A fusão dos dissidentes do PRS e do PRID que levou à formação de boa parte da vanguarda do partido de Nuno Gomes Nabiam é uma das explicações plausíveis para o rápido crescimento desse partido que, ao meu ver, chega forte nas próximas disputas parlamentares. Outra explicação para a acelerada progressão da Assembleia de Povo Unido está inequivocamente relacionada com o patrocínio político e simbólico que o seu líder fundador se beneficiou do saudoso e incontornável político Koumba Yalá, visto que parte considerável dos sectários, e não só, do defunto presidente enxergam em Nabiam a continuidade dos ideais políticos do populista e carismático Yalá.
A terceira explicação, a mais recente e viva, se dá a partir de dois elementos integrados. O primeiro elemento diz respeito ao crescente descontentamento com as duas forças partidárias tradicionais, a partir das quais se organiza o bipolarizado sistema partidário guineense. O segundo aspecto, o qual apresenta-se como algo novo representado pelo APU-PDGB, é a formação de sua elite dirigente por figuras públicas não muito frequentes nos bastidores políticos e partidários e, com isso, emite-se consequentemente a mensagem de que a mudança se dará a partir de gente “nova, limpa e de ideia renovadora”. A composição da oligarquia política apuana por figuras como Armando Mango, Juliano Fernandes, Fatumata Djau Baldé, Mamadú Saliu Lamba e Joana Cobdé Nhanca corrobora essa observação.
Todo esse potencial do partido é reforçado pelo sintomático e flagrante desgaste que o PRS e o PAIGC, sobretudo este último, sofreram nos últimos três anos, em função da profunda paralisia institucional e governativa a que foi submetida a Guiné-Bissau. Este elemento, associado aos demais já referenciados, explica também a presença de grande moldura humana vista durante o primeiro congresso de APU-PDGB, realizado recentemente nos arredores da capital Bissau.
Dito isso, estaria dizendo eu que o PAIGC e o PRS chegam mal na disputa e que o APU-PDGB vencerá consequentemente as próximas eleições legislativas? Não. Não obstante os correntes ônus políticos aos libertadores e renovadores associados, estes contam com bases e estruturas políticas de largos anos e militâncias políticas razoavelmente sólidas. Paradoxalmente, a emergência e o crescimento de APU-PDGB se dão concomitantemente em um período de uma relativa “reinvenção e expansão” do partido de milho e arroz. Penso que as últimas empresas políticas do PRS, a partir das quais viu-se aderência de importantes figuras ao quadro e à estrutura do partido fundado em 1992, representam respostas à fulminante projeção de APU-PDGB. Esse processo traduz, talvez, a percepção de os renovadores de que o rival não é mais só o PAIGC. Resta ver se suas articulações serão suficientes para evitar que o APU-PDGB lhe tire votos – votos que outrora seriam incontestavelmente seus.
Nessa esteira, PAIGC é o ator que me parece menos previsível do ponto de vista da composição e definição de sua lista interna concorrente. Alguns elementos do grupo sancionado ou expulso voltam a tempo de participarem pelos independentistas na corrida prevista para novembro próximo? Haverá ou não uma reviravolta? Embora seja provável que o status quo se prevaleça, não dá para cravar que assim será imaculadamente até novembro, haja vista que os tribunais deram provas mais que suficientes que estão politizados e aos ditames da política podem agir a qualquer momento. Mas arrisco dizer que se houver mudanças não serão para grandes coisas. Apesar de parecer ser o menos afinado para a corrida, pelo menos nos termos aqui esmiuçados, o PAIGC conta com seu capital político e imaginário histórico para se sair como um dos favoritos – talvez o principal favorito.
O PAIGC dirá aos seus eleitores e aos aptos a votar que o presidente JOMAV interceptou um produtivo mandato que havia iniciado e que por isso o país está na atual situação. Dirá, ademais, que o PRS o traiu e vendeu-se aos caprichos do presidente Vaz, se importando única e exclusivamente com o poder. As bases do discurso eleitoralista do PAIGC se darão a partir dessa narrativa. Também não deixará de dizer que todo o reboliço que tomou o partido nos últimos anos deu-se em consequência da necessária imposição da disciplina baseada nos estatutos que o regem.
O PRS, por seu turno, dirá ao povo da Guiné-Bissau que a agremiação lutou em todas as frentes, integrando todos os governos da moribunda legislatura com o objetivo de possibilitar a governabilidade no país, e que infelizmente as balbúrdias no âmago do PAIGC não deixaram. Apontará ao povo o PAIGC como o responsável pelo subdesenvolvimento e pela recorrente instabilidade governativa do país. Não deixará de atacar o APU-PDGB, estigmatizando esta agremiação como um partido tampão dos libertadores, fazendo referência à aproximação amigável das duas siglas. Penso que em algum momento o APU-PDGB terá que destilar críticas abertas contra o PAIGC, sob pena de correr riscos sérios de gerar desconfianças e consequentemente descrédito de um significativo número de votantes.
O APU-PDGB, ao que se pode prever, apontará as manifestas contradições do PRS ao brindar todos os convites a ele formulado para integrar governos de todas as naturezas e circunstâncias. Comparará este partido a um balcão de negócio, em que vale tudo para ter poder. A troca de farpas entre as duas agremiações será significativa e agressiva, disputando não só a herança do legado de Koumba Yalá, como também o eleitorado do já falecido ex-presidente. Pode ser boa para o PAIGC a digladiacão entre os dois, se estes não souberem se desvencilhar disto e apontar também suas armas contra os libertadores.
Me parece que a ampliação de escolas do ensino superior na capital, o aumento de acesso à informação e a relativa politização dos jovens guineenses – seja para o bem ou para o mal – contribuem para a formação de um eleitorado mais precavido, crítico e exigente, nomeadamente o de centros urbanos. E, com isso, acredito que não se ganhará mais votos facilmente, principalmente no principal reduto eleitoral, capital Bissau. Até o próprio PAIGC, que arrancava boa parte de votos apoiando-se em sua gloriosa história da luta de independência nacional, deve passar a enfrentar mais dificuldades nesse sentido. O mesmo se aplica ao histórico partido de oposição, que agora conta com um natural adversário – APU-PDGB – na corrida pelos votos que no passado eram quase naturalmente do partido sediado no bairro de Belém.
O APU-PDGB reivindica um lugar de destaque no tabuleiro político guineense e, normalmente, o PAIGC e o PRS, sobretudo este último, devem se articular mais e brigar politicamente para evitar a ultrapassagem do partido encabeçado por Nuno Gomes Nabiam.
Por: Timóteo Saba M’bunde
Mestre em Ciência Política.
junho de 2018