terça-feira, 21 de abril de 2015

RUANDA: UMA ESPERANÇA EM ÁFRICA E PARA O MUNDO

Vinte anos depois do genocídio, que provocou um milhão de mortos em cem dias, o Ruanda cresceu. Este pequeno país africano, sem saída para o mar e com 12 milhões de habitantes, é considerado um dos maiores casos de sucesso no continente. O The Economist diz que Paul Kagame, o Presidente, é «um dos líderes mais bem-sucedidos da história de África» e descreve o Ruanda como um lugar onde «a população tem mais saúde e educação do que nunca, a economia desperta, a corrupção é mínima e o investimento exterior cresce». Já a Time diz que «a capacidade desta economia, até agora baseada na agricultura de subsistência mas a converter-se num centro tecnológico e num dos 30 países que mais crescem no mundo, continua a impressionar muitos».
 
À primeira vista parece de facto haver razões para todo este entusiasmo. O PIB ruandês cresceu 9% ao ano entre 2001 e 2014, diz o BM, e os bons indicadores não ficam por aqui. Desde logo é notável que nada no país pareça justificar esta trajetória: não tem petróleo nem matérias-primas de destaque, e muito foi destruído pelo genocídio. E torna-se ainda mais impressionante que o país tenha conseguido aumentar o seu índice de desenvolvimento social.
 
As taxas de investimento nesta área superam largamente o nível económico nacional. Entre 2007 e 2012, a taxa de probreza caiu 15% e 1,2 milhões de pessoas saíram dessa situação. A Universidade de Oxford dizia aliás em 2013 que, «a continuar assim, em 2033 na pobreza extrema no Ruanda será coisa do passado». Também a saúde é uma história de sucesso. Diz a Atlantic Monthly que «o sistema de saúde nacional conseguiu um progresso único. 98% dos ruandeses têm acesso à saúde pública e a SIDA e a malária caíram 80% nos últimos dez anos.
 
A mortalidade infantil reduziu-se em 60%». E tudo isto foi conseguido com o equivalente a um investimento de 55 dólares por pessoa anualmente. Na educação, o cenário é idêntico. A taxa de escolarização primária está nos 95%, segundo números do BM. O governo criou recentemente um projeto que levará à distribuição de 370 mil computadores pelas escolas. E até o papel da mulher na sociedade está a ser alvo de investimento de uma forma marcante: 64% dos lugares do parlamento são ocupados por deputadas.
 
O Ruanda é, assim, um motivo de esperança para outros países pobres. Conseguiu tudo isto quase sem meios. Até 1998, vivia das ajudas internacionais. Só produzia o suficiente para 30% das suas necessidades; o resto vinha de doações externas. Mas, 17 anos depois, o cenário é precisamente o oposto: a ajuda cobre agora apenas 38%. A estabilidade política permitiu o desenvolvimento. Kagame chegou ao poder em 2000, depois de um golpe de Estado, e ganhou as duas eleições presidenciais a que concorreu, em 2003 e 2010. Está no poder há 15 anos, com um apoio quase unânime – foi eleito em ambas as ocasiões com mais de 95% dos votos.
 
O país faz parte, nesta altura, daqueles que estão «em transição para a democracia», assinala a The Economist Intelligence Unit. Uma das razões para o êxito das políticas está na vontade de Kagame de dar garantias aos investidores. O índice Doing Business, do BM, coloca o país no 46.º lugar, num total de 200 nações. O Presidente apostou na tecnologia, no planeamento urbano e numa polícia modelo. «Kigali (a capital) surpreende pela limpeza das ruas, pelo trânsito ordenado, pela ausência de lixo e até porque os sacos de plástico foram proibidos», pode ler-se num artigo da Foreign Policy. Diz-se que Kagame se envolve diretamente na «sedução» aos investidores. Participa em reuniões com empresários, e, mostrando-lhes o melhor do Ruanda, permite investimentos que de outra forma poderiam não chegar a acontecer.
 
Empresas mundiais, como a Microsoft ou a Starbucks, terão entrado no país assim – depois de conversações com o próprio Presidente. Aliás, o chefe de Estado apresentou pessoalmente 15 projetos na Cimeira de Investimento em África, que teve lugar no ano passado, em Londres. E levou o país a ser integrado na Commonwealth, apesar de ter sido uma colónia belga e não britânica. Kagame é um homem hábil. Conseguiu a amizade de políticos como Tony Blair ou Bill Clinton, que o apoiaram (e continuam a apoiar) nos seus projetos, com aconselhamento ou mesmo com dinheiro. No entanto, nem tudo neste quadro é quase-perfeito. Apesar do crescimento, o país continua a ser um dos mais pobres de África. 90% da população continua a viver da agricultura de subsistência.
 
E o crescimento demográfico é rápido (2,7% ao ano), o que leva o governo a encontrar dificuldades para criar emprego para tanta gente – note-se que a população passará de 1 para 16 milhões até 2020. Por outro lado, o Ruanda ainda carece de infraestruturas, estando em marcha nesta altura a construção de um novo aeroporto, de duas linhas férreas, de autoestradas e de centrais elétricas.
 
O país criou a sua Visão 2020, um programa de desenvolvimento assente em cinco áreas: um novo modelo de produção, o desenvolvimento rural, a produtividade, o emprego jovem e a transparência governativa. Estão também em fase de criação zonas económicas especiais para turismo e indústria. A esperança assenta hoje em dia também nos investimentos diretos. Empresas asiáticas e norte-americanas investiram recentemente milhares de milhões de dólares no Ruanda, em áreas como a indústria, as telecomunicações ou a extração de gás.
 
O país tem particular interesse em projetos na área das TIC (e é considerado como aquele que tem o serviço de internet mais barato do continente). O maior medo, nesta altura, é que a instabilidade política possa regressar, perante a impossibilidade legal de Kagame concorrer a um terceiro mandato. Teme-se aquilo que possa vir depois, e já se analisou a hipótese de alterar a constituição de forma a que o atual Presidente possa recandidatar-se. Mas essa medida já esteve em cima da mesa noutros países africanos, e o resultado tem sido invariavelmente o mesmo: descontentamento e conflitos.
 
Kagame caiu nas «boas graças» da Europa e dos Estados Unidos, apesar do seu passado um pouco «obscuro» e dos seus métodos de governação, nem sempre bem vistos. Foi denunciado por atividades ilegais antes do genocídio e durante este, por apoiar os rebeldes do Congo e por perseguir dissidentes políticos. Mas a tolerância mundial mantém-se, dizem os analistas, porque se acredita que Kagame é o único que pode assegurar a estabilidade no Ruanda, seja política, social ou económica. E é preciso não esquecer que o país é dos que mais soldados enviam para as missões de paz da ONU. Fonte: Aqui