Numa publicação na rede social facebook, a filha mais velha de Amílcar Cabral mostra a sua indignação em como está a ser tratada a estátua em memória do pai que fica situada na Várzea. No post, a Reitora da Universidade Lusófona de Cabo Verde pede mesmo que esta seja retirada.
Depois de ter ouvido o Ministro da Cultura, Mário Lúcio Sousa, dizer que o mercado do Platô será transferido, provisoriamente, para o local em frente da estátua, Iva Cabral, historiadora e investigadora, diz que o Memorial “Amílcar Cabral”, para ser património nacional tem que ser um lugar de memória e um símbolo que representa um momento crucial na história do país.
Declaração de Iva Cabral no Facebook:
“Ontem à noite estive a escutar, distraída, uma entrevista do nosso Ministro da Cultura, Dr. Mário Lúcio sobre a organização dos festejos dos 40 anos da nossa Independência. A certo momento, a jornalista fez-lhe uma pergunta sobre a convivência, no mesmo espaço, do Memorial “Amílcar Cabral” com um Mercado de frutas, legumes e peixe. Eu já tinha ouvido falar sobre a eventualidade desse “arranjo” urbanístico, mas tinha decidido não entrar de novo na luta pela dignificação da estátua do meu pai, achando que já o tinha feito várias vezes e tinha a esperança que vozes se levantassem para demonstrar o absurdo dessa combinação.
Mas, a resposta que ouvi fez-me mudar de ideia, tinha de intervir não só como filha mas, sobretudo, como historiadora e cidadã deste país. Quando um político e homem de cultura diz que o problema da coabitação de um “Memorial” com um Mercado (quero deixar claro que estou completamente de acordo que um mercado “pode ser belo” e que não quero prejudicar a actividade económica de ninguém) é estritamente técnico, já que o dever do Instituto do Património Cultural é apenas preservar o monumento/património nacional, eu não posso concordar, não posso ficar calada!
Uma estátua esculpida por volta de 2000, não é património nacional, é pedra (ou bronze) trabalhada! Ela torna-se património nacional se representa um espaço de memória. Segundo o historiador francês, Pierre Nora, os espaços de memória, são fundamentais a qualquer sociedade porque não existe memória espontânea. Mas, um espaço “só é lugar de memória se a imaginação o investe de uma aura simbólica […] só entra na categoria se for objecto de um ritual”.
Por isso, o Memorial “Amílcar Cabral” para ser património nacional tem de ser um lugar de memória, no qual a estátua é muito mais que uma escultura, já que é transformada por rituais num símbolo que nos relembra um momento da nossa História Colectiva, é um espaço que nos faz rememorar os ideais, as renúncias, as lutas de homens e mulheres que aceitaram sacrifícios para verem a bandeira da independência nacional subir a 5 de Julho de 1975, na Várzea.
Sem esse simbolismo, sem essa “utilidade”, a estátua de Cabral não é nada, é bronze! Não tem valor nem para o património nacional, nem para a preservação da memória. Cabral não precisa de estátua, ele está morto, foi assassinado, será recordado pelo que fez, pelo que escreveu, pelo que lutou, pelo exemplo. Quem precisa de lugares de memória é a Nação, é a juventude, é o futuro.
Por isso, acho que seria mais digno, mais corajoso, que os decisores tivessem a coragem de retirar essa estátua que nada representa e só traz transtornos e embaraços a quem deveria ter o dever de defender a memória histórica deste povo. Seria mais digno para a figura de Cabral! A existência de um Memorial é uma escolha política! Se os políticos cabo-verdianos não acham útil a existência de um lugar de memória, não defendem a sua dignificação, acham normal a coexistência no mesmo espaço de um Memorial (memória) e de um Mercado (comércio) deveriam tomar a única decisão que, a meu ver, é coerente: libertar a estátua, transformá-la de novo em nada, derreter o bronze!
Eu, apesar de ser a filha mais velha de Cabral não tenho esse poder, mas tenho o direito à indignação!” Fonte: NN