segunda-feira, 10 de outubro de 2016

UGANDA: FAMÍLIAS REJEITAM MULHERES RAPTADAS POR REBELDES DO LRA

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Foi há 20 anos. No norte do Uganda, rebeldes do Exército de Resistência do Senhor raptaram 139 raparigas de um colégio interno em Aboke, em plena guerra civil. O sequestro deixou-lhes marcas profundas até hoje.

Joyce Amono trabalha como costureira na cidade de Gulu, no norte do Uganda. Foi para aqui que ela veio depois dos familiares a expulsarem da sua aldeia natal. Ela é uma das estudantes de Aboke raptadas pelo Exército de Resistência do Senhor (LRA, na sigla em inglês) há vinte anos.

A família expulsou-a por a considerar "impura", por ter convivido com rebeldes e ter tido um filho de um deles - algo que aconteceu também a outras raparigas. Joyce não gosta de falar sobre isso. Ela recusa que o passado dite o seu presente.

"Sofri na floresta e sofri desde que regressei. Mas agora sou mãe, tenho filhos, isso é algo que não posso mudar", afirma. "Apesar de estar doente e de toda a pressão, tenho dois pés bem assentes, tenho de ser forte pelas minhas crianças. Tenho um coração forte e Deus está ao meu lado."

Voltar a ser aceite

Antes do rapto, a 10 de outubro de 1996, havia rumores de que os rebeldes planeavam atacar o colégio interno em Aboke. "Quando ouvíamos rumores, saímos da escola para ir dormir noutras localidades, mas nesse dia a administração [da escola] decidiu que não íamos para lado nenhum, porque não ia acontecer nada", lembra Eunice Achiro, outra rapariga sequestrada.

A administração do colégio enganou-se. Os rebeldes raptaram nessa noite 139 raparigas. Destas, 109 foram libertadas imediatamente e regressaram com uma freira italiana, que perseguiu os raptores, implorando-lhes que libertassem as raparigas. Cinco delas morreram em cativeiro. Outras foram libertadas mais tarde, depois de ataques constantes das forças armadas do Uganda contra os rebeldes.

"Foi horrível", conta Eunice. "Parecia que era um sonho, mas foi tudo real." Poucas raparigas estão preparadas para falar sobre o que se passou.

Vinte anos depois do sequestro, Grace Acham, outra das raparigas de Aboke, salienta que é preciso seguir em frente. Para isso, diz, seria necessário que os rebeldes fossem perdoados, para que a comunidade pudesse aceitar as vítimas de volta. 

"Precisamos de reaver a nossa dignidade e permanecer na comunidade, como qualquer outro ser humano", apela Grace, que trabalha numa organização de defesa dos direitos das mulheres, a Women's Advocacy Network. "Muitas mulheres estão a sofrer. Às vezes, não têm comida, não têm onde ficar, porque são rejeitadas pelas pessoas que lhes são próximas, só porque foram raptadas."

Fonte: DW África