sábado, 1 de outubro de 2016

Crônica: O PODER DAS GEBAS

otinta-age
Não estou a escrever sobre o rio grande do Geba, nem sobre as riquezas de seus recursos haliêuticos e outros recursos sustentáveis para o desenvolvimento do nosso país.

Tão-somente pretendo nestas parcas linhas narrar o poder de sedução das mulheres – ditas cristãs de Geba – cujo berço fica no leste do país.
Muitas histórias são narradas por este povo mestiço por excelência, mas ninguém fala deste lado “parfumé” de suas mulheres, seus suaves venenos de beleza, seus olhos penetrantes.
Ou dito doutro modo, como a fragrância de sua educação cativa os homens.
São quatro, os pilares que sustentam esta nação – como se dizia antigamente – para se referir aos diversos povos nacionais.
  1.  O carinho
Olhar atento, igualzinho aos olhos de ressaca da Capitu, uma das personagens mais emblemáticas da literatura em Língua Portuguesa, escrito por um dos maiores nomes da Literatura Universal, Machado de Assis.
É assim que começo a contar as histórias do poder das mulheres gebas que uma amiga geba me contou. Também ela ouviu-a de sua avó.
Dizia-lhe a avó que o poder de sedução das gebas, o olhar agudo com que prendiam os homens, fitando-lhes lascivamente olhos nos olhos, picar-lhes os corações como um cupido que une os corações apaixonados. E assim, poderosas e exuberantes, os homens caíam a seus pés perdidamente apaixonados.
As mãos que os tocam singelamente no corpo, a doce fala meio que rouca e ao mesmo tempo fina a deslizar pelo corpo, as mãos que tocam suavemente a cabeça, ao de leve, os dedos penetrando nos seus ouvidos, e outra mão que lhes toca nas partes íntimas, e na subida à cabeça, encontra a outra mão, e juntas, afagam disciplinadamente a cabeça, deixando os neurónios mais soltos, mais dançantes, e mais afoitos, excitando os homens, pecaminosamente.
O gesto gentil com que murmuram aos ouvidos palavras doces, parcas palavras serpenteando e simultaneamente sussurrando pelo corpo, um beijo sutil nos mamilos masculinos, e estes a tocarem os delas, um chupar e um mamar tão desafiadores é que deixam os homens perdidamente apaixonados pelas mulheres gebas – as jibas no nosso saboroso kriol.
A sutileza no trato, a finura da ternura. A doçura que uiva. Dedos atrevidos que perpassam nos interstícios masculinos, e estas mãos másculas que apertam os seios, a deslizar entre a vulva e o clítoris, sacanamente.
Uma dança dos corpos em sintonia fina.
  1.  A comida
     
Diz o vulgo que nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca do ser humano. Mas uma coisa é certa quem prende o estômago prende o sentimento. E o pensamento também.
Contou-me a minha amiga que as gebas fisgam seus amores através do próprio estômago, isto é, a maneira com que, sem preguiça, preparam variadíssimos pratos de alimentos para nutrir seus maridos.
Ora bem, se os machos estão bem servidos à mesa e à cama não conseguem mais largar de uma mulher geba. Afinal, se os sentidos estão satisfeitos, o pensamento dança. Logo acontece o feliz casamento sentimento com pensamento.
E é assim que desta feita elas, sempre poderosíssimas, conquistam homens; e é difícil que outra mulher lhes tire o marido do lar.
  1.  A cama
     
A criatividade, a simplicidade do modus essendi, a maneira de esmerada educação com que seduzem os maridos, a brincadeira gostosa, porém frequente com que se faz a coisa ficar mais bonita, mais apaixonante e mais viva.
Os segredinhos contados aos ouvidos. O calafrio que isto provoca no corpo. A excitação que provoca nos membros tanto os masculinos quanto os femininos. O frio que percorre toda a alma, todo o espírito. A vontade que isto dá de os corpos não quiserem se separar um do outro, a vontade de se manter colado um no outro – faz toda a diferença!
Sabemos que quando um corpo enlaça outro corpo nestes movimentos ora lassos ora frenéticos os corações já não conseguem separar. Imagina se conseguem suportar o sol de pouca dura. Não. Hão-de querer sempre mais, sempre mais e mais, mais, mais.
Esta água na boca, língua com língua, dedos com dedos, corpo com corpo, pés com pés, olhos nos olhos, e os dois sémens, masculino e feminino, a sair de dentro torrencialmente para o interior de um e de outro. Isto é demais!
A maneira criativa de fazer amor sempre surpreendente, e a disponibilidade do corpo para se explorar todas as potencialidades possíveis do prazer carnal, mas também espiritual.
Em suma, o requinte da cozinha aliado à astúcia do leito, deixam qualquer um sem jeito de pôr defeito nelas – as singelas mulheres gebas.
  1.  A afeição pelo divino
O cuidar com esmero dos filhos. O preocupar-se com o amanhã deles. Às vezes, levam-nas a estas andanças pelos caminhos do divino, e muitas das vezes pelos descaminhos do submundo dos irans e muros. Tudo em nome da proteção do lar, do marido e dos filhos. E é, claro, das próprias.
Uma certa mulher quando disputava o marido com uma rival. Na altura, ficara grávida do marido. E esperava uma menina. Tão logo deu luz à menina, esta faleceu-lhe do regaço logo nos primeiros sopros de vida. E ela resolveu entretanto deslocar-se à Geba. Lá foi-se ao iran da feraria pedir protecção. Este atendeu-a.
Ela conseguira não apenas ficar com o marido para si como gerar outros filhos seus. Ora acontece que ela não voltou para pagar o que tinha prometido. E os dissabores começaram a bater-lhe as portas. Desavisadamente, os netos sempre que um saía do hospital, outro ia a internação.
E nesse corre-corre, uma de suas filhas acabou por descobrir o que fustigava à família. Perguntada, recusou-se de ter feito recurso a estas divindades. Como a filha insistia ela acabou por confessar que fora sua avó que fez isso. Mas a verdade só veio a aparecer quando uma de suas irmãs também descobriu noutro lugar que fora ela com seus próprios pés que lá fora pedir bambaran.
Só que ela insistia a dizer que não. Até que a sua irmã lembrou-lha de também ter ido à Nhakra pedir para que a sua primeira filha conseguisse engravidar do marido – o qual acabou por acontecer, gerando ela um casal de gémeos.
Pois então entre o esconde-esconde destas ardigansas para proteger os filhos é preciso que se digne a não esconder a verdade a eles. Pois por mais que nos confessemos cristão ou muçulmanos somos é mesmo híbridos na crença, somos africanos, conseguimos introduzir nas duas religiões monoteístas os valores dos nossos ancestrais.
É a volta ao chão sagrado que nos une ao nosso cordão umbilical ancestral.
  1.  À guisa da conclusão
     
E seus homens?
Conta-se que um certo homem esfarrapado, destes que parecem com espécies peçonhentas, cheios de sujidades e cheiros não tão agradáveis assim ao nosso nariz. Chegara, calmo, sereno e educado. E, meio medrosa, pediu aos homens que estavam sentados que lho oferecessem água para beber. Estes olharam-no com desdém, sem que alguém tivesse esboçado algum tipo de reação para matar a sede deste transeuente pobre.
Vendo-se, rejeitado, tido como infame por eles, dirigiu-se imediatamente às mulheres que estavam a lavar as roupas. Cumprimentou-as – tal como fizera aos homens -, e estas cumprimentaram-no. E ele pediu-lhes que as dessem água para beber. Prontamente a deram, e ele bebeu até se saciar da sede que o fustigava.
Agradeceu-lhe o gesto, e abençoou-as dizendo:
 Vocês mulheres de Geba terão sempre bons lares, e suas famílias se multiplicarão em saúde e em felicidades mil.
Diz a lenda que foi assim que, abençoadas, ficam na linha da frente. E assim rezou a história. Por isso, segundo a história, as mulheres gebas – as poderosíssimas – sempre cativam os homens de qualquer canto do mundo.
Caro leitor d’O Democrata, até a próxima, que o cronista precisa dormir para tentar esquecer o desassossego pátrio.
 
Por: Jorge Otinta, ensaísta, poeta e crítico literário guineense