domingo, 16 de outubro de 2016

Augusto Midana: “SOU GUINEENSE E CONTINUAREI A LUTAR PARA A GUINÉ-BISSAU”

O atleta guineense da Luta Livre, Augusto Midana, defendeu durante a entrevista [segunda e última parte] concedida ao semanário “O Democrata” [30/09/2016] que é guineense e continuará a lutar para a Guiné-Bissau. O tricampeão africano da luta livre respondia assim à questão colocada sobre a possibilidade de deixar o país e representar outras bandeiras africanas.

O ‘Guerrilheiro’ afirma que se sente um patriota, não obstante as dificuldades que enfrenta dia-a-dia. Sustentou que continuará a lutar e a conquistar medalhas para o povo da Guiné-Bissau. No entanto, a única coisa que quer é que as autoridades criem as condições necessárias para que os atletas se sintam reconhecidos.


“Eu tinha um sonho de lutar pela promoção da livre no país. Quero investir na abertura de um centro equipado, para preparar os futuros lutadores, onde eventualmente poderão sair outros lutadores como Augusto Midana. Agora como posso fazer isso, se eu não tenho nada…”, espelhou.

OD: Onde é que se lesionou?

AM: Lesionei-me na Polónia, num torneio de preparação para os Jogos Olímpicos do Rio’2016.

OD: O Comité Olímpico não sabia da sua lesão?

AM: Os dirigentes olímpicos sabiam, e disseram que tinham meios para o meu tratamento. Apontaram a FILA internacional como alternativa. A FILA assumiu que iria ocupar-se do meu tratamento, mas a um dado momento o médico disse-me que se fizesse cirurgia ficaria fora dos jogos olímpicos, mas também se não me submetesse a uma intervenção cirúrgica ficaria de fora. Pedi então, em colaboração com comité olímpico, para me deixarem vir fazer um tratamento tradicional aqui no país. E vim, mas o tempo estava muito curto, só consegui tratar-me uma semana e a semana seguinte coincidiu com nossa partida para o Brasil.

OD: Onde vais fazer o tratamento médico? Em Bissau ou fora do país?

AM: O Comité Olímpico queria que eu fizesse o tratamento aqui na Guiné-Bissau, mas recusei. Propuseram-me que poderia ser em Portugal, voltei a recusar. Eu disse-lhes que apenas que faria o tratamento em França ou Espanha.

Infelizmente até agora não me disseram nada. Se não conseguirem criar condições para eu me tratar, então terei que procurar eu mesmo a possibilidade de conseguir o tratamento no Senegal. Tenho que fazer uma intervenção cirúrgica na clavícula direita. Terei que pedir apoio a um particular, um amigo meu, no Senegal. O Comité Olímpico está a insistir para que eu faça a operação aqui, mas não sei.

OD: Não acha arriscado fazer a operação da sua clavícula na Guiné-Bissau?

AM: Não concordo em fazer o tratamento na Guiné, por isso profiro ir ao Senegal. Mesmo se tiver que acarretar os custos, mas irei ao Senegal.

Eu tinha um sonho de lutar pela promoção da livre no país. Quero investir na abertura de um centro equipado para preparar os futuros lutadores, onde eventualmente poderão sair outros lutadores como Augusto Midana. Agora como posso fazer isso, se eu não tenho nada…

A iniciativa de fazer uma academia é lutar para o meu futuro, porque se eu parar de lutar hoje não tenho mais nada para fazer. É por isso que quero levar essa iniciativa para frente, porque no futuro quero ser um treinador de luta livre. Eu quero transmitir as pessoas aquilo que eu sei sobre a luta livre, sobretudo transmitir a minha experiência.

É esse o meu sonho, porque temos a potencialidade para continuar a erguer títulos de Campeão de África da luta livre ou outros títulos nas diferentes modalidades. É preciso investir seriamente, também é preciso criar condições aos lutadores a fim de motivar os mais jovens a aderirem à prática.

OD: Havia grande expectativa em volta da sua participação nos jogos Olímpicos Rio’2016. A esperança era que conquistássemos uma medalha de ouro. De repente perdeu o duelo para o norte-americano, num combate em que o Midana começou melhor que o adversário. O que aconteceu consigo de concreto?

AM: Se estivesse sã, se não tivesse a lesão no ombro direito, certamente que daria mais daquilo que dei na arena. Os Jogos olímpicos são muito complicados. Nas olimpíadas toda gente quer a vitória para fazer a história.

Encontrei uma atleta olímpica tunisina na Polónia e ela disse-me que já estava no terceiro mês, treinando em diferentes países. No nosso caso, resumimo-nos quase aos treinos no Senegal. No centro de treino tinha apenas o Quintino Ntip com quem podia treinar-me. Com o Ntip é complicado, porque não podia ficar treinando todo o tempo com uma única pessoa. Acabamos por conhecermo-nos um ao outro.

Por outro lado, o atleta pode percorrer todo o mundo. Mesmo assim pode fracassar nas olimpíadas. Na verdade, os jogos olímpicos requerem uma preparação dura. E no meu caso as olimpíadas chegaram quando eu me lesionei. Note que quando faço ataque tenho que fazê-lo com toda a força do ombro. Lutamos com as mãos e naquela altura nem levantar as mãos eu conseguia. Não consegui…

OD: Queríamos que esclarecesse uma coisa. Quanto é que Midana recebe para participar nas competições internacionais?

AM: Dantes não recebíamos nada, mas actualmente dão-nos alguma coisa, mas não muita. Para o campeonato africano recebemos duzentos (200.000) [seiscentos euros] ou quatrocentos (400.000) mil francos CFA.

Este ano fui participar no campeonato de mundo em Las Vegas – Estados Unidos da América, mas não recebi nenhum tostão. Foi em Las Vegas onde me lesionei. A tal lesão que me impediu de competir nos jogos africanos de Brazzaville, porque saí do mundial directamente para Congo, mas a lesão não permitiu que competisse naquela prova africana.

OD: É verdade que alguns países da África lutam pelo Augusto Midana, ou melhor, querem dar-lhe a nacionalidade. Confirmas essa informação?

AM: Isso é verdade… vários países da África querem dar-me a nacionalidade para representá-los. Tchad é um dos países que está a mostrar muito interesse e a todo custo querem levar-me.

Disseram-me mesmo para ser apenas um treinador. Prometeram criar melhores condições de trabalho, bem como garantiram-me tudo em troca de nacionalidade e consequentemente passar a representar o Tchad.

Há países que me querem apenas como o treinador e garantem criar todas as condições. Eles reconheceram a minha qualidade e sabem que podem ganhar alguma coisa comigo, apenas como treinador. Infelizmente aqui na minha terra não sinto nada disso, não sou reconhecido.

OD: Há a possibilidade de naturalizar por um país africano no futuro, se as coisas continuarem assim…

AM: Sou guineense e continuarei a lutar para a Guiné-Bissau. Sinto-me como um patriota. Apesar de tudo, continuo a lutar e a conquistar medalhas para o povo da Guiné-Bissau. A única coisa que quero é que as autoridades criem as condições necessárias para que possamos competir.

Estou a enfrentar dificuldades é verdade. Nem dá para acreditar, mas sou guineense e continuarei a lutar pela Guiné-Bissau. Acho que é chegada a hora de reconhecer as pessoas pelo seu trabalho ao serviço da pátria.

OD: A sua residência continua a ser em Sucuto, quando está no país, porquê? Há um segredo ou uma cerimónia que lhe obriga a ficar na sua aldeia?

AM: Várias pessoas me fazem essa pergunta, porque é que não resido em Bissau?! Como vou ficar em Bissau… se não tenho dinheiro para pagar a renda. Antes de partir para o centro olímpico no Senegal, eu morava com o meu treinador Aristóteles. Era ele quem fazia tudo por mim.

Quando estou em Bissau, sempre moro em casa do meu tio. Se virem o quarto onde durmo, não vão acreditar. É por isso que prefiro ficar na minha aldeia, que também não é muito longe da capital Bissau.

OD: Quer deixar alguma mensagem de encorajamento a jovens lutadores e de agradecimento a algumas personalidades…

AM: Quero aproveitar o vosso jornal para agradecer o Comité Olímpico pela coragem que teve de apostar em mim, concedendo-me uma bolsa olímpica para o Senegal. Agradeço ainda a Federação da Luta Livre, em particular ao seu presidente. Quero ainda agradecer a todo o povo guineense pelo apoio moral que me tem dado, sobretudo aquando do meu acolhimento no aeroporto, depois da conquista do terceiro título de campeão africano da luta livre.

Aproveito para aconselhar os mais jovens na luta livre para não desanimarem, porque sempre há esperança na vida… quem sabe amanhã as coisas podem mudar e os atletas poderão ser reconhecidos pelos seus valores.


Por: Assana Sambú/Sene Camará