sábado, 28 de maio de 2016

Opinião: QUEM ENSINOU DEMOCRACIA AOS GUINEENSES?

Fonte: odemocratagb.com

Uma boa pergunta que todos os guineenses deveriam fazer é seguinte: este modelo de Estado que escolhemos ainda serve? Charles Louis de Secoundat, ou simplesmente Montesquieu, em sua obra “do Espirito das leis” falou de maneira bem elegante sobre separação dos poderes entre o legislativo, executivo e judicial. Não obstante a sua explanação que preza sempre pela independência dos poderes, nenhum Estado é obrigado a seguir a sua orientação, mas quando se decide por adotar uma democracia tal e qual a conhecemos, onde há clara separação dos poderes e suas independências, a que respeitar estes princípios de separação de poderes e sua autonomia.
Na Guiné Bissau tem se feito ao contrário, o próprio governo é quem faz sua avaliação dizendo o que acha da sua governação enquanto o presidente da república faz papel do acusador público, denuncia crimes, fraudes e corrupção quando Ministério Público se mantem afastado e tribunal de contas isenta.

Aimé Cesair no seu “discurso sobre colonialismo” entrou nos meandros etnográficos de sociedade europeia, fez um discurso profundo sobre barbárie, miséria e descurou amplamente sobre uma civilização decante e moribunda.
Mas, talvez o mais importante é como o Cesaire conseguiu fazer uma ponte entre a sociedade tradicional do velho continente e a que ele considera decadente, a do capital (capitalismo). Cesaire afirma que, o infortúnio de África não foi ter contato tardio com o resto do mundo, mas, porque o seu contato se deu com a parte mais decadente e perversa da civilização europeia.
Cesaire não falava com paixão porque era um afro, e muito menos era imbuído de rancor racial ou complexo de civilização, mas ele tinha sobretudo, a ciência e consciência do que falava, pois conhecia bem a sociedade da qual falava, era um homem de letras e não só, tinha lido sobre o ocidente através de romances, prosas, poesias e epopeias, gêneros textuais que, despem o espírito humano e mostra o fulcro da coisa (aqui uso coisa não no sentido banal, mas sim da própria sociologia funcional).
Mas, o que esse materialismo histórico tem a ver com a crise e atualidade político social guineense? Caro leitor de O Democrata, permita-me descer ao X da questão, todos nós sabemos que, ao longo dos processos que houveram em África: a resistência quanto ao processo de autodeterminação os africanos proclamaram a autonomia de se governarem e exigiram o direito e liberdade de construir eles mesmos, suas formas de governos com base nas próprias aspirações culturais e prática social, com muita razão. A Guiné Bissau como uma das ex-colônia de Portugal, passou pelo mesmo processo, de luta, sacrifício e finalmente independência, a dita independência. Quase nenhuns dos países africanos conseguiu de facto criar um modelo de Estado com a base nas suas próprias aspirações políticas, mataram as culturas nacionais, houve estrangulamento da riqueza de diversidade e religiosidade étnicas nacionais em detrimento da Igreja cristã apropriado pelo ocidente (brancos), como diz Fanon nos “Condenados da terra”. Importamos tudo que é referente ao Estado (as formas administrativas, políticas, direitos e o sistema democrático).
A Guiné Bissau vem sendo vítima deste modelo que os guineenses desconhecem, os primeiros edificadores de Estado não fizeram um estudo aprofundado e detalhado sobre as nossas peculiaridades e especificidades interna guineense, e desde então, com a base num modelo democrático que se diz semipresidencialista onde ao presidente da república é garantido o pleno direito de derrubar ou, destituir o governo quando bem entender e presidir o conselho dos ministros quando assim entender necessário, mesmo sendo que ambos, ele e o primeiro ministro foram indicados nos processos dispares. Perante este modelo de Estado com base na constituição, nenhum governo chegou a concluir o seu mandato, pois sempre a Guiné teve seus governos derrubados quando assim bem entender necessário o presidente. Mas aí podemos perguntar, quem pode afastar o presidente deve ser assembleia, mas depois deve ser investigado pelo ministério público, só que o ministériopúblico quem indica Procurador geral da Republica é o chefe de Estado (presidente de república) esta é a situação que os guineenses lamentavelmente têm, a falta de independência dos órgãos.
A partir deste parágrafo vou casar o espírito do texto com a sua gênese, sobre Cesaire, é aí que entra o facto de termos herdado um modelo de Estado que não dá mais conta, um modelo de Estado com modelo democrático que hoje muitos especialistas chamam de “crise de democracia representativa” porque se o povo indicar Manuel (pessoa fictícia) como governo não é o presidente que o deva derrubar, mas sim órgãos e poderes que têm a competência de punir e julgar, mas não quem também foi indicado através duma eleição quase que similar, daí importância de entender o Montesquieu, através do sua separação de poder, obra supracitado. Precisamos nos ajustar a Democracia tal qual ela é, ou vamos refazer um novo Estado com base nas nossas próprias aspirações e anseios onde entraria o regulado, poder dos régulos como um dos pilares da constituição do Estado.
Não podemos nos continuar num sistema que agredimos constantemente por estranho ou inadequado.
A democracia não pode em hipótese alguma, se limitar a um simples ato de votar e eleger os dirigentes, deve ser mais que isso, tem que ser o garantimento de bem-estar, de segurança social, da boa educação para com cada cidadão, garantir o funcionamento das instituições independentes de modo a assegurar a liberdade, proporcionar o desenvolvimento estável e estabilidade política governativa. Por isso questiono quem ensinou Democracia aos guineenses? Uma pergunta retórica.
Todos nós sentimos que, a Guiné não tem mais um gosto político, “bati guvernu dóos na oredja de djintis”, com objetivo de cumprir agendas políticas de partes no jogo político em detrimento do real visão de desenvolvimento sustentado.
Portanto, neste momento o país vive parado, sem um governo, com setores sociais e vitais parados, males que vem matando lentamente a possibilidade de desenvolvimento que ainda constitui uma utopia para guineenses. Quando é que vamos deixar de debater pessoas para começar a debater o país e modelo do desenvolvimento? Ou seja, um país que recebe financiamento para beber água não seria atrevimento pensar em desenvolvimento?
Por isso, tudo que os guineenses precisam é de parar, sentarem-se à volta duma mesa e se perguntarem, afinal o que queremos daqui para frente. Porque o modelo deixado pela civilização “decadente” tem criado equívocos, este modelo de Estado importado de Portugal não serve, um modelo que faz chorar tantos guineenses precisa ser repensado, mesmo que não vai ser banido, pois nem defendo isso, mas que seja reajustado para se adequar a nossa realidade objetiva. Patrícia Villen na sua obra “Amílcar Cabral e a crítica ao colonialismo” fez uma recordação no pensamento político de Cabral, quando este dizia numa das suas alocuções que, “nós precisamos criar um modelo de Estado, que vai ser capaz de abarcar todas as nossas aspirações culturais”, e para isso talvez não venhamos a ter ministros.
Precisamos olhar para dentro nas nossas culturas e sociedade uma forma de fazer as nossas coisas, não precisamos encontrar uma pedra filosofal, mas pelo menos algo que satisfaz necessidades básicas e indispensáveis.
Finalizo dizendo que, a Guiné Bissau precisa que todos a repense. Olhar para Guiné como uma criança que chora debaixo de sol ardente tropical. Guiné não precisa mais de Doutores PhD muito menos de “matchus”, ela precisa apenas de gente que pense nela, gente que colocaria país nos primeiros planos. Mas para que isso aconteça, precisamos desfazer os empresários da res-pública, precisamos organizar aqueles que por facto de fizeram a luta armada julgam ter direito natural de governar. Guiné precisa é de um bom gestor sobretudo de um governo que não vai ser propagandista e muito menos de um presidente que não sabe os seus limites e função. Bem dizia professor Marcelo Rebelo Souza, um presidente de república nos sistemas como nosso, não pode estar metido na governação, a ele apenas é reservado o direito de vigiar e aconselhar, ele é um diplomata.
Guiné-Bissau precisa encontrar-se consigo mesma.
 
Por: Tamilton Gomes Teixeira
UNILAB/Ceará-Brasil