segunda-feira, 12 de junho de 2017

Ex-futebolista luso-guineense: MIGUEL CONSIDERA A GUINÉ-BISSAU UM ‘DIAMANTE EM BRUTO’

[ENTREVISTA] O luso-guineense e ex-lateral direito do Benfica, da Valência e da seleção portuguesa, Luís Miguel Brito Garcia Monteiro (Miguel), considera a Guiné-Bissau um diamante em bruto e um país que precisa ser explorado da melhor maneira, porque tem um potencial enorme para se desenvolver com pessoas certas.
 
Na sua primeira vinda a terra natal dos seus pais, Miguel diz, numa entrevista concedida ao repórter do Jornal O Democrata, ter ficado com boa impressão da Guiné-Bissau, contrário da imagem que tinha do país no exterior, confessando que se sentiu enchido de orgulho e arrependido por não ter vindo antes ao país, assim como ficou surpreendido pela positiva.
 
Miguel não descartou a possibilidade de criar uma academia de futebol na Guiné-Bissau, mas realça que tem várias ideias na mente, talvez o investimento em futebol guineense seja uma delas.
 
Neste sentido, adianta que terá que falar com algumas pessoas para ver se este seria o rumo certo a tomar, rematando que se vier a acontecer seria um enorme orgulho para ele.

 O ex-atleta que agora colabora com grandes empresas nos negócios de jogadores, confessou não ter assistido jogo de nenhuma academia de Bissau, mesmo assim conseguiu notar da potencialidade futebolística de que o país dispõe, através dos miúdos que viu jogar no complexo do estádio Lino Correia, onde diz ter assistido miúdos com qualidades enormes a jogar de pés descalços, fato que diz já se ouvia falar, e que nunca tinha visto uma coisa parecida.
 
Miguel não esconde o seu sentimento de revolta em relação às condições dos espaços onde as crianças jogam que, segundo disse, se encontram cheio de pedras e garrafas. Por isso, apela aos dirigentes e responsáveis das crianças a melhorarem condições dos espaços para que os miúdos possam praticar futebol sem grandes riscos.
 
“Acho que aquelas não são as condições para as crianças jogarem a bola num espaço com pedras, vidros e garrafas, mas acho que os responsáveis por essas crianças deveriam ponderar e melhorar as condições do sítio onde os miúdos jogam para que possam fazer aquilo que mais gostam”, explica Miguel para de seguida acrescentar que as pessoas devem olhar também para as coisas básicas, onde apontou a Saúde e a Educação, como as áreas que deveriam ser vistas pelos dirigentes guineenses, porque no seu entendimento são sectores aquém do desejado.
 
O luso guineense disse ter a esperança de ver a Guiné-Bissau a dar um salto necessário rumo ao desenvolvimento, proporcionando melhores condições de vida aos seus cidadãos, porque merecem. Contudo, sublinha que tudo isso só será possível com ajuda recíproca de todos. Apesar de não querer abordar assuntos ligados à política com o repórter do Jornal O Democrata, Miguel deixa claro que não pode afastar de vista aquilo que os seus olhos veem.
 
“SOU DE ORIGEM GUINEENSE E DOS FAMILIARES CABO-VERDIANOS” – MIGUEL
 
Miguel desdramatiza a especulação quanto a sua origem. O antigo internacional afirma que seus pais nasceram e cresceram na Guiné-Bissau, mas que seus avos eram de origem cabo-verdiana que emigraram para a Guiné, por isso sempre deixou claro que ele é de descendência guineense, mas de familiares cabo-verdianos.
 
“Daí muita gente diz que sou cabo-verdiano e outros que sou guineense, mas a mim isso nunca me perturbou. Sempre fiz questão de esclarecer que sou de descendência guineense e dos familiares cabo-verdianos. Os meus pais nasceram e cresceram aqui na Guiné-Bissau. Agora aproveito esta minha primeira vinda para conhecer a terra dos meus pais, sempre disse que um dia viria conhecer a Guiné. Com muita pena ter vindo só agora”, lamenta.
 
As instabilidades políticas que o país tem vivido,constantemente, são um dos motivos que impossibilitaram o antigo lateral direito da seleção das ‘Quinas’ visitar a Guiné-Bissau. A esposa que é também da origem guineense ficava reticente com a vinda do ex-futebolista.
 
“A mulher sempre me desencorajou um pouco, apesar dela também ser guineense nascida em Portugal, em parte também entendi, porque estava no ativo e talvez não era oportuno ou o melhor momento, mas se fosse agora se calhar já teria vindo há muito tempo”, justifica Miguel.
 
Segundo Miguel Monteiro, a única coisa que lhe passava pela cabeça quando estava no ativo era jogar apenas o futebol, porque era o maior sonho que tinha, por isso decidiu jogar a todo o custo, independentemente da divisão e do clube ou seleção que podia representar.
 
“O objetivo era ser um profissional de futebol. E quando atingi as coisas foram-me acontecendo, tive a sorte de ser chamado para as seleções sub-16 e 18 de Portugal. A última foi campeã do Europeu na Suécia. Mais tarde representei Portugal no Torneio Sub-20 de Toulon em França. Depois do Toulon chamaram-me para o Europeu Sub-21 na Suíça. As coisas foram-me acontecendo sucessivamente, com muito empenho, trabalho e ajuda e quando dei por mim estava no Benfica, clube do meu pai e do meu coração. Foi um enorme prazer ter atingido esse grande sonho. Sonhava representar um grande clube, mas não esperava que fosse o clube do meu coração, como o Benfica durante aqueles anos”, explica.
 
DJALÓ LEVOU MIGUEL AO SPORTING E ABRIU-LHE A PORTA DO FUTEBOL
 
Miguel que ingressou na camada de formação do Sporting Clube de Portugal, através de um guineense que tratou de Djaló, cujo filho era colega do luso-guineense, mas que acabou por não prosseguir a sua careira futebolística.

 O atleta diz ter pouca ligação com os futebolistas guineenses da nova geração, mas enumerou alguns jogadores mais velhos que se conheceram, nomeadamente Almani Moreira (Canhucan)com quem conviveu mais tempo, também Edmilson (Lobo), assim como conheceu Ivanildo Soares Cassamá. Já na camada de formação do Sporting, Miguel lembrou-se do miúdo Nelito Gomes, que depois não conseguiu triunfar e Embaló que frequentou a formação nos leões na mesma época que Miguel.
 
O vice-campeão Europeu em 2004 pela seleção portuguesa, numa final perdida no Estádio da Luz frente à seleção da Grécia, disse que há muito que acompanha atividade dos ‘Djurtus’, lembrando na entrevista ao jornal O Democrata, a vitória da turma nacional sobre a seleção da Quénia por 1-0, no Estádio Lino Coreia, num jogo disputado em setembro de 2010, na altura os “Djurtus” eram comandados pelo técnico luso, Luís Norton de Matos.~
 
“Nós vivemos muito que se passa aqui, apesar de muita gente diz que eles nasceram na Europa, não são guineenses… mas nós vivemos as dores dos nossos pais. Quando soube que a Guiné-Bissau teve oportunidade de qualificar-se pela primeira vez para uma CAN, fiquei contente e orgulhoso, a torcer que isso acontecesse, felizmente aconteceu e foi com muito orgulho, não sei se muita gente sabe, foi motivo de muito orgulho para os guineenses espalhados pelo mundo, mesmo os tugas apoiaram os “Djurtus”.
 
Foi uma seleção que foi acarinhada e apoiada pelos países da língua portuguesa, como acontece quando joga Angola, Cabo Verde ou qualquer outro país lusófono”, realça.
 
Luís Miguel Brito Garcia Monteiro confessou que gostou do ambiente que viu e viveu no país até porque as férias de um mês que tinha passaram tão rápidas sem se dar conta. Por isso promete regressar, em “breve”, à Guiné-Bissau, porque nunca tinha pensado se aguentaria ficar um mês em Bissau.
 
MIGUEL CONSIDERA POSITIVA A PARTICIPAÇÃO DOS DJURTUS NA CAN’2017
 
Miguel considera boa a participação dos “Djurtus” na Copa Africana das Nações (CAN’2017), que decorreu em Gabão no mês de janeiro, acrescentando que faltou um pouco de experiência à seleção nacional, sobretudo no jogo contra os Camarões, mas admite que, no geral, deu uma nota positiva aos comandados do Baciro Candé.
 
O lateral favorito de Luiz Felipe Scolari na seleção lusa aconselhou aos dirigentes do futebol a continuarem a trabalhar para manter o nível atingido pelo país.
 
Sobre se há ou não a possibilidade de Bruma, Carlos Mané e outros jogadores luso-guineenses virem representar os “Djurtus”, Miguel disse que cabe aos jovens jogadores decidirem o melhor para eles, sublinhando que seria grande ajuda se optarem vir representar a Guiné-Bissau.
 
“Deixando patriotismo de lado, são dois grandes jogadores com enormes capacidades e acho que são jogadores mal aproveitados nos clubes onde jogam, sobretudo, Carlos Mané não foi bem aproveitado pelo Sporting, mas ele tem condições para dar muito mais aos leões.
 
Portanto se os dois decidirem representar a seleção da Guiné-Bissau seriam dois grandes reforços para os ‘Djurtus’, afirma o também ex-lateral direito do Valencia de Espanha.
 
Para Miguel, se o Bruma jogasse numa outra liga europeia que não fosse a turca, já estaria ou teria outras possibilidades de jogar na seleção de Portugal, revelando que muitas vezes não são os jogadores é que jogam e recorre a um ditado, “diga-me onde tu jogas e te chamo para a seleção”. O luso-guineense disse que a seleção lusa anda um pouco por este caminho, contudo diz ter diminuído com a entrada de Fernando Santos para o comando da turma das ‘Quinas’.
 
“SAÍ QUANDO TINHA QUE SAIR DO BENFICA” – MIGUEL
 
Sobre a sua saída do Benfica, Miguel diz ter saído quando tinha que sair dos encarnados, mas disse ser um pouco tarde, porque havia um ‘timing’ período onde havia muitos clubes interessados no seu serviço. Trata-se dos momentos depois do Euro’2004, mas os dirigentes do Benfica demonstraram interesse que ele continuasse no clube da Luz.
 
Para o atleta, o período pós-europeu 2004 seria o momento apropriado para sua saída, porque quer o Benfica quer o atleta todos sairiam a ganhar.

 No que tange a descriminação no futebol luso em relação aos futebolistas guineenses que nem sempre conseguem singrar-se nos clubes e na seleção local, Miguel disse que há muito que isto fora ultrapassado em Portugal e que atualmente é quase nula no desporto-rei português.
 
“Mas uma coisa é verdade, um jogador que vem de África sempre é visto de uma ou outra maneira, por exemplo, há sempre um ‘se’ atrás de um africano… Será que tem a idade que diz ter… Será que… sempre colocam um ‘se’ para os futebolistas africanos, até os jornalistas entram nisso. Muitas vezes aconselhei que deixassem destas coisas. Por isso, considero que há sim muita suspeição em relação aos jogadores africanos”, conta Miguel.
 
Miguel Monteiro considera que Portugal evoluiu bastante, e defende que muita coisa deve ser mudada, apontando a diversidade dos apresentadores nos canais televisivos como acontece em outros países do mundo.

 Miguel revela ainda que em Portugal, quando um negro faz sucesso não lhe dão o mesmo destaque que dão aos jogadores de pele branca.
 
Traz como exemplo do caso de luso-guineense, Nani, quando começou a aparecer no futebol luso. Isto em comparação com os negros que jogam na seleção brasileira, holandesa e francesa que mesmo sendo de peles escuras, merecem destaques e protagonismos iguais que os franceses brancos. O atleta disse que ele nota muito bem este fato, acreditando que muita gente constatou a mesma situação.
 
HÁ FATORES QUE INFLUENCIAM NO SUCESSO OU FRACASSO DOS JOGADORES GUINEENSES
 
Na visão de Miguel há um conjunto de fatores que podem influenciar em fracasso de muitos futebolistas guineenses, entre os quais mencionou a falta de sorte, acompanhamento por uma pessoa que lhes ajudam nos seus passos e nos seus relacionamentos. No seu caso em concreto diz tais fatores não influenciaram, por isso teve sorte de seguir em frente e conseguiu chegar ao topo.
 
“Atrás de um grande homem, há sempre uma grande mulher. Nós temos que ter a sorte de ter uma mulher que nos apoie, acompanhe e nos ajude a crescer mais e mais como jogador e como homem. Eu acho que tive esta sorte. E acredito que muitos jogadores guineenses não tiveram esta sorte de ter uma esposa ao seu lado para ajudar na sua afirmação, porque a qualidade não lhes falta para atingir o topo, o exemplo disto, dois grandes valores que estão a despontar e que são já uma afirmação Bruma e Carlos Mané, assim como o Edgar Ié que joga nos Belenenses e que está a fazer grandes exibições”, relata o ex-benfiquista.
 
Miguel acredita que Edgar Ié vai surpreender o mundo de futebol, admitindo ter acompanhado as exibições do também luso-guineense nos Belenenses e do internacional guineense, Abel Issa Camará.
 
Aconselhou José Gomes a trabalhar ainda mais, mesmo tendo a oportunidade de chegar a equipa principal do Benfica, feito que diz muitos não tiveram oportunidade de ter.
 
“Que continue a trabalhar com enfoque no objetivo, porque tem todas as condições para chegar ao topo, quando lá chegar seria um motivo de orgulho para sua família e para uma Nação, acredito que este é o desejo de todos os guineenses. A ver um dos seus filhos a levar o nome do país ao mais alto nível”, sublinha.

 Aplaudiu o rápido progresso do jovem nascido na Guiné-Bissau que, em apenas quatro anos, aos 17 anos de idade, chegou a equipa principal do Benfica. Para o ex-jogador esse feito pode ser bom, assim como pode virar contra o jogador, caso ele não focar no essencial e deixar para trás tudo que não é bom, esquecer-se das dextrações e tentações que, na sua opinião,existem na Europa.
 
O lateral diz ter guardado boas memórias da sua passagem pela seleção lusa, agradecendo ao Luiz Felipe Scolari que considera pessoa que lhe ajudou a melhorar bastante a sua forma de jogar, assim como deixou marcas na seleção lusa.

 Destacou a oportunidade que teve de chegar aos dois mundiais de Alemanha e da África do Sul com a seleção lusa em 2006 e 2010, respetivamente.

“A seleção acabou por ter sucesso recentemente em França, contra tudo e contra todos, conquistando o Europeu de Futebol”, nota.
 
MIGUEL FRATUROU DUAS COSTELAS NA FINAL DO EURO’2004 CONTRA A GRÉCIA
 
Afinal Miguel tinha fraturado duas costelas na final do euro’2004, por isso não podia continuar no jogo que o Portugal terminou perdido por 0-1 frente a seleção helénica.
 
“Para mim, já tinha chegado o fim do Europeu, mal podia respirar ou mesmo caminhar, infelizmente não tivemos sorte de ganhar, a Grécia foi única vez a nossa área e fez um golo, por isso a que dar parabéns mais uma vez como demos na altura à Grécia. É uma lembrança que vai ficar sempre na minha memória, era um dos grandes sonhos que tínhamos de conquistar o Euro”, recorda o luso-guineense.
 
Miguel diz ter oportunidade de ter sido orientado pelos grandes treinadores e jogar ao lado de grandes jogadores, assim como teve oportunidade de participar em grandes competições.
 
Sobre a lesão, Miguel disse que o jogador grego não lhe lesionou de propósito e esclarece que caiu e o atleta helénico caiu-lhe em cima das costelas e provocou fractura em duas delas.
 
Miguel deixou o futebol na equipa de valência de Espanha na época 2011/2012, esteve em França a convite da Federação Portuguesa de Futebol para assistir a final entre a seleção lusa e francesa, onde pela coincidência viu o jogador guineense Éder a apontar o golo da vitória portuguesa em solo francês e fez o momento único da história.
 
Por: Sene Camará
Fotos: SC
maio de 2017