[ENTREVISTA] O Secretário Executivo da Organização Não Governamental – Associação Guineense de Apoio ao Desenvolvimento das Iniciativas Comunitárias (ADIC – NAFAIA), Mama Samba Candé, advertiu às autoridades guineenses sobre a grande ameaça de fome que poderá vir a ser registada nos sectores de Pirada e Madina do Boé, devido à insuficiência da chuva. De acordo com ele, essa eventualidade causará enormes prejuízos aos produtores desses sectores que vivem essencialmente da produção agrícola.
Segundo a previsão meteorológica, haverá pouca chuva este ano. Ou seja, choverá normalmente apenas nos meses de Agosto e Setembro. Por essa razão, a sua organização tomou a iniciativa de aconselhar os produtores guineenses, em particular os da região de Gabú, a apostarem no cultivo de produtos do ciclo curto, como também na diversificação dos produtos agrícolas.
ADIC – NAFAIA é uma organização que opera na região de Gabú, no leste do país, há 17 anos. A organização opera em mais de 48 tabancas de diferentes sectores que compõem a aquela região, através de projectos do desenvolvimento comunitário.
ADIC – NAFAIA APOSTA NO DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO E CONCEDE CRÉDITO ÀS MULHERES
Mama Samba Candé explicou na entrevista concedida ao nosso semanário – O Democrata – que a sua organização presta apoios aos camponeses, como também às mulheres que trabalham no campo hortícola. Contou que cultivaram mais de 200 hectares de produção agrícola para apoiar a economia das mulheres, tendo lembrado que introduziram, em várias tabancas, grande número de unidades de transformação de cereais e construíram bancos de sementes.
Assegurou ainda que a crise política e governamental que se vive no país dificulta e limita o funcionamento das ONG’s. De momento, a sua organização executa apenas um projecto ligado à violência baseada no género. Avançou que no âmbito deste projecto trabalham com 75 grupos de mulheres no sector de Gabú e Madina de Boé e que 25 por cento das tabancas envolvidas no projecto são do sector de Boé.
Candé disse que o projecto executado neste momento conta com o apoio financeiro de uma organização italiana, que segundo ele, permitirá a dinamização das ações desenvolvidas pelos 75 grupos de auto-ajuda das mulheres. Acrescentou que um grupo de auto-ajuda é constituído entre 30 e até 100 mulheres. Feitas as contas, as mulheres beneficiárias deste projecto estimam-se em mais de mil pessoas.
“Auto-ajuda significa conceder apoios financeiros através de projectos de microcrédito destinados à comunidade. Os valores oscilam entre os 350 aos 500 euros e serve para a aquisição de ferramentas agrícolas. Adiantou que a ajuda depende sempre dos projectos definidos pela própria comunidade”. Entretanto, esclareceu que o fundo é reembolsável. Fez notar a possibilidade de, no futuro, o fundo passar a ser gerido pela própria comunidade.
Informou ainda que ajudam a comunidade na recuperação de bolanhas por meio de técnicas simples. Até esta data, conseguiram recuperar mais de 50 mil hectares de terras para a produção do arroz, tendo assegurado que para o referido projecto contam com o apoio de vários parceiros internacionais com meios que os permite trabalhar na recuperação das bolanhas.
Candé assegurou que desenvolvem projectos de microcréditos para ajudar as mulheres a fim de poderem fortalecer as suas actividades comerciais ou em outros sectores, para que possam trabalhar livremente e criar condições de sobrevivência.
“A nossa organização intervém ainda no sector de Contubuel, região de Bafatá, onde levamos as nossas ações de luta para o desenvolvimento comunitário e o combate a pobreza por meio de microcréditos concedidos especialmente às mulheres”, disse.
Interrogado sobre as áreas ou sectores em que ADIC-NAFAIA intervém para apoiar o desenvolvimento comunitário, respondeu que a organização que dirige desenvolve as suas ações nos diferentes sectores, porque a população enfrenta enormes dificuldades de vida em todos os domínios, por isso alargaram as suas ações para diferentes áreas.
“Nós intervimos nas seguintes áreas: Segurança Alimentar, produção agrícola, saúde reprodutiva, conservação de meio ambiente, promoção da defesa dos direitos das mulheres e crianças e não só, como também ajudamos as mulheres com a iniciativa de microcréditos para desenvolverem as suas actividades”, notou.
‘CRISE POLÍTICA DIFICULTA TRABALHOS DE APOIO À SEGURANÇA ALIMENTAR EM GABÚ’
O Secretário Executivo da ONG ADIC – NAFAIA, explicou durante a entrevista ao Jornal O Democrata que a região de Gabú enfrenta graves problemas de segurança alimentar, sobretudo os sectores de Pirada e de Madina do Boé. De acordo com ele, esses setores merecem certa atenção em termos de apoios. Acrescentou neste particular que o sector de Pirada depara-se com problemas de seca, o que dificulta os trabalhos dos produtores.
“A instabilidade política que assola o país dificulta o nosso trabalho, sobretudo na mobilização de fundos juntos dos parceiros para a implementação de projectos. Temos projectos de apoio à produção agrícola com o intuito de fazer face a questão da segurança alimentar, mas a questão da instabilidade política levou-nos a ficar parados, sem poder fazer nada” lamentou.
Recordou neste particular que no passado desenvolveram várias actividades no concernente ao projecto de segurança alimentar, desde formação sobre a utilização de diferentes alimentos, entre outros.
Solicitado a pronunciar-se sobre as acções concretas a serem feitas para apoiar os sectores de Pirada e Boé, que são considerados os mais afectados em termos de segurança alimentar, informou que de momento o executivo central levou para os produtores de Boé várias sementes agrícolas.
Adiantou que o governo fez deslocar máquinas de lavouras para aquele sector a fim de ajudar os produtores. Contudo, sublinhou que a iniciativa das autoridades visa acabar com a prática de cortes das matas para a produção de arroz e outros cereais, dado que se trata de uma zona reservada. Por isso o executivo enviou máquinas para apoiar no trabalho das bolanhas.
Assegurou que o sector de Pirada não teve ainda a mesma sorte. Ainda não beneficiou de apoios, pelo que os camponeses ficaram todos parados, sem saber o que fazer para enfrentar as dificuldades.
“Os camponeses tinham as sementes no passado, mas como a chuva parou muito cedo, acabaram por usar alguns para a sua sobrevivência. Muitos estragaram-se. Estamos a espera de ajuda em sementes da parte do governo, de forma a poder salvar aquela população da fome. Cada dia recebemos muitos telefonemas de produtores que solicitam as sementes. Já vamos no mês de junho. Por isso, daqui a 10 ou 20 dias, se as sementes de milho, mancarra, algodão e arroz não forem cultivados, terão problemas e não conseguirão obter os rendimentos que esperariam. Essa situação causará problemas de fome”, advertiu.
Adiantou ainda que muita gente pode pensar que talvez, por causa da boa comercialização da castanha de caju, as pessoas não precisam trabalhar os campos. Porém, afirmou, é engano pensar que, de momento, apenas com a castanha de caju os camponeses podem garantir a sobrevivência. No entanto, apelou às autoridades no sentido de conceder apoio em sementes aos produtores de sector de Pirada bem como aos produtores de outras localidades que precisem.
Mama Samba Candé assegurou que é preciso levar a sério a previsão metrológica que informa que choverá suficientemente apenas dois meses (Agosto e Setembro), por isso aconselhou os agricultores a apostarem seriamente na produção de sementes de ciclo curto.
“Se vai chover suficientemente apenas durante dois meses, ou seja, 60 dias, isso é muito prejudicial para os camponeses, porque há culturas de 120 e 130 dias. Por isso é que estamos a apostar na sensibilização dos produtores no sentido de diversificarem os seus produtos agrícolas, sobretudo que cultivem os produtos de curta duração em termos de ciclos. Podem cultivar os seguintes produtos: mandioca, feijão, batata-doce, milho. Esses são os produtos nos quais devemos apostar por causa de ameaças de chuva. Já perdemos os meses de Maio e Junho. É preciso flexibilidade da parte dos produtores”, precisou.
CANDÉ: “POPULARES DE PIRADA USAM CAVALOS E BURROS PARA PUXAR A ÁGUA DO POÇO”
Relativamente à questão da defesa do meio ambiente levada a cabo pela sua organização,o que a permitiu participar na Conferência de COP’22 em Marrocos, Mama Samba Candé disse que actualmente a situação do meio ambiente na região de Gabú é uma catástrofe, devido a devastação das florestas realizada naquela região à procura de madeiras que as pessoas tinham como ouro ou petróleo.
“Se visitarmos o corredor de Gã-Kalefa, Buruntuma, como também nas zonas do sector de Pirada, desde as matas de Paúnca e Sare Bacar, ficaremos surpreendidos. Estão devastadas à procura de madeiras. Havia uma serração de madeira que se encontrava na aldeia de Mafanco, outra na zona de Gandjufa. A zona de corte destas serrações era nas matas das aldeias de Gã-Kalifa e Gandjufa. Por isso acabaram por prejudicar muito aquelas aldeias. As referidas zonas estão ameaçadas de seca. Até os donos de gado têm dificuldades em encontrar comida para os seus animais. Acabam por deslocar-se para zonas mais húmidas”, contou.
Revelou neste particular que há sinais claros de seca no sector de Pirada e que começou a criar já algumas dificuldades na vida das populações, tendo frisado que Pirada é mais afectada.
“Em Pirada, é preciso cavar a uma profundidade de 70 ou 80 metros para alcançar água nos poços tradicionais. As abelhas brigam com as pessoas no poço por causa da água. Nestes poços as pessoas usam cavalos e burros para puxar água através de uma corda atada no pescoço dos referidos animais” explicou, para de seguida avançar que a seca naquele sector agravou-se mais por causa dos cortes das matas.
Questionado sobre as acções levadas a cabo pela sua organização para apoiar a população que sofre de seca, respondeu que recentemente estavam a executar um projecto da iniciativa de adaptação climática, mas alega a falta do tempo suficiente para fazer um trabalho de base sobre os efeitos causados pela seca. Acrescentou ainda que o executivo guineense precisa de trabalhar num projecto de 10 a 15 anos para formar as pessoas sobre a educação ambiental, porque se trata da mudança do comportamento das pessoas sobre uma determinada matéria.
Sobre as iniciativas que devem ser levadas ao cabo a curto e médio prazos para estancar a seca, Mama Samba Candé explicou que a curto prazo é preciso concentrar nos trabalhos de sensibilização da comunidade. Alertou que para isso, deve-se envolver os órgãos da comunicação social que desempenharão um papel importante na sensibilização das populações sobre educação ambiental.
Defendeu ainda o apoio das organizações nacionais que operam no terreno, de forma a poderem ajudar na execução dos projectos desenvolvidos pelo Governo. Adiantou, no entanto, que as ONG’s terão um papel crucial a desempenhar no concernente a sensibilização da comunidade sobre a diversificação da produção agrícola, como também mobilizar as populações para apostarem na produção de sementes do ciclo curto.
Indagado se a execução de projecto no sector de Boé não é ‘suicídio’ como alegam algumas organizações devido a situação daquele sector, reconheceu que há dificuldades enfrentadas em particular no que concerne às vias rodoviárias. Mas assegurou que as dificuldades não podem impedi-los de trabalhar, ou melhor, de socorrer aquela população que diz precisa de tudo.
Candé disse que os projectos executados naquele sector contribuíram muito na mudança da mentalidade dos populares sobre a saúde sexual, porque “como se sabe aquela zona está totalmente isolada. Nem conseguimos ouvir as rádios do país. Decidimos levar esse projecto que estamos executar neste momento para aquelas populações”.
“População de Boé beneficiou de vários projectos executados pela nossa organização, por isso também estão a beneficiar do projecto de microcrédito e de acompanhamento de saúde. Técnicos de saúde deslocavam-se ao sector para ver a situação clínica das mulheres gravidas. Comprava-se medicamentos para apoiar a população, através das unidades de saúde daquela zona”, notou.
Em relação a implementação dos projectos no sector de Gabú, informou que a sua organização trabalha em 35 tabancas que constituem o sector, como também em quatro areas sanitárias. Afiançou ainda que as actividades da sua organização são muito bem acolhidas pela população daquele sector, bem como pelos habitantes da cidade de Gabú.
POBREZA LEVA PAIS A ENVIAR CRIANÇAS PARA PEDIR ESMOLA NAS RUAS COMO TALIBÉS
Relativamente a situação das crianças talibés que é vista a circular um pouco por toda a cidade de Gabú, explicou que a questão das crianças talibés é um assunto que merece muita preocupação da ONG ADIC – NAFAIA, pelo que desencadeia actividades de sensibilização junto das comunidades no sentido de acabar com a referida prática.
“Fizemos um trabalho com imames, régulos e líderes de opiniões no sentido de estancar o hábito de enviar crianças para apreender os ensinamentos corânicos, porque as crianças acabam por ficar nas ruas a pedir esmola. Criamos escolas comunitárias geridas pelas próprias populações, fizemos igualmente a fusão entre a escola madraça e escola oficial. A ideia é permitir às crianças não ficar apenas no ensino corânico, mas também podem apreender os dois ensinos ao mesmo tempo”, contou.
Adiantou que as experiências feitas em algumas aldeias deram certo e as crianças demostravam a vontade de encarar a escola de manhã e a tarde, portanto os próprios pais e encarregados da educação incentivavam as crianças. Sublinhou que o projecto contava com o apoio da organização holandesa SNV, mas lamentou falta de apoios para prosseguir com o projecto.
Lamentou, no entanto, a falta de preocupação do Estado da Guiné-Bissau sobre a problemática da criança talibé, que segundo ele, é uma situação que as autoridades não deveriam deixar apenas nas mãos das ONG’s, porque é futuro das crianças que estão em causa.
“Há uma situação que descobrimos aqui e que é muito lamentável… vê-se aqui nas ruas crianças a pedirem esmola com latas nas mãos e descalças. Dá a impressão que são crianças talibés. Descobrimos aqui um número significaito de crianças a pedir esmola para as suas famílias, para poderem obter alguma coisa para sobreviver, por culpa da pobreza. Essas crianças apresentam-se como talibés, com roupas sujas e andam descalças! Não se apresentam com roupa suja e descalças, apenas para se parecerem com crianças talibés, não… eles não têm mesmo nada, são pessoas que vivem na extrema pobreza”, afirmou.
Afiançou que conseguiram identificar as famílias que enviaram crianças para pedir esmola nas ruas de Gabú, tendo avançado que a sua organização aconselha os pais várias vezes para deixar a referida prática, mas a situação da pobreza faz com que os pais e encarregados de educação enviem as crianças frequentemente para pedir esmola.
Reconheceu que a crise política que se vive no país dificulta os trabalhos das ONG’s que podiam ajudar no desenvolvimento comunitário, ou melhor, ajudar na diminuição da pobreza no seio das populações. Contudo, frisou que as dificuldades enfrentadas pelas ONG’s não têm a ver apenas com a instabilidade política, mas também com a crise mundial em termos das ondas de emigração clandestina que se regista todos os dias para a Europa.
“Regista-se todos os dias a entrada de centenas de emigrantes clandestinos para a Europa. No entanto, essa situação passou a ser a maior preocupação dos doadores que apoiavam as organizações dos países pobres para combater a pobreza. Agora estão mais voltadas a apoiar na alimentação e enquadramentos dos emigrantes no velho continente”, disse.
Mama Samba Candé revelou ainda que a região de Gabú também é vítima da imigração, dado que muitos jovens conacri-guineenses e de outras nacionalidades procuram a cidade de Gabú como um trampolim para tentar a vida bem como obter documentos que os permitem prosseguir a viagem clandestina para a Europa.
Por: Assana Sambú
Foto: AS
Junho de 2017