Após um longo período de acalmia, o conflito de Casamansa com quase 35 anos, desde o seu início em Dezembro de 1982, voltou recentemente a conhecer atos de violência. O conflito de Casamansa é um conflito armado de secessão, em que o Movimento das Forças Democráticas de Casamansa (MFDC) reivindica a independência de Casamansa, situada no sul do Senegal (Ver mapa do Senegal). Os fundamentos são de que esta região não pertencia o território do Senegal colónia francesa e foi indevidamente anexada por Senegal, aquando de sua independência em 1960; e, por outro lado, os casamansenses foram marginalizados dos benefícios económicos e sociais que são desviados para o centro de Dakar e dos postos da Administração local. Casamansa é a região do Senegal com mais recursos naturais: agricultura, pesca e turismo e recursos minerais como o ouro cinzento explorado pelos ganeses, o jazigo de ferro e o petróleo off shore ao largo de sua costa. É considerada “celeiro” do Senegal, assegura 50% da produção total do arroz do Senegal e das principais mercadorias de exportação. Mas na verdade, é visível o contraste entre os recursos da região e a pobreza da população local. Casamansa fica perto da fronteira ao norte da Guiné-Bissau, mais concretamente da região de Cacheu e ao sul da Gâmbia.
O conflito de Casamansa é considerado low-intensity conflict (conflito de baixa intensidade), porque os confrontos armados não têm sido intensos e contínuos, mas esporádicos com longos períodos de acalmia, numa situação de nem paz, nem guerra. Porém, é mortífero e até esta data já fez mais de 5.000 vítimas mortais, incluindo as vítimas de minas antipessoais e anticarros. Os confrontos armados entre o MFDC e as Forças Armadas senegalesas e os ataques dos guerrilheiros do MFDC a determinados alvos são sempre mortíferos, tanto na Frente Norte, sob o comando de César Atoute Badiate e na Frente Sul, sob o comando de Salif Sadio.
No passado dia 06/01, 13 jovens casamansenses foram mortos e 9 feridos por homens armados não identificados, mas que se presume serem do MFDC, quando foram fazer cortes de madeiras na floresta em Bourafaye, no departamento de Niaguis à 20 km de Ziguinchor, perto da fronteira com a Guiné-Bissau. Consta que esses jovens ultrapassaram a zona tampão que separa as posições do exército senegalês das dos combatentes do MFDC. Dentre os 13 mortos, 3 eram guineenses.
A floresta dos Baiotes na margem esquerda do rio Senegal é uma das bases dos combatentes do MFDC, normalmente designado “Le front dormant” (Frente adormecida). A penetração das pessoas nas zonas florestais controladas pelo MFDC sempre tem seus riscos, muitas vezes desconhecidos pela população que vive numa situação de aparente acalmia. Esses riscos são maiores quando a intenção seja de exploração dos recursos. Pois, os guerrilheiros do MFDC asseguram a sua subsistência com a exploração e contrabandos de produtos locais, como a madeira, a castanha de caju e a canábis para o centro de Dakar, Gâmbia e Guiné-Bissau. Em Balantacounda e Bignona a exploração da castanha de caju tem sido a principal atividade dos rebeldes do MFDC. No passado, houve incidentes em várias vilas de Casamansa, entre os guerrilheiros do MFDC e os militares senegaleses para o controlo da colheita da castanha de caju. Em 2011, em Diagnon, uma vila situada na região de Dakar, os cortadores de madeira foram mortos por pessoas armadas.
Diante desta recente tragédia de perdas de vidas humanas, o Presidente do Senegal, Macky Sall condenou o ato e deu ordens para que os autores deste bárbaro crime sejam procurados e traduzidos à justiça. Esta posição do Presidente é um discurso político para dar satisfação à sociedade e às famílias das vítimas de que algo será feito. Contudo, a traduzir-se na prática, seria caso para “confrontos armados” entre os guerrilheiros do MFDC e os elementos das Forças Armadas senegalesas. A anunciada “operação de grande envergadura,” a ser desencadeada em Casamansa pelas forças governamentais senegalesas, para a busca e captura dos criminosos, não deve extravasar para o território da Guiné-Bissau, sob pena de violação da fronteira. O MFDC não assumiu a autoria do crime, condenou o ato e declarou-se aberto à negociação para a paz definitiva em Casamansa. Mas será que esta é a posição corroborada por todas as fações do MFDC, ou apenas pela fação moderada?
O MFDC está dividido em várias fações, donde se destacam duas: uma liderada por Salif Sadio, considerada fação dura, com base em Tambaff, perto da fronteira com a Gâmbia e outra considerada moderada, sob liderança de César Atoute Badiate, com base em Cassolol, perto da fronteira com a Guiné-Bissau. Assim sendo, com quem negociar, com uma das fações ou com todas as fações juntas?
É evidente, que a retoma das negociações pelo Estado senegalês com o MFDC deve ser encarada na ótica do envolvimento de todas as fações e com apenas um interlocutor, para que os resultados possam engajar todo o movimento e não apenas uma fação. Pois, o processo de paz foi iniciado desde os anos 1990, já contou com a mediação de vários intervenientes, donde se destacam: Guiné-Bissau, Gâmbia e nos últimos anos, a Comunidade de Sant’Egidio. Desde 1991 a esta parte, 5 acordos de paz foram assinados entre o Governo senegalês e o MFDC, facilitados pelas partes intervenientes, mas nenhum foi consensual no seio do movimento provocando divisão em fações. A negociação entre o Governo senegalês e o MFDC facilitada pela Comunidade de Sant’Egidio, em 2012, teve como agenda principal a libertação dos prisioneiros das forças governamentais, envolvendo apenas uma das fações, a liderada por Salif Sadio. Portanto, não basta o Presidente senegalês, Macky Sall declarar-se aberto ao diálogo para a paz definitiva, como fez no discurso do fim de ano, mas é preciso trabalhar para ter apenas um interlocutor no MFDC e uma mediação isenta, evitando as fragilidades dos vários acordos de paz fracassados no passado. Por outro lado, as negociações para a paz devem incidir sobre uma agenda global, para a discussão das causas principais do conflito e as medidas consensuais de sua resolução, para uma paz duradoura.
Este prolongado conflito só tende a aumentar os distúrbios e o número de vítimas mortais e de feridos. Não obstante ser considerado um conflito de baixa intensidade, tem havido vários confrontos entre as partes beligerantes, donde se destacam: confrontos entre os Jambars (tropas senegalesas) e Atika (combatentes do MFDC), em Séléky (1990); Kaguit (1992); Badonda (1995), onde resultaram na morte de 20 soldados das forças governamentais; Mandina Mancanha (1997), com 25 mortos; confrontos entre os Jambars e os guerrilheiros da Frente Sul, ao longo da fronteira com a Guiné-Bissau (1992-2000); na fronteira com a Gâmbia (2006-2009) e em muitas outras localidades onde são incontáveis os números de vítimas.
As zonas de conflito são Ziguinchor e Kolda e os aquartelamentos militares estão próximos às bases dos rebeldes do MFDC, perto da fronteira com a Guiné-Bissau, em Santhiaba (M’Pack, Youtou e Manjaco) e em direção à Oussouye e Cap Skirring e outros próximos à fronteira com a Gâmbia (Banjul e Bignona), constituindo uma espécie de cerco, com exceção das zonas florestais onde não foram criadas por causa das minas.
As Forças Armadas senegalesas tinham 5.000 a 8.000 homens em Casamansa que fazem parte da Gendarmaria e integram grupos móveis de intervenção (GMI), número superior ao dos guerrilheiros do MFDC, que varia entre 4.000 a 5.000 homens, conforme o geógrafo e investigador francês, Jean-Claude Marut, na sua obra intitulada Le conflit de Casamance: Ce que disent les armes (2010). Estes números mantêm-se estáveis à data presente, sendo que a superioridade numérica das forças governamentais não constitui ameaça aos combatentes do Movimento das Forças Democráticas de Casamansa e vice-versa. Os confrontos armados ao longo do tempo, sempre resultaram em vítimas de ambas as partes. Pois, se por um lado, as Forças Armadas senegalesas contam com o profissionalismo e a formação, por outro lado, os combatentes do MFDC contam com as experiências de guerrilha e material bélico moderno, deixando para trás arcos, flechas e catanas, utilizados no início do conflito.
Apesar de ser um conflito de “baixa intensidade” o conflito de Casamansa é violento e tem efeitos transfronteiriços que põem em causa a segurança das zonas fronteiriças da Guiné-Bissau e da Gâmbia, constituindo ameaça à segurança da Senegâmbia e da sub-região da África Ocidental de uma maneira geral. Por isso, a paz e a estabilidade das fronteiras são imperativos que os incidentes e os confrontos armados insistem em atrapalhar.
Por: Antonieta Rosa Gomes,
Doutora em Estudos Africanos, pelo ISCTE- Instituto Universitário de Lisboa, Investigadora do Centro de Estudos Internacionais (CEI-IUL).
Advogada e Ex-professora da Faculdade de Direito de Bissau