"É uma falácia pensar que isto é como a Guerra Fria. Os dias de hoje são diferentes e mais perigosos". O aviso foi feito no sábado pelo ministro dos Negócios Estrangeiros alemão. Frank-Walter Steinmeier, em declarações ao Bild, falava sobre a crescente tensão nas relações entre Estados Unidos e Rússia - e que conheceram novos desenvolvimentos este fim de semana -, citando as diferenças sobre a Ucrânia, a guerra cibernética e a Síria. "As razões para o conflito entre Rússia e Estados Unidos estão a aumentar. Parece que o remanescente da confiança mútua foi esgotado. Se isto continua, iremos voltar aos tempos do confronto das duas superpotências", afirmou ainda o chefe da diplomacia de Berlim.
O mais recente sinal desta crescente tensão entre Moscovo e Washington foi dado ontem pelo ministro dos Negócios Estrangeiros russo. "Estamos a testemunhar uma mudança fundamental de circunstâncias no que diz respeito à agressiva russofobia que agora reside no centro da política dos Estados Unidos em relação à Rússia", disse ontem Serguei Lavrov à televisão estatal russa. "Não é apenas uma russofobia retórica, mas medidas agressivas que realmente prejudicam os nossos interesses nacionais e representam uma ameaça à nossa segurança", acrescentou.
O líder da diplomacia de Moscovo desfiou ainda uma lista de queixas da Rússia contra os EUA que, disse, contribuíram para o ambiente de desconfiança entre os dois países. Serguei Lavrov queixou-se de a NATO estar a instalar infraestruturas militares para junto das fronteiras russas e atacou o Ocidente pelas sanções por causa da Ucrânia.
O ministro disse ainda ter ouvido que alguns políticos em Washington estavam a sugerir que Barack Obama poderia aprovar o bombardeamento de bases aéreas militares do governo sírio para alojar aviões norte-americanos. "Este é um jogo muito perigoso tendo em conta que a Rússia, estando na Síria a convite do governo legítimo do país e tendo duas bases lá, ter sistemas de defesa aérea para proteger os seus ativos", avisou Lavrov, acrescentando esperar que o presidente norte-americano não aceite aquele cenário.
No dia 4, a Rússia mobilizou uma bateria de mísseis antiaéreos S-300 para a Síria, com o objetivo de defender a sua base naval no porto de Tartus, no mar Mediterrâneo. Medida anunciada um dia depois de os Estados Unidos terem suspendido a cooperação com a Rússia para tentar encontrar uma solução para o conflito sírio.
A situação na Síria teve no sábado mais um revés, com Moscovo a vetar no Conselho de Segurança da ONU uma resolução apresentada pela França e que pretendia acabar com os bombardeamentos sobre a cidade de Aleppo. Um texto alternativo apresentado pela Rússia - que apelava ao fim do conflito, mas sem pedir especificamente o fim dos ataques em Aleppo - foi igualmente chumbado. EUA apoiaram a proposta francesa e vetaram a russa.
Atos pouco amigáveis
A Rússia suspendeu no início do mês um tratado com os Estados Unidos sobre a reciclagem de plutónio utilizado em armas nucleares, em resposta ao que Moscovo chamou de "atos pouco amigáveis" de Washington. "O tratado foi acertado quando as relações estavam normais, civilizadas, quando ninguém estava a tentar interferir nos assuntos internos do outro. Esta é a mudança fundamental das circunstâncias", explicou.
Outro sinal da mudança de atitude da Rússia é a possibilidade de reativarem as suas bases militares em Cuba e no Vietname, que serviram como pivôs do poder militar soviético durante a Guerra Fria e desativadas no início do século. Possibilidade deixada em aberto pelo ministro adjunto da Defesa, Nikolai Pankov, citado esta sexta-feira pelas agências de notícias russas.
O que a Rússia já fez foi enviar mísseis Isklander, de capacidade nuclear, para o enclave de Kaliningrado, que faz fronteira com a Lituânia e a Polónia. No entanto, o Ministério da Defesa russo garante que trata-se apenas de exercícios de rotina, mas que poderá ser também um gesto para mostrar o desagrado da Rússia em relação à NATO.
Autorizado por altos funcionários
Os EUA, por seu turno, acusaram oficialmente a Rússia por ataques informáticos recentes contra pessoas e instituições norte-americanas com o objetivo de interferir nas presidenciais de 8 de novembro.
Num comunicado conjunto, divulgado na sexta-feira, o Departamento de Segurança Interna e o diretor de todos os serviços secretos dos Estados Unidos dizem ter a certeza de que "o governo russo dirigiu" recentemente vários ataques informáticos e que "tendo em conta o alcance e a sensibilidade", "só altos funcionários da Rússia poderiam ter autorizado estas atividades".
Em julho, Hillary Clinton acusou a Rússia do ataque informático ao Partido Democrata, que levou à divulgação de 20 mil emails pelo WikiLeaks. "A Rússia nunca fez uma coisa dessas a nível estatal", afirmou, na altura, Vladimir Putin.