O secretário-geral da UNITA classificou como uma “chacina” os recentes confrontos entre membros de uma seita religiosa e efectivos da Polícia, no Huambo. O regime fala em 13 civis mortos, a população em mais de 700.
Orlando Castro
Em marcha parece estar uma reedição do que se passou em 1992, ou seja, recorde-se, o massacre de Luanda, perpetrado pelas forças militares e de defesa civil do MPLA, visando o aniquilamento da UNITA e de cidadãos Ovimbundus e Bakongos, e que se saldou no assassinato de 50 mil angolanos, entre os quais o vice-presidente da UNITA, Jeremias Kalandula Chitunda, o secretário-geral, Adolosi Paulo Mango Alicerces, o representante na CCPM, Elias Salupeto Pena, e o chefe dos Serviços Administrativos em Luanda, Eliseu Sapitango Chimbili.
A posição contra esta “chacina” no Huambo foi assumida por Vitorino Nhany, em conferência de imprensa realizada em Luanda, convocada para abordar os acontecimentos à volta de seita religiosa “A Luz do Mundo”, também conhecida por Kalupeteca, nome do seu líder.
Uma delegação de deputados da UNITA, limitada nos seus movimentos e controlado por efectivos do regime, está desde hoje naquela província, para confrontar as famílias enlutadas com as informações oficiais.
Em causa está, segundo a versão oficial, a morte de nove polícias e de 13 elementos da seita religiosa, a 16 de Abril, no município da Caála. Os agentes, na versão policial, entraram em confronto na tentativa de capturar Julino Kalupeteca, líder da seita, ilegal e que advoga o fim do mundo em 2015.
“O que se passa na província do Huambo é um autêntico terror, uma chacina, um genocídio, o que é condenável a todos os títulos”, referiu Vitorino Nhany, comentando informações da população local que apontam para a alegada morte de mais de 700 pessoas, versão negada pela polícia.
“Só uma investigação séria e isenta poderá determinar os factos que realmente terão ocorrido na Serra do Sumi na passada semana”, disse ainda o político da UNITA.
Em comunicado, o Governo Provincial do Huambo acusou terça-feira a UNITA de ter orquestrado um plano político para ser executado pela seita “A Luz do Mundo”.
No documento, as autoridades provinciais referem que o plano “com muitos traços que identificam a actuação política da UNITA” tinha como objectivo levar as populações a abandonarem as suas residências, para se fixarem nas matas, sobretudo nas ex-bases militares daquela força política.
O governo do Huambo afirma ainda que no âmbito do mandado de captura, emitido pela Procuradoria-Geral da República, as autoridades encontraram no morro do Sumé – local do acampamento da seita – “muito material de propaganda da UNITA, incluindo cartões de membros dessa organização, recentemente emitidos e assinados pelo seu secretário provincial, Liberty Chiyaka”.
A direcção do partido liderado por Isaías Samakuva manifestou mesmo “revolta pelas tentativas de envolvimento do nome da UNITA numa situação que nada tem a ver com ela”, considerando-as “irresponsáveis, descontextualizadas e imbuídas de má-fé”.
Como aqui foi escrito no passado dia 18, o MPLA volta a pôr na rua o fantasma da guerra civil e do terrorismo, justificando assim a reedição de uma nova limpeza étnica. Goza, aliás, do beneplácito de estar no Conselho de Segurança da ONU onde, aliás, conta com o férreo apoio de dois velhos e queridos amigos, a Rússia e a China.
“Os dados até agora recolhidos permitem facilmente concluir que por detrás destes factos estão outras forças, que pretendem criar condições para um retorno a situações de perturbação generalizada, que não poderão ser toleradas”, afirma o Bureau Político do Comité Central do MPLA, liderado por José Eduardo dos Santos.
Embora – como é hábito nos que são fortes com os fracos e fraquinhos com os fortes – o partido dirigido por José Eduardo dos Santos recorda que “estes actos bárbaros” foram concretizados “com armas de fogo” que “ilegalmente” estavam na posse de pessoas que “pretendem alterar a ordem pública em Angola”.
Para “estancar esse tipo de acções criminosas”, o MPLA exorta a Polícia Nacional e “todos os órgãos de Defesa, Segurança e de Justiça” a tomarem medidas “que conduzam à responsabilização dos desordeiros”, apelando ainda às populações “a não segui-los, a manterem vigilância cerrada sobre eles e a denunciá-los, quando estejam a preparar acções subversivas”.
Previsivelmente, na óptica do regime, estes actos bárbaros são o prenúncio do regresso à guerra civil pelo que o melhor será certamente decretar a ilegalização de todos os partidos da oposição, regressar ao partido único, e prender – ou até matar – os responsáveis das tais “outras forças”, começando por Isaías Samakuva.
O Ministério do Interior de Angola já exigiu que “os autores deste crime hediondo” sejam “levados à barra dos tribunais” e “exemplarmente punidos”, exortando a polícia para uma “resposta firme a todos quantos enveredem por este tipo de conduta, bem como aos eventuais instigadores de ignóbeis acções desta natureza”.
Razão tinha, e pelos vistos continua a ter, Kundi Paihama (por sinal governador do Huambo) quando explicou ao país que os antigos militares do MPLA, “se têm armas”, não é para “fazer mal a ninguém” mas sim “para ir à caça”. Já quanto aos outros…
Quanto aos antigos militares da UNITA, que o governador do Huambo (Kundy Paihama ) não considera angolanos, de há muito que a versão ortodoxa do regime aponta para a sua execução.
Poderá assim estar em marcha o plano do MPLA para consubstanciar uma insurreição a nível nacional, tipo Líbia, Egipto e Tunísia, sendo as províncias de Luanda, Huambo, Huíla, Benguela e Uíge as visadas.
Sempre que no horizonte se vislumbra, mesmo que seja uma hipótese remota, a possibilidade de alguma mudança, o regime dá logo sinais preocupantes quanto ao medo de perder o poder. Este caso da Kalupeteca parece ser o mote ideal, segundo a óptica norte-coreana do regime.
Para além do domínio quase total dos meios mediáticos, tanto nacionais como estrangeiros, o regime aposta forte numa estratégia que tem dado bons resultados. Isto é, no clima de terror e de intimidação.
Recorde-se que, por exemplo, no início de 2008, notícias estrategicamente veiculadas pelo regime diziam que, no Moxico, “indivíduos alegadamente nativos criaram um corpo militar que diz lutar pela independência”.
Hoje confirma-se que todos aqueles que têm, tiveram, ou pensam ter qualquer tipo de armas são terroristas da UNITA.
E, na ausência de melhor motivo para aniquilar os adversários que, segundo o regime, são isso sim inimigos, o MPLA poderá sempre jogar a cartada, tão do agrado das potências internacionais que incendeiam muitos países africanos, de que há o perigo de terrorismo, de guerra civil.
Se no passado, pelo sim e pelo não, falaram de gente armada no Moxico, hoje falam do Huambo e amanhã do Bié.
Kundy Paihama, um dos maiores especialistas de Eduardo dos Santos nesta matéria, não tardará a redescobrir mais uns tantos exércitos espalhados pelas terras onde a UNITA tem mais influência política, para além de já ter dito que quem falar contra o MPLA vai para a cadeia, certamente comer farelo.
Tal como mandam os manuais, o MPLA começa a subir o dramatismo para, paralelamente às enxurradas de propaganda, prevenir os angolanos de que sem ele será o fim do mundo.
Além disso, nos areópagos internacionais vai deixando a mensagem de que ainda existem por todo o país bandos armados que precisam de ser neutralizados.
Aliás, como também dizem os manuais marxistas, se for preciso o MPLA até sabe como armar uns tantos dos seus “paihamas” para criar a confusão mais útil. E, como também todos sabemos, em caso de dúvida a UNITA será culpada até prova em contrário.
Numa entrevista à LAC – Luanda Antena Comercial, no dia 12 de Fevereiro de 2008, o então ministro da Defesa, Kundy Paihama, levantou a suspeita de que a UNITA mantinha armas escondidas e que alguns dos seus dirigentes tinham o objectivo de voltar à guerra. Nesse entrevista disse textualmente: “Ainda hoje se está a descobrir esconderijos de armas”.
O regime reedita agora, obviamente numa versão acrescentada e melhorada, as linhas estratégicas de um documento datado de 20 de Março de 2008, então elaborado pelos Serviços Internos de Informação, SINFO.
Na cruzada actual, como nas anteriores, estão os turcos do regime: Kundy Pahiama, Dino Matross, Bento Bento, Kwata Kanawa e Kopelipa com os meios de comunicação do Estado.
“A situação interna não transparece em bons augúrios para o MPLA, devido a várias manobras propagandísticas por parte dos partidos da oposição e de cidadãos independentes apostados em incriminar o Partido no Poder para fazer vingar as suas posições mercenárias junto da população civil e das chancelarias e comunidade internacional”, lia-se na versão de 2008 do documento do SINFO que, como reedita hoje, propunha o seguinte plano operacional:
1- Iniciar de imediato uma onda propagandística sobre a UNITA e os seus dirigentes nos órgãos de comunicação social, relacionados com a descoberta de novos paióis de armamento nas províncias e denegrir a imagem de dirigentes da oposição como Abel Chivukuvuku, Alcides Sakala e Isaías Samakuva, com notícias com carácter escandaloso como contas bancárias no exterior, contactos com serviços secretos estrangeiros e também de espancamento de mulheres e crianças junto do núcleo familiar destes mercenários oposicionistas.
2- Avançar com processos criminais sob denúncia de elementos da população que podem compreender acusações de violações de menores, tráfico de influências em negócios ilegais e transacção ilegal de diamantes.
3- Aumentar a vigilância pessoal sobre os dirigentes da cúpula da UNITA e as escutas telefónicas em curso desde o nosso Departamento de Comunicações e reactivar as células-mortas de informadores no interior do Galo Negro sendo para isso necessário um plafond financeiro urgente.
4- Expulsar do território nacional, pelo menos seis ONG já identificadas em relatórios anteriores por manterem contactos em Luanda e nas capitais provinciais com elementos conotados com a cúpula da UNITA.
5- Reactivar as Brigadas Populares de Vigilância nos bairros de Luanda e nas capitais provinciais em acto paralelo com a distribuição de armamento ligeiro aos seus efectivos para defesa da população civil.”
Afinal, na História recente (desde 1975) do regime angolano, nada se perde e tudo se transforma para que os mesmos continuem a ser donos do poder e, é claro, de Angola.
Com esta avalanche de contra-informação e com a consequente caça às bruxas que já decorre o regime prepara-se para pela força justificar uma purga ou limpeza étnica, até mesmo – como aconteceu a 27 de Maio de 1977 – dentro do próprio MPLA onde, apesar do medo, começam a aparecer algumas importantes vozes a discordar do dono do país.
E se os acontecimentos de 27 de Maio de 1977, que provocaram milhares de mortos, foram o resultado de uma provocação, longa e pacientemente planeada, tendo como responsável máximo Agostinho Neto, que temia perder o poder, será que o actual “querido líder” está, ou teme vir a estar, na mesma posição?
Será que, como há 38 anos, Angola tem algum Nito Alves, ministro ou não, político ou não, chefe militar ou não, disposto a protestar contra o rumo despótico do MPLA?
E se tem, voltaremos a ter, tal como em 12 de Julho de 1977, uma declaração oficial do Bureau Político do MPLA a falar de uma “tentativa de golpe de Estado”?
Folha 8 (ao)