Uma única instituição no centro de Luanda está a receber mais de trinta crianças abandonadas por mês, algumas ainda com o cordão umbilical, outras acusadas de feitiçaria, situação que pode agravar-se com a crise financeira no país.
No Lar de Infância Kuzola, a diretora da instituição disse hoje à Lusa que deram entrada 35 crianças abandonadas no mês de março, fenómeno que é recorrente e que a desestruturação das famílias ajuda a explicar.
"Em média recebemos uma criança abandonada por dia. Algumas saem diretamente da maternidade, ainda chegam com o cordão umbilical, outras são encontradas abandonadas na rua. Este é um cenário diário", contou à Lusa Engrácia do Céu.
Muitas dezenas de outros, de todas as idades e não institucionalizados - com outras instituições sem capacidade -, são vistos habitualmente a vaguear pelas ruas de Luanda, devido aos mesmos problemas, até mesmo fora do sistema de ensino.
O tema foi abordado hoje, em Luanda, durante o sétimo Fórum da Criança, organizado pelo Governo Provincial de Luanda para analisar a aplicação dos 11 Compromissos do Estado angolano com os Direitos da Criança.
As dificuldades financeiras explicam igualmente a situação, tal como a desagregação relacionada com segundos casamentos dos pais, que acabam por abandonar, na rua, filhos de relacionamentos anteriores, enquanto outras crianças fogem da violência em casa.
"As famílias têm que ser chamadas à responsabilidade, até mesmo judicialmente", afirmou à Lusa a diretora do Instituto Nacional da Criança (INAC) de Angola, Ruth Mixingi.
Reconhecendo a "gravidade" do problema, e o compromisso do Estado com os direitos das crianças, a responsável acrescentou que o país já tem legislação que tipifica estes abandonos como crime e que obriga à convivência familiar, sendo agora necessário "passar à prática".
Pelas dificuldades financeiras das famílias, que se agravaram nos últimos meses face à crise provocada pela forte quebra na cotação internacional do petróleo - aumentando o desemprego e os preços dos alimentos -, ou pela desestruturação dos agregados, o resultado final é que só o Lar Kuzola, que após obras para reforço da capacidade podia hoje receber até 250 crianças, conta já com 400.
"Dentro do possível, estamos a fazer tudo o que podemos para minimizar a situação dessas crianças. Muitas chegam acusadas de feitiçaria, alvo de extrema violência, vítimas da desestruturação de famílias ou são encontrados nos hospitais. Este é o nosso contexto", reconhece a diretora da instituição, que atua por mandato do governo provincial de Luanda.
Em paralelo, os técnicos do lar têm em curso um programa para fomentar a reinserção das crianças, desde o nascimento até aos 14 anos, nas respetivas famílias, o que permite manter os níveis de acolhimento em permanência.
"Mas este espaço já não nos chega porque todos os dias entram crianças", concluiu a diretora do Lar Kuzola.
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