sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

DE CATARINA II A VLADIMIR PUTIN

Desde o início da guerra contra a Síria, em 2011, a Rússia apoia este país face aquilo que ela considera ser uma agressão externa. Enquanto que a imprensa ocidental explica este comportamento por uma solidariedade entre ditaduras, Thierry Meyssan expõe aqui as verdadeiras motivações históricas. Ele observa que a vitória, que também é a de Moscovo, abre um novo período para a cultura ortodoxa na Europa.
 
Para construir a Rússia moderna, a Czarina Catarina II decidiu fazer da sua capital, São Petersburgo, o primeiro centro cultural do mundo. Ela enraíza o seu país no seu fundo cultural cristão-ortodoxo, desenvolve o uso da língua francesa e convida os maiores intelectuais e artistas europeus para a sua corte, sejam eles católicos, protestantes ou ortodoxos, ou até mesmo muçulmanos.
 
Consciente da perda cultural que representava para a ortodoxia, portanto para a Rússia, o recuo do cristianismo no Médio-Oriente face à intolerância do Império otomano, entrou em guerra contra o Sultão. Ela anexou a Crimeia, transformou o mar Negro num mar ortodoxo e começou a formar a Grande Síria, tomando para isso Beirute [1]. Ela declarou, então, que «A Grande Síria é a chave da Casa da Rússia».
 
Este sonho foi afastado pelos Franceses e pelos Britânicos aquando da guerra da Crimeia (1853), e mais ainda pelos Bolcheviques, que rejeitavam a vigência da ortodoxia na Rússia. Em 1918, eles fizeram o jogo de Mustafa Kemal Atatürk por conta do traficante de armas Alexandre Parvus, patrocinador de Lenine.
 
O sonho da Grande Catarina teve de esperar por 2017 para ter um princípio de concretização. O Presidente Putin, por sua vez, também anexou a Crimeia e livrou a Síria, não do Império otomano, mas, sim dos jiadistas enquadrados pelos Franceses, Britânicos e Norte-Americanos. A Rússia tornou-se a potência protectora de todas as populações, qualquer que seja a sua religião, das margens do Nilo até aos montes Elburz.
 
A Cimeira de Sochi marca o novo papel da Rússia no Médio-Oriente Alargado. Ela é agora a potência protectora do Irão, da Síria e da Turquia; estes dois últimos estados tendo basculado do campo de Washington em 1991 para o de Moscovo em 2017.
 
O renascimento da cultura ortodoxa terá importantes consequências na Europa. O continente está historicamente dividido entre uma zona católica e protestante, a Ocidente, e ortodoxa a Leste. Discute-se e negoceia-se com Deus a Ocidente, e submetem-se à sua Grandeza e Adoram-no a Oriente. As estruturas familiares são mais desiguais a Ocidente e mais igualitárias a Oriente. Desde o XIº século esta diferença cultural fractura a Europa. Durante a Guerra Fria, a «cortina de ferro» não respeitava esta divisão, a Grécia ortodoxa estava ligada à OTAN e a Polónia católica incorporada no Pacto de Varsóvia. Hoje em dia, o alargamento da União Europeia visa prioritariamente impor o modelo Ocidental-Europeu aos países de cultura ortodoxa. Pode-se desde já prever a dissolução da União Europeia e o triunfo do modelo cultural aberto de São Petersburgo.
 
Os cristãos do Oriente jamais se sentiram envolvidos pelas diferenças culturais intra-europeias, mas os Europeus sempre os tomaram seja por católicos, seja por ortodoxos. Assim, desde 1848, a França havia imaginado deslocar os católicos e maronitas da Síria para a Argélia e exterminar os ortodoxos. Paris pensava utilizar estes árabes cristãos, fieis a Roma, para vigiar os muçulmanos argelinos. Na ausência deles, ela acabou por se apoiar nos judeus locais e lhes confiar esta missão (1870). Mais recentemente, durante as guerras do Iraque e da Síria, os Europeus Ocidentais acolheram inúmeros cristãos do Oriente, na realidade exclusivamente católicos, mas jamais ortodoxos.
 
Para a Síria, a obra do Presidente Putin é a ocasião de regressar aos seus próprios fundamentos, após a experiência dos jiadistas que desejavam impor a todos o seu modelo cultural único: a Síria só é grande quando ela toma a cargo todas as suas populações, sem excepção. À partida, Vladimir Putin pensava organizar um «Congresso dos Povos da Síria» em Sochi. Por fim, ele reconheceu que na Síria, ao contrário da Rússia, nenhuma comunidade tem território próprio, todos vivem misturados numa única pátria. Será, pois, um «Congresso do Diálogo Sírio».
 
Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila Editores, 2008).
Tradução Alva