Assim começa a história com este diálogo inabitual:
– Esta minha iniciativa não me é costumeira, porém reflete um esforço gigantesco da minha parte, é claro, em oferecer ao meu país, a minha versão sobre os fatos, a começar pela génese dos mesmos, partindo das suas estruturas, e destas às sucessivas conjunturas e vicissitudes outras e, finalmente, à realidade quotodiana nossa – fora com este argumento que um sábio Professor remeteu às instâncias judiciais nacionais um pedido de colaboração, no sentido de dar também ele seu contributo na resolução dos sucessivos problemas que têm assolado esta República-Clube do Eu-sozinho.
– Quaquer outra perseguição que vier a sofrer no futuro, não se hesite, procure por mim, apenas por mim; pois este caso estará registado nos autos – disse-lhe inpraesentia o magistrado incumbido não para dissipar as dúvidas que pairam sob este solo pátrio, mas sim para escamotear a verdade dos fatos.
O magistrado saiu às pressas sem que, pelo menos, ouvisse, ainda que não escutasse, o que o Professor tinha a lhos informar, isto é, eles os senhores da Justiça.
Parecia, outrossim, que tinha sido instruído pela Máfia nacional para que fosse lá e reconhecesse a figura do homem que tinha segredos guardados há muitos anos, segredos esses a que todo o mundo fazia ouvidos de moucos, desprezando o homem que poderia salvar esta pátria do descalabro. Ele ficou sozinho, mais uma vez, e como sempre, com o segredo a corroer-lhe a alma, preso a um destino cruel.
Venenos e perseguições políticas e morais, injúrias e calúnias, intrigas e futricas a pairarem em seu destino, difamações e armações de toda a ordem para que desistisse de proceder à denúncia relativamente à desmedida cobiça humana pelos recursos sustentáveis para o desenvolvimento que o nosso país dispõe.
Nessa sua luta inglória em que vencedores continuam a ser os mesmos – os ladrãos e mentirosos de sempre -, e os vencidos, os mais preparados para dirigir os destinos deste povo martirizado por intrigas e futricas. Sendo que os vencidos, colocados na berma da estrada do progresso económico, social, científico e tecnológico a que o país tem direito como os demais no concerto das nações.
Lá está ele, um senhor sexagenário falante e escritor de sete (7) línguas estrangeiras. Só. Sozinho entre mentiras. Solitário entre as inúmeras inverdades que são plantadas, a cada dia que passa, nos seus olhos. E, ademais, a atropelar seu destino de um condenado num Tribunal Oculto sem julgamento prévio em que tenha sido declarado réu ou absolvido. Fora arguido de um processo no Ministério Privado da Armação.
- Com o conhecimento da causa
Estudara o Professor em tempos nas escolas católicas tanto na Guiné-Bissau quanto no exterior. Sempre se revelara um aluno brilhante, um nerd – como dizem os americanos.
Em terras estrangeiras, mais precisamente na Europa, o centro da civilização ocidental, acometera-lhe o mal que carrega, até hoje, ainda que tenha já idade avançada, continuam os senhores da cosa nostra a persegui-lo.
A bem da verdade, despacharam-no para cá para que fosse fácil controlá-lo. Pois como não existe amizade fiável entre africanos era mais justo que viesse parar na Guiné-Bissau, país onde as duas gangues, a nacional e/ou a nacionalizada, que opera com a fé castradadora da dignidade, e a estrangeira, comandada pela mesma fé assassina, importada algures.
Estudara Física Nuclear e, posteriormente, Engenharia Eletrotécnica. Diploma? Anularam-no, pura e simplesmente. Para, fingidamente, imporem-lhe num cárcere, no qual pudessem controlá-lo, dando a ele um emprego da má subsistência.
Troça de Fé, esta que ele abraçou. Mãos a afagarem o corpo, suaves palavras venenosas a falarem de doutrina milenarmente sanguinária, e uma permanente tortura psicológica a afundar-lhe as convicções. E a sua alma entregue ao Templo deles.
Se através desta odisseia não se conseguir compreender o emaranhado do imbróglio em que nos meteram a todos, então, fica claro que, ao deixar a Europa, ainda que forçosamente, o nosso ilustre intelectual, recebeu a sentença condenatória – já de si transitado em julgado -, da morte sumária.
- Sentindo na própria pele
Qualquer mecanismo que venha a resultar na eliminação física do Professor por parte dos agentes, ou de qualquer um dos pregadores da nossa Praça, trata-se-á da já citada condenação tácita de morte que está em vigor desde o ano em que ele pôs os pés neste mundo.
Assim, em abril de 2010, nesta Cidade de Bissau, acometeu-lhe um dos planos desta engenharia criminosa. O ocorrido, o próprio, me testemunhara em tempos este fato, que passo, a seguir, a transcrever:
Tendo por presumível projétil uma garrafa, me fez estremecer da cabeça aos pés, atigindo-me com um impacto de extrema violência na testa, e, em seguida, desfez-se a garrafa em minúsculos fragentos, fruto da intensidade com que ela fora arremessada em minha direção. Olhei, em volta, porém nem mesmo sinal ou sombra de quem tenha feito isso pude descortinar.
Julgo, todavia, que há alguém algures interessado em silenciar-me, vendo em mim como sendo um possível conhecedor de boa parte de causas eventuais das permanentes convulsões que minam a História Nacional, pintando-a de nódoas de sangue.
Para mim, esta nova tática, meu caro discípulo, e exímio intelectual, inaugura um novo ciclo, o dos projéteis. Se no passado, a saber, até há uma semana antes do sucedido, vigorava, com maestria, embora constantemente frustrada, nas diversas tentativas, o método do envenenamento, agora mudaram de método e de objeto, ainda que seja eu o objeto. Ora, ora, o meu organismos está cheio de venenos.
Por conseguinte, diria que seguindo este roteiro, imagino que estamos próximos de assistir à perpetração da carnificina, ainda que o real motivo seja o de eliminar uma única pessoa – eu.
Acelerar é preciso.
Para a efetiva realização do bem comum, bem como a plena satisfação das cidadãs e cidadãos nacionais, a verdade será fundamental para qualquer êxito que se queirar lograr. Mas ela não deve ser tida por absoluta sem prévia e minuciosa análise, para que se possa proceder à remoção do Câncer-PAI! Pai, afaste-se de nós!
O cálice do cale-se? Não. O refrão de fome? Não.
O PAI, escrevo o substantivo em maiúsculo para externar o quanto a admiração que causara em mim desde a tenra idade que minha mãe contava-me sobre ele.
O PAI domesticou-nos. E, assim, nós nos consentimos, mesmo na dor que deveras sentimos. Amém!
E, junto com ele, o Aleluia!
Apete-me dizer: ai, ai, ai, ó mestre, fazes-me ver vertigens. De que caminho me falas se é mesmo o Senhor que o obstruí? E isso até a última gota? Está a serviço doutra nação, ou doutras nações? Diga-nos, Ó PAI, queremos saber?
Caro leitor d’O Democrata, até a próxima, que o cronista precisa dormir para tentar esquecer o desassossego pátrio.
Bissau – NTin, Kundrsum e Wande -, 1-7 de dezembro de 2016.
Por: Jorge Otinta, poeta e ensaísta