ao luxo de entrar em conflito e nunca vamos. As relações entre os dois países têm sido ótimas, com um sentido de responsabilidade e de pragmatismo que sempre reinou entre nós.
 
Nós queremos cooperar com os Estados Unidos da América. O Presidente norte-americano, Donald Trump, efetuou uma visita de Estado bem-sucedida à China, o que efetivamente impulsionou as relações entre os dois países. Os dois presidentes trocaram, de uma forma profunda e ampla, as impressões sobre as questões bilaterais e internacionais, tendo em conta que o mundo tem vindo a enfrentar grandes desafios, que precisam ser resolvidos de mãos-dadas de todos os membros, particularmente da China e dos Estados Unidos da América. Esperemos, por isso, que as relações sino-americanas progridam ainda mais, não só para o bem-estar dos dois povos, mas também para o bem-estar do nosso planeta.
 
OD: A Coreia do Norte tornou-se hoje uma pedra no sapato da China e uma ameaça à paz mundial através dos seus ensaios nucleares. O que é que a China está a fazer neste momento para conter as autoridades de Pyongyang?
 
JH: Eu não considero a Coreia do Norte como uma ameaça. Efetivamente, a Coreia do Norte é um país vizinho da China e nós não podemos escolher um em detrimento de outro, ou seja, não se poder escolher entre vizinhos próximos. Os dois países têm boas relações. A posição chinesa no que refere à questão da península coreana é clara. Estamos contra os ensaios nucleares, defendemos a não nuclearização de toda a península coreana, também defendemos que não pode haver situações de caos, nem situação de guerra na península coreana, porque a guerra não é a forma de resolver esta questão. A China já votou favorável às sanções e as respetivas resoluções da ONU. Vamos implementar rigorosamente as resoluções da ONU: No entanto, vamos sempre procurar soluções apropriadas para resolver esta questão. A solução será sempre por via do diálogo. Temos já um diálogo das seis partes: a China, a Rússia, os Estados Unidos da América, Coreia do Norte, Coreia do Sul e o Japão. Vamos tentar trazer as partes para a mesa de negociações para podermos encontrar uma solução apropriada e duradoura para a questão da Península Coreana. No fundo, o que tentamos fazer é acalmar a situação, para que as partes não levantem as vozes, para que voltem à mesa de conversações como o único caminho para resolver esta questão.
 
OD: A China construiu a maior biblioteca do mundo chamada de ‘O olho de Binhai’ com capacidade para albergar 1,2 milhão de livros localizada em Tianjin, concretamente no distrito cultural de Binhai. Para muitos analistas internacionais será um desafio aprender a língua Mandarim até 2030 para poder passar alguns dias de pesquisa na maior biblioteca do planeta. Concorda?
 
JH: Eu ainda não ouvi falar dessa biblioteca. Qualquer das formas, qualquer projeto que a China tem, tendo em conta a escala global e populacional que tem, assim como a potencialidade económica que possui, qualquer projeto que fazemos poderá ser de maior envergadura para o mundo.
 
No que diz respeito à língua chinesa, digo que não será difícil aprendê-la. Talvez possa ser um pouco difícil para um estrangeiro, mas não pode constituir uma barreira para a comunicação entre as civilizações e as populações, sabendo que o inglês está a ser popularizado cada vez mais no mundo. Hoje em dia, estamos a assistir mais estrangeiros a aprenderem o idioma chinês e há já africanos que falam perfeitamente o chinês, até melhor que eu. Por isso, não vejo a questão de língua chinesa como grande barreira de comunicação. Eu até defendo que quanto mais línguas no mundo, o mundo torna-se ainda mais cintilante e mais bonito em termos das culturas, porque em termos de civilizações e de culturas, o mundo precisa ter mais cores. Portanto, a questão de língua é uma questão de técnica e é fácil ultrapassar.
 
OD: O senhor falou de uma iniciativa do Governo chinês, a perspectiva de introduzir a língua chinesa no ensino guineense. Como é que essa iniciativa será implementada? A China vai enviar professores ou vai formar professores guineenses para ensinarem o mandarim no país?
 
JH: Nós já temos experiências neste aspeto, através do projeto chamado de Instituto Confúcio.  O Instituto Confúcio funciona normalmente num dos investimentos do país, onde vamos trazer professores chineses, da China, para ensinar a língua chinesa na Guiné-Bissau. Mas, precisaremos encontrar um parceiro local. Estamos a trabalhar neste sentido. Por isso esperamos que dentro de um ano possamos trazer este projeto para a Guiné-Bissau. Quero acreditar que muitos guineenses querem estudar na China, por isso julgamos que uma  pré-preparação sempre seria uma mais valia. Não é menos verdade também que lá na China há muitas pessoas que falam o português. Daí a necessidade de termos mais guineenses a falar a língua chinesa, porque a língua é uma característica importante da cultura e é preciso mais intercâmbio entre diversas culturas e diferentes povos.
 
 Por: Assana Sambú/Sene Camará
Foto: S.C