Por: grande jornalista guineense, Umaro Djau, via facebook
Ultimamente, tenho acompanhado, de uma forma incessante, a descontextualização do pensamento de Amílcar Cabral.
Na verdade, Cabral -- dentro das suas capacidades filosóficas, sociais e políticas -- disse muita coisa. E muitas dessas "coisas" têm sobrevivido aos testes da contemporaneidade devido às suas características peculiares repletas de ambiguidades.
Tomemos em conta a frase: "nem toda a gente é do PARTIDO". Esta frase pode-se aplicar à qualquer conjuntura, quer nos negócios, quer na família. Basta substituirmos a palavra "política" com qualquer outro valor ou modo que se quer defender.
Mas, quando Cabral escreveu ou proferiu estas sábias palavras, ele deve ter levado em conta uma determinada conjuntura política, com os seus devidos problemas ou preocupações.
Alguém já pensou nas razões porque a Guiné-Bissau e o Cabo Verde escolheram caminhos diferentes logo depois da independência? Alguém já pensou nas razões porque o PAIGC mudou as suas siglas em Cabo Verde? Alguém já pensou nas razões porque em Cabo Verde se adoptaram diferentes políticas económicas e sociais, logo depois da independência? Meus amigos, Cabo Verde muito cedo compreendeu a necessidade de adaptabilidade política aos problemas locais e nacionais. E as tais políticas pouco ou nada têm a ver com o 14 de Novembro. Elas têm tudo a ver com a ADAPTABILIDADE!
Agora pergunta-se: Será que o PAIGC da Guiné-Bissau soube adaptar-se paulatinamente às mudanças sociais, culturais e políticas do país? O PAIGC não deve continuar a ser um partido da "gente" no seu sentido figurativo da palavra. O PAIGC deve esforçar-se para ser um partido do "povo" no sentido literário da palavra. E quem é de facto estudioso de Cabral, facilmente compreenderá que o Pai da Nação soube sempre aproximar a "gente" do partido ao seu "povo".
Conheço poucas realidades políticas no mundo, onde a "expulsão" é a norma, por incompatibilidade de "gente" vs. "não-gente" do partido. E nem acredito que Cabral tivesse a intenção de criar "elitismo, clubismo" ao proferir as palavras "nem toda a gente é do partido".
Mas, como também gostamos de citar Cabral, foi ele quem disse que "devemos pensar com as nossas próprias cabeças." E se a intenção é de "fazer do partido cada vez mais partido," então que reine a democracia dentro do mesmo... Não desprezando as mutações sociais, próprias da conjuntura actual, ou seja, a necessidade da ADAPTABILIDADE.
Em vez de continuarmos "apegados" (de uma forma selectiva) ao pensamento de Cabral, hoje em dia, devemos perguntar: “O que faria Cabral perante à actual conjuntura política da Guiné-Bissau”?
Umaro Djau, 30 de Maio de 2016