Para Noah Smith, defensor da principal corrente keynesiana, o neoliberalismo funciona, e cita o fenômeno do crescimento da China como principal exemplo!
Por Michael Roberts*, para o Sin Permiso
Noah Smith é um conhecido blogueiro de economia, defensor da principal corrente keynesiana, que escreve regularmente para o site Bloomberg. Há pouco, escreveu o artigo “Os mercados livres melhoraram mais vidas que qualquer outra coisa antes”, defendendo este mesmo argumento do título, bastante habitual, de que o capitalismo é um grande sucesso em termos de melhorar a vida de bilhões de pessoas em comparação com qualquer modo de produção e organização social anterior, e que, por enquanto, seguirá sendo a melhor opção dos seres humanos.
Smith está disposto a refutar a “economia mista”, as ideias anti livre comércio que enfrentaram a economia dominante desde a Grande Recessão de 2008, as quais dizem justamente que o neoliberalismo e o livre mercado afetam negativamente o padrão de vida das pessoas. Em seu lugar, seria necessário una pequena dose de protecionismo comercial (segundo Dani Rodrik), intervenção estatal e regulação (James Kwak) para ajudar o capitalismo a funcionar melhor.
Smith defende outra coisa. Para ele, o neoliberalismo funciona melhor, e cita, pasmem, o fenômeno do crescimento da China como principal exemplo! Na China, “a mudança de uma economia dirigida e controlada rigidamente a uma que combina enfoques estatais e de mercado – e a liberalização do comércio – foi sem dúvida uma reforma neoliberal. Apesar de que as reformas de Deng Xiaoping se realizaram sem intervenção externa e aplicando o sentido comum, convidaram até mesmo o famoso economista neoliberal Milton Friedman como conselheiro”.
A continuação, ele inclui a Índia em seu argumento: “uma década depois de a China iniciar seu experimento, a Índia fez o mesmo. Em 1991, depois de uma forte recessão, o primeiro-ministro Narasimha Rao e o ministro da Fazenda Manmohan Singh desarmaram um burocrático sistema de concessão de licenças comerciais, tirando vários obstáculos do caminho dos investimentos estrangeiros, acabando com muitos monopólios autorizados pelo Estado, baixando as taxas, além de outras medidas neoliberais”.
Será possível? A economia da China mostrada como um exemplo de êxito neoliberal? Em várias notas, eu defendi que a China não é uma economia de livre mercado, e que, por mais diferentes que sejam os pontos de vista, não deveria sequer ser descrita como capitalista. É uma economia dirigida pelo Estado, o qual controla os investimentos e a produção estatal, sendo prioritário o crescimento e não os benefícios. Os dados do FMI sobre o tamanho dos investimento e da propriedade pública situam a China numa patamar diferente em comparação com qualquer outra economia no mundo.
Com respeito à Índia, o setor estatal também continua sendo forte nesse país, algo que molesta continuamente o Banco Mundial e os economistas neoliberais. As medidas políticas dos Anos 90 não servem de explicação para o crescimento econômico da Índia. Durante aquela década, o crescimento da produtividade em todas as principais economias emergentes foi real, mas depois voltou a cair durante a Grande Recessão de 2008. A globalização e o capital estrangeiro foram os impulsores desses episódios em todo o mundo.
De qualquer forma, se trata de uma meia verdade o argumento de que a política econômica da Índia é neoliberal. Pelo contrário. Em comparação, podemos citar a mudança brutal ao capitalismo neoliberal observada nos governos pós-soviéticos da Rússia e seus oligarcas, que foi um desastre total (Smith considera isso como um “sucesso misto”, seja lá o que for essa definição). O crescimento, o padrão de vida e a esperança de vida dos russos despencou. Aliás, a conclusão que podemos deduzir não é que foram as reformas neoliberais as impulsoras do relativo êxito econômico da China e da Índia nos últimos 30 anos, e sim sua resistência a tais políticas.
O outro argumento principal defendido por Smith sobre o êxito do capitalismo é a suposta diminuição da pobreza no mundo desde que Marx escreveu El Capital, há 150 anos. “Toda a evidência anterior sugere que a população que vive em condições de pobreza extrema diminuiu consideravelmente nos últimos 200 anos em todo o mundo. A população que vive em nível de pobreza extrema passou de 80% em 1820 a 10% segundo as estimativas mais recente”.
Marx foi o primeiro em observar o tremendo impulso à produção que o modelo capitalista supunha, em comparação com os anteriores. Porém, os primeiros anos do capitalismo escondem outra cara: a pauperização da classe trabalhadora. E essa é uma realidade muito diferente da proposta por Smith.
Em 2013, o Banco Mundial publicou um informe segundo o qual havia 1,2 bilhão de pessoas que viviam com menos de 1,25 dólar por dia – um terço deles eram crianças. Diante disso, o Banco Mundial elevou sua linha oficial de pobreza a 1,90 por dias.
Como observa o antropólogo suazi Jason Hickel, o parâmetro de 1,90 dólar por dia ainda é ridiculamente baixo. Um parâmetro mínimo seria $ 5 por dia, que é o que o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos calcula como o mínimo necessário para comprar alimentos suficientes. E isso sem tomar em conta outros requisitos para a sobrevivência, como refúgio e roupa. Hickel mostra que na Índia, as crianças que vivem com 1,90 dólar por dia ainda têm 60% de possibilidades de estarem desnutridas. Em Níger, os infantes que vivem com essa mesma cifra têm uma taxa de mortalidade três vezes superior a la media mundial.
Num artículo de 2006, Peter Edward, da Universidade de Newcastle, utiliza um “nível mínimo de pobreza ética” que calcula que, com o fim garantir uma esperança de vida humana de pouco mais de 70 anos, as pessoas necessitam mais ou menos 2,7 a 3,9 vezes o que estabelece o atual padrão de pobreza estabelecido. No passado, esse valor seria algo como 5 dólares por dia. Com os novos cálculos do Banco Mundial, fica ao redor de 7,40 dólares por dia. Se é assim, cerca de 4,2 bilhões de pessoas vivem abaixo do nível da pobreza atualmente – 1 bilhão a mais que há 35 anos.
Alguns argumentam que a razão por haver mais gente em níveis de pobreza se deve ao crescimento populacional. A população mundial se incrementou nos últimos 25 anos. É necessário observar a proporção da população mundial pobre e, considerando o padrão de 1,90 dólar por dia, a proporção que vive abaixo desse parâmetro, que se reduziu de 35% a 11% entre 1990 e 2013. Portanto, nessa perspectiva, Smith afinal estaria certo, embora isso seja falso, para usar uma palavra suave.
O número absoluto de pessoas em nível de pobreza, inclusive no padrão ridiculamente baixo de $ 1,25 dólar por dia, também aumento, embora a população dos últimos 25 anos não tenha crescido tanto. E ainda assim, todo esse otimismo técnico se baseia realmente na espetacular melhora da renda media na China – e, em menor medida, na Índia.
Smith diz que “a redução da pobreza no mundo é substancial inclusive se não tomamos em conta a redução da pobreza na China. Em 1981, quase um tercio (29%) da população mundial não chinesa vivia na pobreza extrema. Em 2013, essa porcentagem caiu para 12%”.
Entretanto, o acadêmico Peter Edward mostrou que havia 1,1 bilhão de pessoas recebendo menos de 1 dólar por dia em 1993, e essa cifra caiu para 1 bilhão em 2001, uma redução de 85 milhões. A redução na China durante esse período foi de 108 milhões (quando ainda não havia mudanças na Índia). Portanto, toda a redução nas cifras de pobreza foi por causa da China. Se se excluímos a China, a pobreza total se manteve sem variações na maioria das regiões, e inclusive se incrementou significativamente na África subsahariana. Segundo o Banco Mundial, em 2010, uma pessoa pobre de um país subdesenvolvido vivia em média com 78 centavos de dólar por dia, enquanto essa cifra em 1981 era 74 centavos, um aumento irrelevante.
Logo, a melhora real observada se deve basicamente em função do acontecido na Índia e na China. Na Índia, a renda média dos pobres se elevou a 96 centavos de dólar em 2010, em comparação com os 84 centavos de 1981. Na China, os pobres passaram a ter 95 centavos de dólar em média em 2010, enquanto em 1981 essa cifra era de 67 centavos.
Por outra parte, os níveis de pobreza não devem ser confundidos com os da desigualdade da renda ou os da riqueza. As provas do aumento da desigualdade da riqueza a nível mundial son inegáveis. O último informe anual do banco Credit Suisse sobre a riqueza per capita mundial mostrou que 1% dos titulares da riqueza per capita em todo o mundo possuem mais de 50% de toda a riqueza existente no mundo – há 10 anos eles possuíam 45%. Na verdade, a maioria das pessoas nas principais economias capitalistas avançadas estão entre esses 10% possuidores de riqueza, devido a que, pasmem, um bilhão de pessoas carece de qualquer tipo de riqueza!
O Credit Suisse aponta um crescimento da riqueza global de 6,4% no último ano – o maior incremento desde 2012 – graças ao aumento dos números dos mercados e do preço dos imóveis. Porém, o crescimento mais fraco se viu na África, a região mais pobre do planeta, onde a riqueza dos lares aumentou somente um 0,9%. Tendo em conta as mudanças na sociedade, a riqueza por adulto caiu em 1,9% na África. O crescimento mais intenso foi na América do Norte, onde aumentou em 8,8% por adulto.
Segundo as tendências atuais, a desigualdade continuará aumentando. As perspectivas para os milionários é muito melhor que as da parte inferior da pirâmide da riqueza (os que possuem menos de 10 mil dólares. Atualmente. as três pessoas mais ricas dos Estados Unidos – Bill Gates, Jeff Bezos e Warren Buffett – possuem mais riqueza que a metade inferior da população do mesmo país – cerca de 160 milhões de pessoas. E esse abismo tende a aumentar.
Com relação à renda, se excluímos a China, devemos dizer que a desigualdade global cresceu nos últimos 30 anos, não importa como a fórmula de medida. A “tromba de elefante” da desigualdade global elaborada por Branko Milanovic mostra que as 60 milhões de pessoas que constituem a parte superior do 1% mundial de perceptores de renda tiveram um aumento de 60% em sua participação nas riquezas desde 1988. Cerca de metade dessas pessoas são o 12% mais rico dos estadunidenses. O resto da parte superior desse 1% está constituída por entre 3 e6% de britânicos, japoneses, franceses e alemães, além do 1% superior de outros países, entre eles Rússia, Brasil e África do Sul. Essas pessoas formam a classe capitalista mundial – os proprietários e controladores do sistema capitalista, e estrategas responsáveis pelas políticas do imperialismo.
Porém, Milanovic também viu que quem também ganhou nos últimos 20 anos – embora bastante menos – é a “classe média global”. Essas pessoas não são capitalistas. Se trata principalmente de pessoas da Índia e da China, que antes eram camponeses ou trabalhadores de zonas periféricas, que emigraram para as grandes cidades a trabalhar nas fábricas da globalização: a renda real dessas pessoas pulou de uma base muito baixa, apesar das suas condições e direitos ainda precários. Finalmente, os grandes perdedores são os mais pobres, principalmente os agricultores da África, que não sentiram nenhum aumento de renda nos últimos 20 anos.
A evidência empírica apoia a visão de Marx de que, sob o capitalismo, a pobreza e a desigualdade de renda aumentam, e a distribuição da riqueza não melhora, tampouco na versão neoliberal ou em qualquer outro tipo. As pequenas melhoras nos níveis de pobreza se explicam principalmente pela economia da China, dirigida pelo Estado. As melhoras na qualidade e esperança média de vida provêm da aplicação da ciência e do conhecimento através do gasto público em educação, no tratamento de águas residuais, no acesso à água potável, prevenção e tratamento de doenças, criação de hospitais e do melhor acompanhamento de saúde às crianças. Estas são coisas que não vêm do capitalismo, e sim do bem comum.
Portanto, a previsão de Marx há 150 anos, de que o capitalismo nos levaria a uma maior concentração e centralização da riqueza, em particular, dos meios de produção e das finanças, continua sendo correta. Contrariando o otimismo e a apologia do capitalismo de economistas como Noah Smith, a pobreza continua sendo a norma para milhões de pessoas em todo o mundo, com poucos sinais de melhora, enquanto aumenta a desigualdade nas principais economias capitalistas.
* Michael Roberts é um famoso economista marxista britânico
Smith está disposto a refutar a “economia mista”, as ideias anti livre comércio que enfrentaram a economia dominante desde a Grande Recessão de 2008, as quais dizem justamente que o neoliberalismo e o livre mercado afetam negativamente o padrão de vida das pessoas. Em seu lugar, seria necessário una pequena dose de protecionismo comercial (segundo Dani Rodrik), intervenção estatal e regulação (James Kwak) para ajudar o capitalismo a funcionar melhor.
Smith defende outra coisa. Para ele, o neoliberalismo funciona melhor, e cita, pasmem, o fenômeno do crescimento da China como principal exemplo! Na China, “a mudança de uma economia dirigida e controlada rigidamente a uma que combina enfoques estatais e de mercado – e a liberalização do comércio – foi sem dúvida uma reforma neoliberal. Apesar de que as reformas de Deng Xiaoping se realizaram sem intervenção externa e aplicando o sentido comum, convidaram até mesmo o famoso economista neoliberal Milton Friedman como conselheiro”.
A continuação, ele inclui a Índia em seu argumento: “uma década depois de a China iniciar seu experimento, a Índia fez o mesmo. Em 1991, depois de uma forte recessão, o primeiro-ministro Narasimha Rao e o ministro da Fazenda Manmohan Singh desarmaram um burocrático sistema de concessão de licenças comerciais, tirando vários obstáculos do caminho dos investimentos estrangeiros, acabando com muitos monopólios autorizados pelo Estado, baixando as taxas, além de outras medidas neoliberais”.
Será possível? A economia da China mostrada como um exemplo de êxito neoliberal? Em várias notas, eu defendi que a China não é uma economia de livre mercado, e que, por mais diferentes que sejam os pontos de vista, não deveria sequer ser descrita como capitalista. É uma economia dirigida pelo Estado, o qual controla os investimentos e a produção estatal, sendo prioritário o crescimento e não os benefícios. Os dados do FMI sobre o tamanho dos investimento e da propriedade pública situam a China numa patamar diferente em comparação com qualquer outra economia no mundo.
Com respeito à Índia, o setor estatal também continua sendo forte nesse país, algo que molesta continuamente o Banco Mundial e os economistas neoliberais. As medidas políticas dos Anos 90 não servem de explicação para o crescimento econômico da Índia. Durante aquela década, o crescimento da produtividade em todas as principais economias emergentes foi real, mas depois voltou a cair durante a Grande Recessão de 2008. A globalização e o capital estrangeiro foram os impulsores desses episódios em todo o mundo.
De qualquer forma, se trata de uma meia verdade o argumento de que a política econômica da Índia é neoliberal. Pelo contrário. Em comparação, podemos citar a mudança brutal ao capitalismo neoliberal observada nos governos pós-soviéticos da Rússia e seus oligarcas, que foi um desastre total (Smith considera isso como um “sucesso misto”, seja lá o que for essa definição). O crescimento, o padrão de vida e a esperança de vida dos russos despencou. Aliás, a conclusão que podemos deduzir não é que foram as reformas neoliberais as impulsoras do relativo êxito econômico da China e da Índia nos últimos 30 anos, e sim sua resistência a tais políticas.
O outro argumento principal defendido por Smith sobre o êxito do capitalismo é a suposta diminuição da pobreza no mundo desde que Marx escreveu El Capital, há 150 anos. “Toda a evidência anterior sugere que a população que vive em condições de pobreza extrema diminuiu consideravelmente nos últimos 200 anos em todo o mundo. A população que vive em nível de pobreza extrema passou de 80% em 1820 a 10% segundo as estimativas mais recente”.
Marx foi o primeiro em observar o tremendo impulso à produção que o modelo capitalista supunha, em comparação com os anteriores. Porém, os primeiros anos do capitalismo escondem outra cara: a pauperização da classe trabalhadora. E essa é uma realidade muito diferente da proposta por Smith.
Em 2013, o Banco Mundial publicou um informe segundo o qual havia 1,2 bilhão de pessoas que viviam com menos de 1,25 dólar por dia – um terço deles eram crianças. Diante disso, o Banco Mundial elevou sua linha oficial de pobreza a 1,90 por dias.
Como observa o antropólogo suazi Jason Hickel, o parâmetro de 1,90 dólar por dia ainda é ridiculamente baixo. Um parâmetro mínimo seria $ 5 por dia, que é o que o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos calcula como o mínimo necessário para comprar alimentos suficientes. E isso sem tomar em conta outros requisitos para a sobrevivência, como refúgio e roupa. Hickel mostra que na Índia, as crianças que vivem com 1,90 dólar por dia ainda têm 60% de possibilidades de estarem desnutridas. Em Níger, os infantes que vivem com essa mesma cifra têm uma taxa de mortalidade três vezes superior a la media mundial.
Num artículo de 2006, Peter Edward, da Universidade de Newcastle, utiliza um “nível mínimo de pobreza ética” que calcula que, com o fim garantir uma esperança de vida humana de pouco mais de 70 anos, as pessoas necessitam mais ou menos 2,7 a 3,9 vezes o que estabelece o atual padrão de pobreza estabelecido. No passado, esse valor seria algo como 5 dólares por dia. Com os novos cálculos do Banco Mundial, fica ao redor de 7,40 dólares por dia. Se é assim, cerca de 4,2 bilhões de pessoas vivem abaixo do nível da pobreza atualmente – 1 bilhão a mais que há 35 anos.
Alguns argumentam que a razão por haver mais gente em níveis de pobreza se deve ao crescimento populacional. A população mundial se incrementou nos últimos 25 anos. É necessário observar a proporção da população mundial pobre e, considerando o padrão de 1,90 dólar por dia, a proporção que vive abaixo desse parâmetro, que se reduziu de 35% a 11% entre 1990 e 2013. Portanto, nessa perspectiva, Smith afinal estaria certo, embora isso seja falso, para usar uma palavra suave.
O número absoluto de pessoas em nível de pobreza, inclusive no padrão ridiculamente baixo de $ 1,25 dólar por dia, também aumento, embora a população dos últimos 25 anos não tenha crescido tanto. E ainda assim, todo esse otimismo técnico se baseia realmente na espetacular melhora da renda media na China – e, em menor medida, na Índia.
Smith diz que “a redução da pobreza no mundo é substancial inclusive se não tomamos em conta a redução da pobreza na China. Em 1981, quase um tercio (29%) da população mundial não chinesa vivia na pobreza extrema. Em 2013, essa porcentagem caiu para 12%”.
Entretanto, o acadêmico Peter Edward mostrou que havia 1,1 bilhão de pessoas recebendo menos de 1 dólar por dia em 1993, e essa cifra caiu para 1 bilhão em 2001, uma redução de 85 milhões. A redução na China durante esse período foi de 108 milhões (quando ainda não havia mudanças na Índia). Portanto, toda a redução nas cifras de pobreza foi por causa da China. Se se excluímos a China, a pobreza total se manteve sem variações na maioria das regiões, e inclusive se incrementou significativamente na África subsahariana. Segundo o Banco Mundial, em 2010, uma pessoa pobre de um país subdesenvolvido vivia em média com 78 centavos de dólar por dia, enquanto essa cifra em 1981 era 74 centavos, um aumento irrelevante.
Logo, a melhora real observada se deve basicamente em função do acontecido na Índia e na China. Na Índia, a renda média dos pobres se elevou a 96 centavos de dólar em 2010, em comparação com os 84 centavos de 1981. Na China, os pobres passaram a ter 95 centavos de dólar em média em 2010, enquanto em 1981 essa cifra era de 67 centavos.
Por outra parte, os níveis de pobreza não devem ser confundidos com os da desigualdade da renda ou os da riqueza. As provas do aumento da desigualdade da riqueza a nível mundial son inegáveis. O último informe anual do banco Credit Suisse sobre a riqueza per capita mundial mostrou que 1% dos titulares da riqueza per capita em todo o mundo possuem mais de 50% de toda a riqueza existente no mundo – há 10 anos eles possuíam 45%. Na verdade, a maioria das pessoas nas principais economias capitalistas avançadas estão entre esses 10% possuidores de riqueza, devido a que, pasmem, um bilhão de pessoas carece de qualquer tipo de riqueza!
O Credit Suisse aponta um crescimento da riqueza global de 6,4% no último ano – o maior incremento desde 2012 – graças ao aumento dos números dos mercados e do preço dos imóveis. Porém, o crescimento mais fraco se viu na África, a região mais pobre do planeta, onde a riqueza dos lares aumentou somente um 0,9%. Tendo em conta as mudanças na sociedade, a riqueza por adulto caiu em 1,9% na África. O crescimento mais intenso foi na América do Norte, onde aumentou em 8,8% por adulto.
Segundo as tendências atuais, a desigualdade continuará aumentando. As perspectivas para os milionários é muito melhor que as da parte inferior da pirâmide da riqueza (os que possuem menos de 10 mil dólares. Atualmente. as três pessoas mais ricas dos Estados Unidos – Bill Gates, Jeff Bezos e Warren Buffett – possuem mais riqueza que a metade inferior da população do mesmo país – cerca de 160 milhões de pessoas. E esse abismo tende a aumentar.
Com relação à renda, se excluímos a China, devemos dizer que a desigualdade global cresceu nos últimos 30 anos, não importa como a fórmula de medida. A “tromba de elefante” da desigualdade global elaborada por Branko Milanovic mostra que as 60 milhões de pessoas que constituem a parte superior do 1% mundial de perceptores de renda tiveram um aumento de 60% em sua participação nas riquezas desde 1988. Cerca de metade dessas pessoas são o 12% mais rico dos estadunidenses. O resto da parte superior desse 1% está constituída por entre 3 e6% de britânicos, japoneses, franceses e alemães, além do 1% superior de outros países, entre eles Rússia, Brasil e África do Sul. Essas pessoas formam a classe capitalista mundial – os proprietários e controladores do sistema capitalista, e estrategas responsáveis pelas políticas do imperialismo.
Porém, Milanovic também viu que quem também ganhou nos últimos 20 anos – embora bastante menos – é a “classe média global”. Essas pessoas não são capitalistas. Se trata principalmente de pessoas da Índia e da China, que antes eram camponeses ou trabalhadores de zonas periféricas, que emigraram para as grandes cidades a trabalhar nas fábricas da globalização: a renda real dessas pessoas pulou de uma base muito baixa, apesar das suas condições e direitos ainda precários. Finalmente, os grandes perdedores são os mais pobres, principalmente os agricultores da África, que não sentiram nenhum aumento de renda nos últimos 20 anos.
A evidência empírica apoia a visão de Marx de que, sob o capitalismo, a pobreza e a desigualdade de renda aumentam, e a distribuição da riqueza não melhora, tampouco na versão neoliberal ou em qualquer outro tipo. As pequenas melhoras nos níveis de pobreza se explicam principalmente pela economia da China, dirigida pelo Estado. As melhoras na qualidade e esperança média de vida provêm da aplicação da ciência e do conhecimento através do gasto público em educação, no tratamento de águas residuais, no acesso à água potável, prevenção e tratamento de doenças, criação de hospitais e do melhor acompanhamento de saúde às crianças. Estas são coisas que não vêm do capitalismo, e sim do bem comum.
Portanto, a previsão de Marx há 150 anos, de que o capitalismo nos levaria a uma maior concentração e centralização da riqueza, em particular, dos meios de produção e das finanças, continua sendo correta. Contrariando o otimismo e a apologia do capitalismo de economistas como Noah Smith, a pobreza continua sendo a norma para milhões de pessoas em todo o mundo, com poucos sinais de melhora, enquanto aumenta a desigualdade nas principais economias capitalistas.
* Michael Roberts é um famoso economista marxista britânico
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