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Comecemos por fazer o ponto da situação.
Em 16 de Abril deste ano, sete polícias da Polícia Nacional de Angola (PNA), com patente, foram barbaramente assassinados por fiéis da seita Sétimo Dia a Luz do Mundo, em condições ainda hoje não esclarecidas. Além disso, dois outros polícias morreram dos seus ferimentos alguns dias depois.
Esta tragédia aconteceu no Monte Sumi localizado a 25 quilómetros da cidade de Caála, na província do Huambo, sul de Angola. Nesse local tinham-se reunido em um acampamento improvisado mais de 3.000 fiéis da referida seita, também conhecida pelo nome do seu líder supremo, o “profeta Kalupeteka” que, entre outras ideias esquisitas, incitava vivamente os seus seguidores a deixar as suas casas e a segui-lo e a recusar qualquer forma de vacinação, fazendo notar que não valia a pena, porque o fim do mundo, terá lugar o mais tardar no final de 2015.
E assim tinham feito os que ali estavam no Monte Sumi, acampados em condições precárias, a “comer verduras” enquanto esperavam calma e religiosamente o fim do mundo.
O profeta tinha calcado o risco. Um mandado de prisão foi emitido em seu nome e a PNA tinha-se deslocado ao simbólico mas verdadeiro lugar do culto para o prender e encarcerar.
Não vamos repetir aqui o que dizem as várias versões sobre o caso, apenas aludiremos à relação oficial que anuncia que nove polícias foram assassinados perto da cidade da Caála, ao que se junta uma referência lacónica à resposta imediata das forças policiais apoiadas pelas Forças Armadas Angolanas (FAA).
De facto, não obstante essas notícias terem revelado que a operação foi muito musculada, elas não mencionavam o número de mortos do lado dos fiéis. De início não havia mortos, depois eram 13, enfim, passaram a ser 20 vítimas, escolhidas a dedo por terem participado directamente no assassinato dos polícias.
À parte este não relato dos acontecimentos, a mídia estatal apenas anunciou que o profeta Kalupeteka foi preso com seu filho e alguns dos seus seguidores. Nada mais, nem mesmo disse que o estado de sítio tinha sido declarado na região.
O que fica da versão da PNA
Vamos esquecer, até mais ampla informação, a versão não oficial, que indica ter havido genocídio, poremos tudo em dúvida. Mas não podemos calar que durante 12 dias foi decretado um black-out total na região.
Isso é um facto indesmentível. Toda a zona do culto, monte do Sumi onde decorreu o drama e matas adjacentes, foram declaradas “Zona Militar”, onde ninguém tinha o direito de entrar, ninguém tinha o direito de sair. A rondar por cima do local giravam os helicópteros, a ameaçar, anúncios davam a saber que os que prevaricassem seriam mortos a tiro.
Outro facto indesmentível é a caça às bruxas contra os fiéis mais chegados ao “profeta Kalupeteca”, cujo desaparecimento, até à hora do fecho do nosso jornal, ninguém é capaz de explicar.
O que resta deste “Caso” é a opacidade, por um lado, a inexistência de um relatório exacto daquilo que se passou no terreno, o que poderia legitimar o recurso ao argumento da legítima defesa, e, por outro, a questão levantada por um jurista da nossa praça no facebook. «Finalmente, o que há de perigo social num conjunto de indivíduos que decide livremente abandonar a sociedade para embrenhar-se nas matas? Onde é que está a Lei que proíbe essa conduta? Ou também já inventaram o CRIME DE FUGA? Portanto, para um analista sem “contaminações político-partidárias” parece difícil perceber onde é que as autoridades se apegam para condenarem as acções missionárias de José Kalupeteka».
Enfim, restam os resquícios mais que evidentes da incompatibilidade entre Kimbundus e Ovimbundus, o que nos valeu uma guerra de quase 30 anos, seguida de um calar de armas que não é paz e o perigo de caminharmos a passos largos para um genocídio como o que aconteceu no Rwanda
Cada vez mais perto do Rwanda
*Rwanda: Na década de 1960, seguindo o processo de descolonização do pós-Segunda Guerra, o território ruandês foi deixado pelos belgas. Em quase meio século de dominação, ódio entre as duas etnias transformara aquela região em uma bomba prestes a explodir. Cercados por uma série de problemas, a maioria hutu passou a atribuir todas as mazelas da nação à população tutsi.
Angola: depois de múltiplas escaramuças mortíferas entre os três grandes Movimentos angolanos de libertação (FNLA; MPLA e UNITA), sobrou o antagonismo extremo entre os dois últimos que atingiu os píncaros do ódio e redundou numa guerra que durou 27 anos e era caracterizada por um antagonismo irredutível entre os chefes de duas etnias dominantes em território nacional, de um lado os Kimbundu, do outro os Ovimbundu.
*Rwanda: pressionados pelo revanchismo, os tutsis abandonaram o país e formaram imensos campos de refugiados no Uganda. Mesmo assim, os tutsis e alguns hutus moderados organizaram-se politicamente com o intuito de derrubar o governo do presidente Juvenal Habyarimana e retornar ao país. Com o passar do tempo, esta mobilização deu origem à Frente Patriótica Ruandense (FPR), liderada por Paul Kagame. Tudo isto se passava graças em boa parte a auxílio exógeno, a começar pelo das grandes potência ocidentais.
Angola: os Kimbundo, durante os 27 anos que durou a guerra, não conseguiram eliminar os Ovimbundo, tendo mesmo estes últimos ocupado e, por assim dizer, fundado um Estado independente dentro de um espaço territorial de mais de 3/5 do território de Angola. Mas, no seio da comunidade dominada pelos Kimbundu, a incitação à violência e à destruição das tropas Ovimbundu foi crescendo, graças em boa parte ao auxílio exógeno, a começar pelo de grandes potências, nomeadamente Rússia, Estados Unidos e Israel.
*Rwanda: Em Outubro de1990 , a Frente Patriótica Rwandesa, composta por exilados tutsis expulsos do país pelos hutus com o apoio do exército, invade o Rwanda pela fronteira com o Uganda. Em 1993, os dois países firmam um acordo de paz – o acordo de Arusha. Cria-se em Ruanda um governo de transição, composto por hutus e tutsis.
Angola: no meio de uma guerra que se arrastava há quase 20 anos sem se poder ver luz no fundo do túnel.gerado por tanto sentimento hostil, em 1994 foi firmado um acordo de paz em Lusaka entre Kimbundus e Ovimbundus, a partir do qual se formou um Governo provisório de Reconciliação Nacional. Mas o acordo não foi teve força nem fundamentos práticos para resolver o conflito. *Rwanda: Na década de 1990, vários incidentes demarcavam a clara insustentabilidade da relação entre tutsis e hutus. No ano de 1993, um acordo de paz entre o governo e os membros do FPR não teve forças para resolver o conflito. O ponto alto dessa tensão ocorreu no dia 6 de abril de 1994, quando um atentado derrubou o avião que transportava o presidente. Imediatamente, a acção foi atribuída aos tutsis ligados ao FPR.
Angola: A partir do início do século XXI, essencialmente graças aos resultados práticos do bilionário “Caso Angola Gate” e as preciosas ajudas de origem exógena, nomeadamente concedida por Israel e USA, a liderança Kimbundu instalada em Luanda pôs em prática uma feroz caça ao homem no sul de Angola, que redundou na descoberta do paradeiro, perseguição e matança do chefe Ovimbundu.
*Rwanda: A seguir à morte de Habyarimana, na cidade de Kigali, capital do Rwanda, membros da guarda presidencial organizaram as primeiras perseguições contra os tutsis e hutus moderados que formavam o grupo de oposição política no país. A partir daí, com as tropas hutus treinadas e equipadas pelo exército ruandês, os apelos à confrontação e à “caça aos tutsis” tornaram-se mais explícitos, sobretudo a partir do mês de abril, em que se fez circular o boato de que a minoria tutsi planejava o genocídio dos hútus.
Angola: se antes de instaurada a paz em 2002, a palavra de ordem, generalizada pela Intelligentzia do governo Kimbundo de Luanda, era a luta sem tréguas aos Ovimbundu (“Vamos mastigá-los”, vociferou um general nos ecrãs da TPA em pleno tempo de guerra). Depois veio a chamada paz. Uma vez instaurada, raríssimas foram as vezes em que um discurso do presidente Dos Santos não fizesse referência ao espectro da guerra que, para ele, em todo o caso, só poderá ser declarada pelo lado dos Ovimbundus. E, enquanto esse refrão é repetido vezes sem conta por outros altos dignitários do “governo”, a arraia-miúda e as forças da autoridade esparsas por todo o território nacional, perseguem, maltratam, ameaçam e matam Ovimbundos, perante o olhar indiferente do Executivo.