Fonte: Academia de ciência politica para Guiné-Bissau, (ver link a direita)
Caros leitores, aqui estou eu, como prometido, para "assar" os políticos guineenses. Neste post, constituído por cinco partes, começo por analisar a declaração do secretário-executivo da CPLP, Murade Murargy, e a respectiva reacção alérgica do PAIGC (primeira parte). Na segunda parte, debruço-me sobre a entrada de rompante de Nuno Gomes Nabian com as suas últimas declarações. Na terceira parte, apresento as várias interpretações das acções do Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas «CEMGFA». Na quarta parte, refiro de forma breve a tomada de posição de alguns Veteranos de Guerra a favor da ala pró-Domingos Simões Pereira «DSP». Finalmente, analiso a suposta proposta de Governo levada pelo PAIGC ao Presidente da República «PR» José Mário Vaz «Jomav» (quinta parte). Espero que gostem deste churrasco, apesar de não ter marinado durante muito tempo!
Primeira parte. O secretário-executivo da CPLP, Murade Murargy afirmou que a CPLP aceitaria um novo Governo sem o partido vencedor das legislativas (PAIGC), se tal
permitisse a formação de uma maioria estável que trouxesse paz e estabilidade. Murargy salientou que tudo está em aberto: "ou convida o PAIGC a formar novo Governo, e aí terá dificuldades, ou então forma um Governo com uma nova maioria a constituir no Parlamento, com base nos 15 Deputados (do PAIGC) que foram reintegrados e o PRS. Assim o PR teria base para formar novo Governo". Murargy excluiu a possibilidade de novas eleições gerais, uma vez que os parceiros internacionais "não estão disponíveis" para as financiar (Sapo Notícias, 14-05-2016). O PAIGC reagiu a estas declarações através de Óscar Barbosa “Cancan”, acusando Murargy de "desrespeitar" a Guiné-Bissau e de "contrariar" os valores democráticos e constitucionais. O porta-voz fez também algumas insinuações relativamente aos conflitos em Moçambique (RDP África, 15-05-2016; Sapo Notícias, 15-05-2016). Estas declarações, se forem mal interpretadas, poderão prejudicar o PAIGC, deixando uma herança negativa nas relações dentro da CPLP (que era um dos parceiros fortes da Guiné-Bissau face ao domínio dos países da CEDEAO). Apesar de ter vindo depois prestar um esclarecimento, esta atitude de Murargy revela um posicionamento claro do lado da ala pró-Jomav (incluindo o PRS e os 15 Deputados expulsos/retornados) (Sapo Notícias, 15-05-2016).
permitisse a formação de uma maioria estável que trouxesse paz e estabilidade. Murargy salientou que tudo está em aberto: "ou convida o PAIGC a formar novo Governo, e aí terá dificuldades, ou então forma um Governo com uma nova maioria a constituir no Parlamento, com base nos 15 Deputados (do PAIGC) que foram reintegrados e o PRS. Assim o PR teria base para formar novo Governo". Murargy excluiu a possibilidade de novas eleições gerais, uma vez que os parceiros internacionais "não estão disponíveis" para as financiar (Sapo Notícias, 14-05-2016). O PAIGC reagiu a estas declarações através de Óscar Barbosa “Cancan”, acusando Murargy de "desrespeitar" a Guiné-Bissau e de "contrariar" os valores democráticos e constitucionais. O porta-voz fez também algumas insinuações relativamente aos conflitos em Moçambique (RDP África, 15-05-2016; Sapo Notícias, 15-05-2016). Estas declarações, se forem mal interpretadas, poderão prejudicar o PAIGC, deixando uma herança negativa nas relações dentro da CPLP (que era um dos parceiros fortes da Guiné-Bissau face ao domínio dos países da CEDEAO). Apesar de ter vindo depois prestar um esclarecimento, esta atitude de Murargy revela um posicionamento claro do lado da ala pró-Jomav (incluindo o PRS e os 15 Deputados expulsos/retornados) (Sapo Notícias, 15-05-2016).
Quanto às palavras de Oscar Barbosa, este parece ter-se inspirado na minha crítica a Joaquim Chissano, tal como Florentino Mendes Pereira (secretário do PRS) se inspirou nos meus avisos a José Maria Neves para silenciar o ex-Primeiro-Ministro «ex-PM» de Cabo Verde, prevenindo-o para evitar de imiscuir-se nos assuntos internos da Guiné-Bissau. Mais uma vez, fico contente por saber que os conteúdos da minha obra têm dominado o discurso dos actores políticos guineenses, tanto de forma directa como indirecta. Contudo, do ponto de vista político, tenho de fazer uma ressalva: não deveria ter sido Oscar Barbosa a pronunciar-se sobre as palavras de Murade Murargy, mas sim DSP, enquanto líder do PAIGC e ex-secretário-executivo da CPLP. Isto revela uma certa cobardia e falta de pulso de DSP face ao seu sucessor na CPLP. Mas isto também pode revelar que DSP tem o “rabo preso”, não sendo por acaso que Murargy falou claramente para ele. Se DSP não responder a Murargy, esta minha tese parece ficar comprovada.
Segunda parte. Nuno Gomes Nabian, presidente da Assembleia do Povo Unido – Partido Democrático da Guiné-Bissau «APU-PDGB», acusou o PAIGC de ser “um partido caracterizado por traição, assassinatos, inveja e calúnias, de maneira que vai ser muito difícil ter sucesso na governação deste país”. Nuno Nabian não poupou críticas também ao PR Jomav, acusando-o de provocar a expulsão dos 15 Deputados do PAIGC e de fazer acusações de corrupção sem apresentar provas, para melhor dividir o partido no Poder. Segundo Nabian, o PR está a pensar no seu segundo mandato e não fez nada para o povo. As críticas estenderam-se também ao PRS e aos 15 Deputados expulsos/retornados, que Nabian acusa de apenas quererem beneficiar de mais “tachos” (O Democrata, 14-05-2016; RTP África, 16-05-2016; RFI, 15-05-2016).
As críticas feitas por Nuno Nabian aos principais protagonistas políticos guineenses – PR, 15 Deputados, PRS e DSP/PAIGC –, parecem, à primeira vista, enquadrar-se na estratégia que Sólon usou para ter um melhor ponto de partida quando os políticos gregos estavam em conflito e divididos em três partes: não se misturou com nenhuma das três partes, mas permaneceu comum a todas, falando e agindo em tudo para a concordância, sendo eleito legislador em vista de as reconciliar – e é assim que estabeleceu um Poder sólido. Uma entrada em política particularmente brilhante tem, portanto, este género de início (Plutarco, 2009: 28-31). Ou seja, Nabian, quer passar a imagem de imparcialidade, distanciando-se dos restantes e das suas conflitualidades, procurando, assim, sair “limpo” desta história. Mas se Nabian quer mesmo assumir o papel de “Kumba Yalá vivo”, como foi nomeado por Martinho Nhanca (sobrinho do “Kumba Yalá morto”), tem de fazer mais barulho, aparecer mais vezes e fazer mais espectáculo, usando as armas, os escudos, as munições e as tácticas de Kumba Yalá (Jornal de Notícias, 24-04-2014).
Do meu ponto de vista (à segunda vista), nesta batalha, a técnica de Sólon não resulta para Nuno Nabian. Teria de utilizar a técnica de Maquiavel, tomando partido por uma das partes em conflito. Porque, na verdade, todos sabemos que Nuno Nabian se identifica com uma das partes (Maquiavel, 2007: 95-96), embora haja um conflito de interesses. Nabian foi projectado por Kumba Yalá e apoiado pelo PRS (e muitos outros partidos pequenos) na segunda volta das eleições presidenciais contra Jomav. Neste momento, em que o PRS e os 15 Deputados apoiam Jomav, Nabian parece estar mais próximo de DSP e do PAIGC, que é a sua raiz política. Jomav nunca contará com o apoio de Nuno Nabian, pela derrota que sofreu no confronto entre os dois, e deverá preparar-se para voltar a derrotá-lo nas próximas eleições presidenciais, caso seja candidato. Retomando o ensinamento de Maquiavel, seria mais útil a Nabian ficar do lado da ala pró-Jomav, que é quem tem o Poder neste momento, apesar dos seus ressentimentos pessoais e da ressaca das suas derrotas que frustraram as suas expectativas.
Terceira parte. Um dia depois de o PR Jomav ter demitido o Governo de Carlos Correia, os membros do executivo foram impedidos por membros de forças de segurança de entrar nos respectivos gabinetes. A denúncia foi feita pelo Conselho de Ministros, que responsabilizou o PR e o CEMGFA, Biaguê Nan Tan (Observador, 13-05-2016). Três dias depois, estas restrições foram levantadas, depois de o Conselho de Segurança das Nações Unidas também se ter posicionado contra a alegada ingerência dos militares nos assuntos políticos, instando-os a afastarem-se. O Conselho de Ministros congratulou-se com esta resolução, afirmando que o seu comunicado "foi claro e inequívoco sobre a matéria e os militares compreenderam que não podiam continuar a fazer o que estavam a fazer" (Sapo Notícias,16-05-2016).
Este episódio permite ao PAIGC conotar o CEMGFA, Biaguê Nan Tan, com a ala pró-Jomav. Tal como eu já tinha avisado, as declarações do CEMGFA sobre o destino a dar aos golpistas, se não fossem esclarecidas, abriam espaço a interpretações das duas alas (ala pró-Jomav e ala pró-DSP). Uma vez que o Supremo Tribunal de Justiça «STJ» deu razão aos 15 Deputados expulsos/retornados, o PAIGC ficou em desvantagem. Por isso, aproveitou aquelas declarações e estas últimas barreiras dos militares aos membros do Governo, para se posicionar contra Biaguê Nan Tan.
Quarta parte. Numa conferência de imprensa, os Veteranos da Luta de Libertação Nacional condenaram a demissão do Governo de Carlos Correia e pediram ao PR a aceitação e consequente nomeação de quem for indicado pelo PAIGC para chefiar o novo Governo (ANG Notícias, 16-05-2016). Tal como eu já tinha explicado, dentro dos ex-combatentes ou Veteranos de Guerra do PAIGC, existem duas alas opostas que hoje apoiam o Jomav ou DSP. Os Veteranos de Guerra que pertencem à ala pró-Jomav são, entre outros, Manuel Saturnino da Costa, Luís Oliveira Sanca, Isabel Buscardini e Satú Camará. Do outro lado, os apoiantes da ala pró-DSP são, essencialmente, Carlos Correia, Manecas dos Santos, Carmen Pereira e Francisca Pereira. É lógico que a ala pró-DSP manifeste a sua indignação com a demissão de Carlos Carreia que é, justamente, um dos membros do grupo. No entanto, é a ala dos Veteranos de Guerra pró-Jomav que está claramente em vantagem, pelo que não há razões para alarme.
Quinta parte. A pedido do PR Jomav, o PAIGC entregou uma proposta para a constituição do novo Governo, com as seguintes características: A) 18 membros do PAIGC, incluindo o PM (Carlos Correia, PM demitido, ou Califa Seidi, líder do grupo parlamentar do PAIGC); B) 8 membros do PRS; C) 3 membros de cada um dos restantes partidos com representação parlamentar; D) 2 membros de partidos sem representação parlamentar; E) 2 membros da escolha da Presidência da República; F) 1 membro da Sociedade Civil. São 34 elementos no total. Juntamente com a proposta da nova orgânica do Governo, o PAIGC também remeteu para apreciação uma "proposta de assinatura de um acordo de incidência parlamentar para a estabilidade governativa política e social...documento que estabelece as bases de entendimento para o resto da legislatura...e a criação de uma estrutura de facilitação do diálogo inter-institucional” constituída por uma comissão parlamentar para o diálogo e reconciliação nacional, por representantes da comunidade internacional e por um mediador da CEDEAO (RFI,16-05-2016).
Se, de facto, esta proposta corresponde à verdade, sou obrigado a confessar a minha decepção para com DSP. Perante esta proposta, deixo algumas interrogações: não há pessoas capazes no PAIGC e na Guiné-Bissau para desenvolver um projecto credível e criar um consenso alargado? Faz sentido propor um executivo tão grande, com 34 elementos? Porquê incluir partidos sem representação parlamentar? São “aliados” do PAIGC da ala pró-DSP? Como é que se pode escolher alguém isento dentro da Sociedade Civil, já que [quase] todos têm filiações partidárias e as suas próprias agendas políticas? Porquê dedicar um lugar exclusivo à CEDEAO e não à CPLP? Terá DSP ficado desiludido com a CPLP, que o apoiava, por causa de Murade Murargy?
Na situação em que o país se encontra, esta proposta parece uma autêntica brincadeira para agravar a crise e ter argumentos suficientes para avançar para as tão desejadas eleições antecipadas (que pode custar muito caro a DSP!). Articulando com a segunda parte, questiono-me se este figurino não estará também relacionado com um piscar de olhos a Nuno Nabian, para ocupar uma das pastas destinadas aos partidos sem assento parlamentar. Relativamente à proposta de um acordo de incidência parlamentar, verifico que o PAIGC acatou as sugestões saídas da conferência organizada por Miguel Trovoada, ex-representante das Nações Unidas «NU» para a Guiné-Bissau. Tal como eu tinha previsto, isto demonstra que existe um pacto entre o PAIGC liderado por DSP e as NU (desde Ramos Horta, passando por Miguel Trovoada até Modibo Touré), ou seja, as preocupações das NU vão de braço dado com a filosofia política da ala pró-DSP. O posicionamento das NU relativamente ao CEMGFA (terceira parte), pressionando-o a recuar, vai ao encontro desta ideia e prova que são as NU que controlam a Guiné-Bissau e não é a Guiné-Bissau que supervisiona as NU no seu território.
Na posição de desvantagem de DSP, ele deveria começar por acatar a decisão do STJ, e fazer as cedências de que já falei, nomeadamente, pedir desculpas aos 15 Deputados, procurando reconciliar-se com eles, com Jomav, com o PRS, e com os Veteranos de Guerra da ala pró-Jomav, como eu já tinha referido anteriormente. Claramente, esta proposta tem como objectivo virar o PRS contra Jomav e transformar os 15 Deputados expulsos/retornados em elementos irrelevantes. Se DSP não negociar com os 15 Deputados, em paralelo com o PRS, e as coisas podem correr-lhe mal, eles podem dificultar-lhe a vida (não entrando no Governo, ficando no Parlamento para desequilibrar a maioria absoluta do PAIGC). O PRS deve também ter cuidado com a sua posição, porque, se frustrar a expectativa de Jomav e dos 15 Deputados, a hipótese de dissolução do Parlamento pode ser equacionada pelo PR e o PRS pagará a factura bem cara.
Com esta proposta de DSP, pode ser legítimo que Jomav recorra, de acordo com o Modelo Político de Governação em vigor na Guiné-Bissau, por um lado, aos conselhos de Santo Agostinho, que diz que o governante máximo deve agir com mão pesada (Amaral, 2011: 86), porque a Guiné-Bissau não é um país de santos e de anjos, tendo em conta a natureza humana. Por outro lado, a ética da responsabilidade recorda-nos que nem sempre as boas acções resultam em coisas boas e as más acções em coisas más. Neste sentido, pode ser legítimo utilizar a violência, dependendo das circunstâncias e das consequências previstas (Weber, 2005: 107). Se Jomav ponderar estes dois pontos, pode decidir por um Governo de Incidência Parlamentar ou por um Governo de Iniciativa Presidencial «GIP», desde que não desiluda o povo guineense. Vamos esperar para ver. Caros leitores, espero que o churrasco não esteja demasiado picante e que tenha um bom sabor.
Para mais informações, consultar o meu livro: Mendes, Livonildo Francisco (2015). Modelo Político Unificador - Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau (pp. 145, 415-416, 423, 538). Lisboa: Chiado Editora.