segunda-feira, 19 de março de 2018

Bairro de Antula N’dame: CÂMARA MUNICIPAL AFIRMA QUE CATORZE CASAS DEMOLIDAS FORAM CONSTRUÍDAS CLANDESTINAMENTE

[REPORTAGEM] A Câmara Municipal de Bissau (CMB) garante que não permitirá construções clandestinas na localidade de Antula N’dame, tendo acrescentado que todas as pessoas cujas casas foram demolidas estavam a construir as suas habitações de forma ilegal. A posição da CMB foi tornada pública pelo seu Secretário-Geral, João Adriano dos Santos, que garantiu ao jornal O Democrata que apenas foram demolidas 14 casas, contrariando as informações das vítimas que apontavam para 23.
João Adriano dos Santos avançou ainda que a CMB notificou devidamente todos os supostos detentores de terrenos em Antula N’dame, mas, que, segundo disse, nenhum desses possui documentos autorizando construção nem atestando a posse do espaço.
Dos Santos revelou ainda que iniciou os contatos com os habitantes de Antula N’dame desde Outubro de 2017 para alertá-los em como não deveriam ocupar os espaços. No entender da CMB, os terrenos já tinham dono, neste caso o cidadão luso Francisco Fernandes. Acusou os antulandamenses de quererem apoderar-se do terreno indevidamente, aproveitando o regresso de Fernandes a Portugal.

Francisco Fernandes ocupara o espaço desde 1940. Na altura a estrutura das obras públicas era a responsável pela área de Antula N’dame. Fernandes ocupara o espaço para fins agrícolas. Aí plantava cana-de-açúcar e um pomar de cajueiros. Tinha dois funcionários de confiança, um da etnia pepel e outro balanta.
No conflito político-militar de 7 de Junho de 1998, Fernandes já com idade avançada, terá regressado a Portugal. Porém, deixou um procurador que responde por todos os seus bens no país, o cidadão guineense Alberto Batista Lopes (vulgo Dixon) que neste momento está ausente do país, mas que já manteve uma conversa com a Câmara Municipal de Bissau. Foi informado das pretensões da CMB e demonstrou-se disponível para colaborar.
ANTULA N’DAME, FUTURA CIDADE UNIVERSITÁRIA
A Câmara Municipal de Bissau batizou aquele espaço com o nome de Cidade Universitária. Perspectiva-se igualmente a construção de habitações sociais por parte de empresário guineense Vicente Blute. Pela mesma zona passarão igualmente os cabos elétricos do projeto da rede elétrica da Organização para Aproveitamento do Rio Gâmbia (OMVG). Por fim, uma multinacional espanhola pretende construir 851 casas sociais no mesmo local. Portanto, é uma zona cobiçada onde a CMB diz não deixa que seja transformada numa área de construções clandestinas ou de pedreiras.
A CMB acredita que algumas pessoas que alegam ter direitos a espaços no local tenham acelerado as suas obras depois dos últimos avisos da CMB, ou seja, nas últimas duas semanas que precederam a demolição. Segundo a CMB, algumas pessoas trabalhavam até à noite, tudo para ter pretexto.
Dos Santos nega que em nenhum momento a CMB autorizou construções no espaço em causa, acrescentando que as pessoas pagaram multas por terem violado o Artigo 19.º do Código de Postura da Câmara Municipal de Bissau.
O Artigo 19.° consultado pela redação do jornal O Democrata diz que: ‘Além da multa estabelecida no artigo anterior, fica também o respetivo proprietário ou diretor da obra obrigado a desfazê-la e a restituir o terreno ou prédio ao primitivo estado, a fim de ser executado o projeto aprovado, dentro do prazo designado pela Câmara Municipal, sob pena de, quando assim não proceda, se elevar a referida multa até 1500$00, e a Câmara Municipal mandar demolir a obra por operários seus, mas da conta do proprietário’.
Vicente Blute convenceu a Câmara Municipal de Bissau com o seu projeto imobiliário para Antula N’dame, assim como o procurador de Francisco Fernandes demonstrou-se aberto em colaborar com a CMB na prestação de serviço público.
VÍTIMAS APONTAM PARA 23 CASAS DEMOLIDAS
De acordo com os relatos das vítimas, a CMB demoliu no passado dia 28 de fevereiro 23 casas na localidade de Antula N’dame, uma aldeia próxima da capital Bissau. O Democrata soube que nenhuma das casas demolidas estava habitada, embora a edificação de algumas delas estivesse muito avançada. Em alguns casos apenas os muros de vedação é que estavam erguidos, com o óbvio propósito de delimitar os terrenos. A comissão formada pelas vítimas tinha registado 70 cidadãos que corriam o risco de perder todo o capital investido para adquirir os espaços.
A comissão afirmou à reportagem de O Democrata que, de acordo com os contatos, a maioria das vítimas respeitou os parâmetros normais para casos similares, desde o processo de concessão, o pedido de legalização do espaço e a autorização de construção, neste caso, para os supostos proprietários que já tinham iniciado a construção das suas casas e de muros de vedação. Como são muitos os alegados proprietários de terrenos, foi impossível analisar os documentos caso a caso e pessoa a pessoa. Mas a equipa de reportagem teve a oportunidade de consultar o dossiê de proprietário de um dos terrenos, que incluía a declaração de compra e venda, de testemunhas e do recibo da multa da CMB pela violação do Artigo 19.º de Código de Postura.
Ambos os documentos, segundo a CMB, em nenhum momento autorizam a construção nem dão direito a posse de terreno a ninguém. O dossiê consultado referia-se ao fabrico ilegal de blocos por um dos supostos proprietários de terreno.
Apesar dos argumentos avançadas pela edilidade camarária de Bissau, a comissão dos supostos compradores insistiu que foram demolidas 23 casas pela CMB na localidade de Antula N’dame. A demolição aconteceu na manhã de 28 de fevereiro, pelas 11:00 horas.
A equipa de reportagem de O Democrata confirma que as casas demolidas não estavam habitadas, mas algumas já estavam quase prontas.
De acordo com uma das vítimas, a CMB ameaçou desalojar as famílias que já habitaram as suas casas. Essas famílias são aquelas cujas obras de construção já haviam terminado fazia muito tempo. Porém, são poucas as casas habitadas no local, que é essencialmente um pomar de cajueiros, mas também existem lá alguns mangueiros.
Saliente-se que há muitas pessoas que compraram terrenos em Antula N’dame aos supostos ocupantes tradicionais, mas que ainda não construíram as suas casas. Todos correm o risco de perder os investimentos, porque a CMB garantiu que nenhum deles dispõe de um documento que lhe confere a posse legal dos espaços.
MORADORES AFIRMAM QUE CIDADÃO PORTUGUÊS NÃO COMPROU O ESPAÇO  
Os supostos proprietários dos espaços em causa informaram ao jornal O Democrata de que a CMB pretende vender o terreno em Antula N’dame a um empresário nacional, neste caso Vicente Blute. A nossa fonte avançou que Blute pretende adquirir o referido espaço para de seguida reembolsar o valor ao proprietário de nacionalidade portuguesa, Francisco Fernandes.
Francisco Fernandes, o cidadão luso que ocupara o espaço na era colonial, cultivava a cana-de-açúcar numa parte do terreno. Segundo alguns dos chefes tradicionais da comunidade de N’dame Teté que cobre Antula N’dame, Belmiro Tchifley N’dafá e Pansau N’dami, em nenhum momento Fernandes pagou pelo espaço. Ocupou-o, acrescentaram. Francisco Fernandes dava emprego aos nativos da localidade e o seu bom comportamento motivou um bom acolhimento e simpatia da parte dos habitantes.
Depois da independência nacional, a 24 de setembro de 1973, Francisco Fernandes abandonou o local e regressou a Portugal. O regresso de Fernandes ao solo luso fez com que outro cidadão que responde por Lobo de Pina ocupasse o mesmo espaço, mas a relação de Lobo de Pina com os populares de Antula N’dame não era boa, porque de Pina matava o seu gado. Esse fato fez com que encetassem contatos para o regresso a Guiné-Bissau do Francisco Fernandes.
O senhor Paulo Barros, que segundo os anciões era familiar de Francisco Fernandes. Conseguiu enviar-lhe uma mensagem com intuito de vê-lo de novo a reocupar o seu espaço de cultivo e a empregar os jovens. Os chefes da tabanca afirmaram que muitos conseguiram pagar os estudos dos filhos, graças ao salário que recebiam do Francisco Fernandes.
MUITAS HISTÓRIAS A VOLTA DE UM ESPAÇO EM DISPUTA
Curioso é que a situação do terreno de Antula N’dame tem múltiplas versões. Uma delas é a suposta construção de 851 (oitocentas, cinquenta e uma) casas sociais por uma empresa multinacional espanhola; outra versão é a de que o terreno pertence, de fato, ao Francisco Fernandes desde 1940 e que este terá decidido atribuir os seus direitos na Guiné-Bissau ao guineense Dixon.
Voltando ao histórico do terreno, a tentativa da população local em fazer regressar o Francisco Fernandes, tendo como interlocutor o senhor Paulo Barros, surtiu efeito e Fernandes voltou a Guiné-Bissau e reocupou o espaço, mas a guerra civil de 7 de junho de 1998 fez com que abandonasse novamente o solo guineense.
Há ainda outra versão que sustenta que um cidadão nacional já falecido, que trabalhava com Francisco Fernandes, intentou uma ação judicial contra o cidadão luso e ganhou o processo e que agora deveria ser indemnizado. Por isso a CMB decidiu vender o espaço ao empresário Vicente Blute para poder pagar o valor da indemnização (neste caso seu familiar), assim como às demais pessoas que trabalharam com o português.
Fala-se também de uma manobra da CMB de querer apoderar-se do espaço sem considerar a indemnização aos cidadãos nacionais que trabalharam com Francisco Fernandes. De acordo com essas informações, a edilidade justifica que o português diz que se abdicou do terreno em causa.
As nossas fontes afirmam ainda que há outro cidadão que quer apropriar-se do espaço, reivindicando ser o mandatário do português Francisco Fernandes que tinha plantações de cana-de-açúcar naquela localidade. Mas a curiosidade é que outras informações apontam que o suposto mandatário não foi capaz de apresentar a certidão de vida do proprietário luso.
Ainda os antulandamenses assinalaram que o cidadão alega que já indemnizou o Francisco Fernandes, numa soma estimada em 150.000.000 (cento e cinquenta milhões) de francos CFA, por isso, a CMB decidiu passar o espaço a esse cidadão.
Até a data da realização desta reportagem, a comissão dos supostos proprietários dos espaços em disputa registaram 70 (Setenta) vítimas, entre os que já construíram e aquelas que apenas têm a posse do terreno para posteriormente construir suas habitações.
De acordo com os dois chefes tradicionais, o cidadão luso Francisco Fernandes está vivo, pelo menos segundo informações mais recentes.
Num edital com a data de 16 de fevereiro, a CMB considera que os supostos possuidores de espaço naquela localidade violaram o Artigo 19.º de Código de Posturas Câmara Municipal de Bissau. Isso obriga-os a demolir as casas num prazo de 48 horas, ou seja, até a 18 de fevereiro, sob pena de a CMB fazê-la mas com os custos a serem suportados pelos alegados proprietários. Mas a câmara atuou dez dias depois, a 28 de fevereiro.
Alguns supostos donos de terrenos alegaram que não tiveram acesso ao aviso da CMB. Também os chefes tradicionais lamentaram a forma como a Câmara não lhes contatou antes de proceder à demolição das casas e muros das pessoas. Acusaram, no entanto, o demitido ministro da administração territorial, Sola N’quilim Na Bitchita, de ser o responsável número um de tudo que aconteceu e está acontecer na tabanca de Antula N’dame.
O Democrata soube que num passado mais recente, algumas pessoas pertencentes à comunidade de Antula intentaram uma queixa com o propósito de reclamar o direito a posse do terreno, porque trabalharam com o Francisco Fernandes. Acabaram por perder na justiça. O tribunal confirmou que o espaço apenas pertence ao cidadão luso, Francisco Fernandes, que agora confere todos os seus direitos na Guiné-Bissau ao jurista guineense Alberto Batista Lopes (Dixon).
Também a Câmara Municipal de Bissau desafiou qualquer um que tem certeza de que tem os documentos da CMB que lhe conferem a legitimidade de terreno em Antula N’dame, para exibi-los.
A comissão de supostos detentores de espaços em Antula N’dame já constituiu uma equipa de advogados, encabeçada pelo jurista Carlitos Djedjo que defenderá o grupo de pessoas que entenderem que foram vítimas da Câmara Municipal de Bissau.
Entretanto, O Democrata apurou que empresário Vicente Blute é um dos interessados do referido espaço e que está em melhor posição para adquirir uma parcela de terreno por parte da Câmara Municipal de Bissau em colaboração com o procurador do senhor Francisco Manuel Fernandes, o dono legítimo do espaço em disputa entre a CMB, moradores e os supostos compradores, cujas casas foram demolidas.
Ainda de acordo com as informações, empresário tem na sua posse todos os documentos necessários, desde o documento da solicitação do espaço para um investimento no setor de imobiliário. Uma iniciativa aplaudida pela Câmara Municipal de Bissau, num processo iniciado desde a era do Adriano Gomes Ferreira (Atchutchi) na liderança da CMB.
O nosso jornal soube que o mandatário de Fernandes disponibilizou-se em colaborar com a Câmara, no sentido de conceder (vender) aquela parcela ao empresário nacional.
Saliente-se que tanto os moradores de Antula N’dame, os chefes tradicionais, a Câmara Municipal de Bissau e o empresário interessado no terreno para fins imobiliários confirmaram que o espaço pertence ao cidadão luso, Francisco Manuel Fernandes, onde consta de um documento consultado pela equipa de repórteres do “olhar público guineense” que o terreno fora oficializado em nome de Fernandes no ano de 1970.
A Câmara Municipal de Bissau lamenta a forma ilegal como os alegados compradores ocuparam um espaço que não lhes pertence e nem aos supostos ocupantes tradicionais, que tomaram a iniciativa de vender os referidos terrenos aos cidadãos que hoje estão de costas voltadas com a CMB.

Por: Sene Camará/Epifânia Mendonça