A menos de uma semana do início do julgamento de Rafael Marques em Angola, o jornalista recebeu esta quarta-feira (18.03) à noite, em Londres, o prémio "Liberdade de Expressão 2015" da organização Index on Censorship.
O júri disse que o angolano é "uma figura importante que está a fazer um trabalho importante,num ambiente bastante difícil."
O jornalista e ativista dos direitos humanos, Rafael Marques, tem denunciado violações cometidas pelas autoridades angolanas. O seu trabalho já lhe valeu alguns processos judiciais.
O seu último livro "Diamantes de Sangue: Corrupção e Tortura em Angola", onde denuncia violações na exploração de diamantes nas Lundas, levou alguns generais a o processarem. O julgamento está previsto para 24 de março, em Luanda.
A DW África entrevistou Rafael Marques sobre o prémio que lhe foi atribuído.
DW África: No espaço de uma semana, receber o prémio "Liberdade de Expressão 2015" e ir a julgamento acusado de calúnia, depois do trabalho de investigação "Diamantes de Sangue", não será viver um paradoxo?
A DW
DW África: No espaço de uma semana, receber o prémio "Liberdade de Expressão 2015" e ir a julgamento acusado de calúnia, depois do trabalho de investigação "Diamantes de Sangue", não será viver um paradoxo?
Rafael Marques (RM): Na verdade, não é uma situação paradoxal porque, primeiro, a acusação não tem fundamento, não se especifica sobre o que realmente insultei os generais angolanos. Eu não posso ser processado por difamação em Angola por causa da dupla incriminação, tendo já o caso sido ouvido pelas instâncias judiciais em Portugal. O único problema que existe aqui é a opção das autoridades angolanas em não respeitarem a Constituição do país.
DW África: Vai a julgamento 15 anos depois de se sentar em tribunal, acusado de difamar o Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, no seu artigo "O Batom da Ditadura". De lá para cá, o que mudou?
RM: A situação piorou e veja, eu ganhei o caso contra o Presidente, porque levei o caso às Nações Unidas e o Estado angolano foi condenado a pagar-me uma indeminização que se recusou a fazer e até, na altura, justificou que não reconhecia a autoridade das Nações Unidas. Mas agora está no Conselho de Segurança das Nações Unidas, já reconhece o prestígio e autoridade que as Nações Unidas conferem ao regime angolano.
Só para explicar, e mais uma vez também neste caso, estranhamente surge um documento, o meu registo criminal em como sou, de facto, um condenado - quando naquela altura o próprio regime teve medo. E eu nunca recebi a notificação do Tribunal Supremo, porque eles tiveram medo com a pressão que foi feita de notificar para que eu cumprisse cadeia ou pagasse indeminização ao Presidente.
Então, o Poder Judicial é utilizado de forma arbitrária pelo poder político e quando isso acontece não nos podemos manter calados, antes pelo contrário, para que, de facto, os direitos dos cidadãos sejam respeitados. E ali onde a Constituição confere poderes absolutos ao Presidente, de forma autocrática, então devemos lutar para repelir esses articulados de modo a que Angola seja um país efetivamente livre etodos os cidadãos tenham participação equitativa na vida pública.
DW África: Este prémio e também o facto de 17 organizações dos direitos humanos endereçarem uma carta às Nações Unidas, o facto de a Amnistia Internacional pedir a atenção para o seu caso são coisas que podem jogar a seu favor na próxima semana?
RM: O que pode jogar a meu favor, sobretudo, é a minha consciência, o cumprimento do meu dever profissional e de cidadania e, fundamentalmente também, todo aquele trabalho, a coragem das testemunhas e das vítimas que partilharam as suas histórias comigo sobre os abusos dos direitos humanos na região diamantífera das Lundas, isto é que joga, sobretudo, a meu favor.
É importante a solidariedade internacional, é importante que as organizações internacionais e nacionais também manifestem essa solidariedade. Mas o fundamental aqui é entender que enquanto cidadão angolano é minha responsabilidade contribuir para que tenhamos um país melhor. E mais uma vez, este caso é uma possibilidade, é um privilégio, uma honra que o regime me concede para desafiá-los em tribunal.
DW África: A entrega deste prémio decorre numa altura em que continuam detidos dois ativistas que tentaram organizar um protesto em Cabinda. Que solução deseja para este caso?
RM: Eles estavam a exercer um direito constitucional.Só temos que seguir a Constituição no que toca ao direito de liberdade de manifestação. É mandá-los para casa. É um abuso que estejam detidos, é uma violação do seu direito constitucional e nada mais.
Guilherme Correia da Silva - Deutsche Welle