Um grupo de investigadores extraiu ADN de um crânio com 4500 anos que foi descoberto nas terras altas da Etiópia. Uma comparação com o material genético dos africanos de hoje revela como os nossos antepassados se misturaram e se moveram nos vários continentes, explica a BBC.
Os resultados, publicados na revista Science, sugerem que há cerca de 3000 anos houve uma enorme onda de migração da Eurásia para a África. Isto deixou um legado genético, e os cientistas acreditam que cerca de 25% do ADN dos africanos modernos pode ser seguido até essa época.
«Cada população para a qual temos dados em África tem uma componente considerável de ascendência eurasiática», disse à BBC Andrea Manica, da Universidade de Cambridge, que realizou a investigação.
O osso pétreo
Genomas antigos já foram sequenciados um pouco por todo o mundo, mas em África tem sido difícil, porque as condições quentes e húmidas podem destruir ADN frágil. No entanto, os restos deste caçador-recolector, de 4500 anos, conhecido como Homem Mota, foram encontrados numa caverna e estavam bem preservados. E, importante, um osso que fica situado por baixo da orelha, o pétreo, estava intacto.
Manica explica que «o osso pétreo é mesmo muito duro, e faz um bom trabalho de prevenção quanto á entrada de bactérias que degradem o ADN. O que fomos capazes de obter foi uma grande quantidade de ADN sem quaisquer danos, a partir do qual pudemos reconstruir todo o genoma do indivíduo. Temos o “modelo completo”, com cada gene único, com cada pedaço de informação que fez esta pessoa, que viveu na Etiópia há 4500 anos».
Movimentações em massa
O genoma revelou que o Homem Mota tinha um ADN puramente africano, e que, assim, os seus antepassados nunca tinham saído de África. Mas a comparação deste com genomas africanos modernos mostra que cerca de 1500 anos depois da sua morte a genética do continente tinha mudado.
Estudos genéticos mostraram que após a grande migração para fora de África, que aconteceu há cerca de 60 mil anos, algumas pessoas voltaram para o continente. Mas este estudo mostra que, há cerca de 3 mil anos, houve uma migração muito maior do que aquilo que se pensava. Os agricultores neolíticos de Eurásia ocidental, que, há cerca de 8 mil anos, levaram a agricultura para a Europa, começaram em seguida a regressar a África, explica a BBC. «Agora sabemos que provavelmente correspondiam a um quarto das pessoas que já viviam na África Oriental (à época). Foi um grande refluxo, um movimento muito considerável de pessoas», refere Manica.
Não é claro, ainda assim, o que terá causado este movimento – possivelmente, as mudanças que aconteciam no império egípcio –, mas o certo é que deixou um legado genético. «É notável. Vemos que na Etiópia cerca de 20% – ou seja, um quinto – do genoma das pessoas que vivem lá agora é realmente de origem euroasiática. Vem de facto desses agricultores», explicou Manica. «Mas é mais do que isso, porque, se se for de um lado ao outro de África, para a Ocidental ou para a África do Sul, até mesmo populações que achávamos até aqui que eram puramente africanas tem 5 a 6% deste genoma que remonta aos agricultores da Eurásia ocidental».
Genes de Neandertal
O retorno dos eurasianos também introduziu algum material genético extra em África. Os genes que os seus antepassados tinham absorvido através do cruzamento com o Homem de Neandertal foram assim passados para os africanos, e ainda podem ser encontrados hoje.
Reagindo a esta investigação, Carles Lalueza-Fox, do Instituto de Biologia Evolutiva de Barcelona, Espanha, disse à BBC: «O que é bom é que ele “arruma” no tempo a origem do refluxo eurasiano em África, já detetado há alguns anos a partir de dados do genoma moderno, e que acaba por se saber que vem da agricultura. Mais uma vez, como no caso da Europa, onde verificamos revoluções enormes nos genomas, percebe-se que a expansão da agricultura teve um enorme impacto, mesmo num continente onde grandes grupos continuaram a ser de caçadores. E também é interessante descobrir agora que mesmo os africanos subsaarianos ainda têm um pouco (0,3 a 0,7%) de ascendência Neandertal».
David Reich, professor na Harvard Medical School, nos EUA, acrescenta: «A alegação de que todos os africanos subsaarianos têm hoje uma quantidade substancial de ascendência devido às migrações de regresso a África é bastante interessante (…). Embora estudos anteriores já tivessem documentado uma substancial ascendência eurasiana ocidental em algumas populações da África subsaariana, incluindo nos nigerianos e nos KhoeSan, da África do Sul, se os resultados deste estudo estiverem certos serão importantes, porque estendem essas noções às populações que previamente se pensava que teriam pouca ou nenhuma ascendência oeste-eurasiana, como por exemplo os caçadores-coletores Mbuti, do centro-leste de África». Fonte: Aqui
Leia também: Homo naledi trepava, caminhava e usava ferramentas
Leia também: Homo naledi trepava, caminhava e usava ferramentas