domingo, 19 de abril de 2015

O PLANO DE WASHINGTON PARA OS PRÓXIMOS 10 ANOS NO PRÓXIMO-ORIENTE


O que vocês ignoram sobre os acordos americano-iranianos
 
Thierry Meyssan*
Desde há dois anos, os Estados Unidos negoceiam secretamente um cessar-fogo regional com o Irão. Chegados a um acordo bilateral, eles anunciaram uma solução para o conflito nuclear e para as sanções económicas, no quadro de negociações multilaterais que se arrastam desde 2003. Testemunha privilegiado, Thierry Meyssan revela o que está em jogo neste imbróglio diplomático, e, como Washington entende organizar o Levante e o Golfo para os 10 próximos anos.
 
Os negociadores bilaterais secretos
 
de março de 2013, os Estados Unidos e o Irão (Irã-br) negoceiam em segredo. Estes contactos começaram secretamente em Omã. Para os Iranianos, asfixiados por um cerco económico e monetário sem precedentes na História, estava fora de questão ceder face ao imperialismo, mas sim o de chegar a um cessar-fogo de alguns anos, o tempo preciso para poder retomar forças. Para os Estados Unidos, que esperam poder deslocar as suas tropas do Próximo para o Extremo-Oriente, esta oportunidade deveria acompanhar-se de garantias precisas que Teerão não se aproveitaria disso para estender um pouco mais a sua influência.
 
A equipe norte-americana foi liderada por dois negociadores sem par, Jake Sullivan e William Burns. Ignora-se quem compunha a delegação iraniana. O Sr. Sullivan havia sido um dos principais conselheiros da secretária de Estado, Hillary Clinton, mas, ele não partilhava nem o apoio cego a Israel, nem o fascínio pelos Irmãos Muçulmanos. Organizou guerras contra a Líbia e contra a Síria. Quando a Srª Clinton foi ejectada pelo presidente Obama, ele tornou-se conselheiro para a Segurança Nacional do vice-presidente Biden. Foi neste quadro que ele desenvolveu as negociações com o Irão. O Sr. Burns, entretanto, é um diplomata de carreira. E, diz-se, um dos melhores nos Estados Unidos. Juntou-se às conversações na qualidade de adjunto do secretário de Estado, John Kerry.
Destas conversações saíram, pelo menos, duas decisões. Primeiro, o Guia da Revolução, o aiatola Ali Khamenei, velaria pela exclusão de Esfandiar Rahim Mashaie – antigo responsável pela Inteligência dos Guardas da Revolução, tornado chefe de gabinete e parente por casamento de Mahmoud Ahmadinejad – da corrida à presidência. Desta forma, o Irão baixaria o tom dos seus aliados nas instâncias internacionais. Em seguida, os Estados Unidos zelariam igualmente por baixar o tom dos seus aliados anti-Iranianos e desbloqueariam as negociações de 5+1 sobre o nuclear, de modo a pôr fim às sanções.
 
De facto, o Conselho dos Guardiões da Constituição censurou a candidatura de Esfandiar Rahim Mashaie. Graças à divisão do campo dos Revolucionários, habilmente tecida pelo Guia, o Xeque Hassan Rohani foi eleito. Este religioso nacionalista, que havia sido o negociador-chefe para o nuclear de 2003 a 2005, era o homem da situação. Ele havia aceite todas as exigências europeias antes de ser demitido das suas funções por Mahmoud Ahmadinejad, logo que este se tornou presidente. O Sr. Rohani tinha feito os seus estudos de direito constitucional na Escócia, e, foi o primeiro contacto iraniano de Israel e dos Estados Unidos aquando do Irangate. Durante a tentativa de revolução colorida de 2009, organizada pela CIA com a ajuda dos aiatolas Rafsanjani e Khatami, tomou posição pelos pró-ocidentais contra o presidente Ahmadinejad. Diga-se, de passagem, que a sua pertença ao clero permitia aos mulás retomar o Estado aos Guardiões da Revolução que o haviam controlado.
 
Pelo seu lado, os Estados Unidos davam instruções aos seus aliados sauditas para baixar igualmente o tom e acolher com boa-vontade o novo governo iraniano. Durante alguns meses Riade e Teerão trocaram mesuras, enquanto o xeque Rohani entrava em contacto pessoal com o seu homólogo norte-americano.
 
O plano da Casa Branca
 
A ideia da Casa Branca era a de considerar os êxitos iranianos na Palestina, no Líbano, na Síria, no Iraque e no Barein, e, deixar Teerão aproveitar a sua influência nesses países em troca de uma renúncia a continuar a expansão da sua Revolução. Tendo abandonado a ideia de dividir o Médio-Oriente com os russos, Washington planeava distribui-lo entre a Arábia Saudita e o Irão, antes de retirar as suas tropas.
 
O anúncio desta possível divisão reforçou, de repente, uma leitura dos acontecimentos regionais como um conflito entre sunitas (Sauditas) — xiitas (Irão), o que é absurdo porque a religião dos chefes locais não corresponde, muitas vezes, às dos seus patrocinadores.
 
Entretanto, esta divisão trazia o Médio-Oriente para o período do Pacto de Bagdad [1], quer dizer da Guerra fria, exceptuando que o Irão tomava o lugar da URSS e que as zonas de influência eram repartidas de forma diferente.
 
Isto não poderia senão deixar a actual Federação da Rússia vexada, esta nova divisão fazia regressar Israel à época em que não dispunha do guarda-chuva norte-americano. Inaceitável, pois, do ponto de vista do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, um partidário da expansão do seu país «do Nilo até ao Eufrates». Ele tentou, portanto, tudo o que estava ao seu alcance para sabotar a continuação do programa.
 
Foi por isso que, enquanto um acordo sobre o nuclear havia sido alcançado em Genebra, no início de 2014, a negociadora norte-americana, Wendy Sherman, apoiou-se nas reivindicações israelitas (israelenses-br) para fazer subir a parada. Ela afirmou, de repente, que Washington não se contentaria com garantias sobre a impossibilidade para o Irão de construir a bomba atómica, mas, exigia, também, garantias sobre a sua renúncia a desenvolver mísseis balísticos. Esta surpreendente exigência foi repelida pela China e pela Rússia, que fizeram finca-pé que tal não estava implícito no Tratado de não-proliferação nuclear e nas competências dos 5+1.
 
Este novo desenvolvimento atestou que a bomba atómica não foi, nunca, a real preocupação dos Estados Unidos neste assunto, mesmo que eles tenham utilizado este pretexto para conter o Irão através de um terrível cerco económico e monetário. Além disso, o presidente Obama reconheceu-o, implicitamente, aquando do seu discurso de 2 de abril [2], ao fazer alusão à fátua (decreto religioso- ndT) do Guia da Revolução interditando este tipo de arma. Na realidade, a República islâmica do Irão parou o seu programa nuclear militar pouco depois da declaração do aiatola Khomeini contra as armas de destruição em massa, em 1988. Pelo que, Teerão prosseguiu, apenas, com investigações para fins civis, mesmo que algumas possam ter implicações militares, como o de fazer mover motores de navios de guerra, por exemplo. A posição do Imã Khomeini tomou força de lei com a fátua do aiatola Khamenei, a 9 de agosto de 2005 [3].
 
Seja como fôr, Washington, considerando que Benjamin Netanyahu é um «fanático histérico», passou o ano de 2014 a tentar chegar a um acordo com o Tsahal (Forças Defesa Israel- ndT). Progressivamente, impôs-se a ideia que, na partilha regional entre a Arábia Saudita e o Irão, devia-se imaginar um sistema de protecção para a colónia judia. Daí o projecto de criar uma espécie de novo pacto de Bagdad, de Otan regional, oficialmente colocado sob presidência Saudita, de maneira a ser aceitável para os árabes, mas, na realidade, controlado por Israel, como o velho Pacto era de facto dirigido pelos Estados Unidos, que não eram, sequer, seus membros. Este projecto foi tornado público pelo presidente Barack Obama na sua Doutrina de Segurança Nacional, a 6 fevereiro de 2015 [4].
 
O acordo nuclear e o fim das sanções foram, portanto, remetidas para mais tarde. Washington organizou a revolta do Tsahal contra Benjamin Netanyahu, convencida que o primeiro-ministro não ficaria muito tempo no poder. Mas, apesar da criação do Commanders for Israel’s Security (Comandantes para a Segurança de Israel- ndT) e os apelos de quase todos os antigos oficiais superiores para não se votar Netanyahu, este conseguiu convencer o seu eleitorado que era o único a defender a colónia judia. E, assim, ele foi reeleito.
Em relação à Palestina, Washington e Teerão puseram-se de acordo em congelar a situação de Israel e de criar um Estado palestiniano, em conformidade com os Acordos de Oslo. O Sr. Netanyahu, que espiava não apenas as negociações dos 5+1, mas, também, as conversações bilaterais secretas, reagiu fortemente anunciando publicamente, a propósito, que, enquanto vivesse, jamais Israel permitiria o reconhecimento de um Estado palestino. Ele significou, deste modo, que Telavive entendia não respeitar a sua assinatura dos acordos de Oslo, e, que conduzia negociações com a Autoridade Palestina desde há uma vintena de anos, unicamente, para ganhar tempo.
 
A Força árabe comum
 
Pressionados para acabar isto, Washington e Londres, escolheram a rebelião iemenita para finalizar. Os xiitas Hutis, aliados aos soldados leais ao ex-presidente Saleh, tinham exigido, e conseguido, a renúncia do presidente Hadi, que subitamente mudou de ideias. Verdadeiramente falando, este último não era mais nem legítimo, nem legal, desde há muito tempo. Ele tinha sido mantido no poder, após o final do seu mandato, com base em compromissos que nunca mostrou ter a intenção de respeitar. Nem os Estados Unidos, nem o Reino Unido, tinham particular simpatia por qualquer dos dois campos, que haviam alternadamente apoiado em diferentes momentos. Eles deixaram, então, a Arábia Saudita afirmar que esta revolução era um golpe de Estado e tentar, mais uma vez, anexar este país. Uma operação militar foi montada, por Londres, para apoiar Áden a partir do estado pirata da Somalilândia. Simultaneamente, com o pretexto da crise iemenita, a Liga Árabe tornava pública a parte árabe da nova Otan regional: a Força comum árabe.
 
Três dias mais tarde, o acordo de 5+1, que tinha sido negociado um ano antes, era igualmente tornado público [5]. Entretanto, nesse meio tempo, o secretário de Estado, John Kerry e o seu homólogo iraniano, Mohammad Javad Zarif, passavam em revista, durante um dia inteiro, todos os pontos políticos em discussão. Ficou decidido que Washington e Teerão fariam baixar a tensão na Palestina, no Líbano, na Síria, no Iraque e no Barein durante os próximos três meses, e, que o acordo de Genebra só seria assinado no final de junho, e por 10 anos se as duas partes tivessem mantido os compromissos.
 
Consequências

É provável que Netanyahu vá tentar de novo, no decurso dos três próximos meses, fazer falhar o plano norte-americano. Não será, pois, de espantar que se assista a acções terroristas, ou a assassínios políticos não reivindicados, mas cuja responsabilidade seria atribuída a Washington ou a Teerão, para impedir a assinatura prevista para 30 de junho de 2015.
 
Logicamente, Washington incentivará, portanto, uma evolução política em Israel limitando os poderes do primeiro-ministro. É neste sentido que deve ser tomado o duríssimo discurso do presidente Reuven Rivlin, na altura em que ele encarregou o Sr. Netanyahu de formar o próximo governo.

O Iémene não foi nunca objecto de análise durante as conversações bilaterais. Se o acordo for assinado, este país poderá, pois, ficar como o único ponto de conflito na região durante os próximos 10 anos.
 
Enquanto Washington concluiu um acordo com Teerão, e promove uma aliança militar em torno da Arábia Saudita, ele conduz uma política inversa para com as sociedades destes estados. Por um lado promove uma divisão da região entre Estados, por outro lado fragmenta as sociedades através do terrorismo e acaba até de criar um sub-Estado terrorista, o Emirado Islâmico («Daesh»).
 
Originalmente, os Estados Unidos haviam previsto constituir a Força comum árabe com os Estados do Golfo e a Jordânia, e até mesmo mais tarde Marrocos. Há um traço de coerência, aqui, entre os regimes envolvidos. No entanto Omã manteve-se afastado, embora seja um dos membros do Conselho de Cooperação do Golfo. Enquanto a Arábia Saudita tenta usar a sua influência para incluir, nesta, tanto o Egito como o Paquistão, embora este último não seja árabe.
 
Considerando o Egipto, o Cairo não tem nenhuma margem de manobra e deve responder positivamente a todas as solicitações, sem nunca se envolver nas acções reais. O país não tem quaisquer meios de subsistência e só consegue alimentar a sua população graças à ajuda internacional, quer dizer, graças à Arábia Saudita, aos Emirados Árabes Unidos, à Rússia e aos Estados Unidos. O Egipto acha-se metido na operação «Tempestade decisiva» no Iémene sempre ao lado dos povos do sul, como por ocasião da guerra civil (1962-1970), exceptuando que os antigos comunistas passaram a ser os membros da al-Qaida e o Cairo é, agora, o aliado da monarquia saudita. Com resulta evidente o Egipto deveria procurar retirar-se, o mais cedo possível, deste lamaçal.
 
Além do Levante e do Golfo, a evolução regional vai colocar problemas à Rússia e à China. Para Moscovo, se o cessar-fogo de 10 anos é uma boa notícia, é amargo ter de abandonar as suas aspirações, em proveito do Irão, pela razão simples de ter demorado a reconstituir as suas forças após a dissolução da URSS. Daí o acordo concluído com a Síria para desenvolver o porto militar de Tartus. A Marinha russa deverá reinstalar-se permanentemente no Mediterrâneo, tanto na Síria com em Chipre.
 
Considerando a China, o cessar-fogo americano-iraniano irá traduzir-se, rapidamente, por uma transferência dos GIs do Golfo para o Extremo-Oriente. Desde já, o Pentágono planeia construir a maior base militar do mundo no Brunei. Para Pequim, colocar o seu exército ao nível é agora uma corrida contra-relógio : a China deve estar preparada para enfrentar o Império norte-americano antes que este esteja à altura de a atacar.

Thierry Meyssan* - Tradução Alva - Rede Voltaire
 
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