Denúncia de três cabo-verdianas permitiu à PJ descobrir no Sal uma espanhola procurada desde 2013 por envolvimento com uma rede internacional que trafica mulheres para fins sexuais em Angola e outros países.
Jovens cabo-verdianas estão a ser traficadas para Angola através de uma rede internacional de comércio de mulheres para fins sexuais. Na semana passada uma cidadã espanhola foi detida na ilha do Sal por supostamente pertencer a essa organização criminosa que, acredita a polícia, reúne ainda angolanos, santomenses, portugueses e brasileiros.
A detenção aconteceu há uma semana, na sequência de uma denúncia de três mulheres cabo-verdianas que teriam sido vítimas de uma suposta rede de tráfico de pessoas. As meninas procuraram a Polícia e contaram o que se estava a passar. E o nome de quem os aliciou. A Polícia não revela a identidade da suspeita, mas A VOZ sabe que se trata de uma cidadã espanhola que alicia meninas com promessas de trabalho num Hotel de Luxo na nova Luanda, em Angola, mas que na prática serão usadas como escravas sexuais.
“Disseram que depois de tudo acertado a senhora apenas lhes entregou as passagens, sem os passaportes, alegando que tinha que viajar para o estrangeiro e que só lhes entregava os documentos no regresso”, conta uma fonte policial, para quem as três jovens foram espertas. “Não é normal entregar as passagens sem o passaporte. Por isso foram espertas em desabafar com o amigo agente que aconselhou-as a fazerem a denúncia”.
Na verdade, mal sabiam as meninas do que estava por detrás e do que escaparam. É que a Polícia Judiciária, ao tomar conhecimento da denúncia, viria a descobrir que a suspeita é a mesma cidadã de nacionalidade espanhola tida como pertencente a uma rede de tráfico de mulheres. Ela estava na mira da Judiciária desde 2013, quando um santomense foi detido no Sal, também sob a acusação de traficar mulheres, sobretudo para Angola – supostamente eles tinham uma relação amorosa. “Ela estava a ser investigada. Só que após a prisão do santomense ela ficou desaparecida. Passou muito tempo sem vir a Cabo Verde. De há seis meses para cá ela voltou a dar as caras. Mas a polícia estava de olho”.
Com o depoimento das três meninas – uma de 22 e duas de 24 – e mais outras provas a PJ conseguiu um mandado de prisão. E assim que pôs os pés na ilha do Sal a espanhola foi detida. “Ela não contava com isso. Foi surpreendida pela polícia e não teve como escapar”, revela a mesma fonte.
Na residência da suspeita foram encontrados os passaportes das três raparigas, mas também de outros jovens – inclusive de rapazes – do Sal e de outras ilhas. Foram apreendidos também documentos falsos, elevada quantia em dólares, euros e escudos, cápsulas de cocaína e ecstasy, telemóveis, tablets, portátil e outros equipamentos informáticos.
Detida e apresentada ao Tribunal, foi-lhe aplicado o Termo de Identidade e Residência e interdição de saída do país.
Modus operandi
Assim como no tráfico de drogas, a pobreza também atrai o tráfico humano. No caso da cidadã espanhola, detida pela polícia cabo-verdiana, ela usa o desemprego e a crise internacional para aliciar as meninas. É durante as suas vindas para Cabo Verde que consegue convencer as jovens mulheres: “Ela é muito sociável, circula pela noite e faz amizades com todos, conquista a confiança, estuda as suas vulnerabilidades e promete ajudas”, define assim, uma fonte, a forma como a espanhola se relaciona com os cabo-verdianos no dia-a-dia.
Sabendo das dificuldades financeiras por que passam muitos jovens, ela oferece dinheiro a troco de nada, depois promete emprego em Angola por um curto período de tempo – normalmente de até seis meses -, com um salário em dólares a mais dos três dígitos, suficiente para reorganizar a vida e se calhar montar um negócio em Cabo Verde.
Traficadas conscientes?!
Apesar de tudo, grande parte das mulheres que são convidadas a irem para Angola têm a consciência de que vão para a prostituição. “Convém dizer que nem todas são enganadas. A maior parte vai para fazer programas e fica por lá por uma semana apenas como acompanhantes de empresários em reuniões importantes ou então para aventuras em iates de luxo. As que vão para muito mais tempo são obrigadas muitas vezes a terem relações sexuais com vários homens”, esclarece o nosso interlocutor.
A VOZ sabe que a polícia científica cabo-verdiana está a trabalhar com a hipótese de que as crioulas tornaram-se “presas” fáceis, depois de o Brasil ter desmantelado uma rede de tráfico de mulheres, há cerca de três anos, envolvendo importantes empresários angolanos. A lista, recorde-se, envolvia Bento dos Santos ‘Kangamba’, sobrinho por afinidade do presidente José Eduardo dos Santos, como o principal financiador de uma rede de tráfico de brasileiras.
No caso do Brasil, recorde-se, a Polícia Federal especula que o esquema vitimou mais de 1.500 mulheres. Parte dessas vítimas era atraída pela promessa de pagamentos que variavam de 10 a 100 mil dólares para “fazer programas” no exterior. Entretanto, suspeita-se que a quadrilha aliciou mulheres com perfis diferentes: primeiro as famosas que iam a Angola, Portugal e África do Sul para receber 100 mil dólares por uma semana, segundo as mulheres capas de revistas masculinas no Brasil, que ganhavam 10 mil dólares por semana e por último as jovens carentes, ludibriadas como dançarinas, mas que na verdade iam prostituir-se.
É só recordar a detenção do santomense há dois anos, por alegado tráfico de mulheres cabo-verdianas. E agora mais esta detenção a reforçar ainda mais as suspeitas de que Cabo Verde funciona como um dos fornecedores de mulheres à rede de tráfico de mulheres para fins sexuais. “Em Cabo Verde as jovens têm características semelhantes à das brasileiras, meninas bonitas, sensuais, dispostas a saírem com turistas, a prostituírem-se”.
Cabo Verde apanhado na rede internacional
As autoridades cabo-verdianas acreditam que tanto a espanhola como o santomense fazem parte de uma organização internacional de tráfico de mulheres. Para já, ambos têm fortes ligações com angolanos e ambos alegaram ser empresários e prometeram empregos altamente remuneráveis para jovens cabo-verdianas em Luanda.
A PJ tenta descobrir também se não há ligações com grupos em São Tomé e Príncipe. É que o país tem sido identificado como uma das importantes células do tráfico humano. O santomense detido em 2013 também estava a ser investigado no seu país sob suspeita de ligações com traficantes em Angola, Gabão e até com coronéis nigerianos.
Há duas semanas, uma quadrilha foi presa em São Tomé e Príncipe por tráfico humano. Três dos quatro detidos eram mulheres, sendo uma cabo-verdiana. A rede opera a partir de Libreville, Gabão.
São Tomé, o ponto de ligação
As autoridades policiais cabo-verdianas estão a trabalhar principalmente com as de São Tomé e Príncipe, com a ajuda da Interpol. É de lá que muitas mulheres são levadas para outros países do continente, mas também várias cabo-verdianas podem estar sendo traficadas através daquele país. “Lá existem muitas jovens pobres, que são facilmente aliciadas, outras, sobretudo adolescentes e crianças, são raptadas. Mas as crioulas também podem cair nesta rede”, acredita a fonte policial.
E as redes sociais têm demonstrado o interesse de cabo-verdianas por São Tomé e Príncipe. “Não acha estranho que ultimamente muitas jovens estão a viajar para São Tomé e Angola? É só verem as fotos que vão publicando no facebook. Muitas delas são levadas para lá para fazerem programas com altos empresários, políticos e até membros das forças militares. Podem estar a correr sérios riscos de serem vendidas”, preconiza.
“Não descartamos a hipótese de que Cabo Verde também esteja a se tornar numa célula importante do tráfico humano e que as jovens cabo-verdianas estão a ser traficadas. Temos que agir agora para não haver muitos estragos no futuro”, sublinha.
Refira-se que o tráfico de mulheres para Cabo Verde também tem preocupado as autoridades cabo-verdianas e internacionais. Há vários relatos de cidadãs da costa africana, sobretudo nigerianas, alegando que foram vendidas para as ilhas turísticas do Sal e da Boa Vista, e são forçadas a prostituírem-se nas ruas sob ameaças de morte de seus familiares na Nigéria. Fonte: Aqui