sábado, 27 de agosto de 2016

Crônica: AMOR DE CHUNGARIA

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Conheci-a há muitos anos atrás. Ela me parecia muito jovial. Tinha olhos expressivos que, às vezes, me deixavam estonteados só de os ver. Tudo nela era-me especial. Seu sorriso iluminava meus dias. Fui acreditando na moça de 19 anos. Acreditei tanto que, se tentasse um papo de amor, poderia conquistá-la. Mas o tempo foi passando, e eu, cada vez mais, me encantava por ela.

Ela era, enfim, a mulher dos meus cândidos sonhos.
Pensava assim, mas pensava errado, sem que o soubesse.
Fui insistindo atrás dela, mas ela terminantemente me recusava. Dizia que queria tudo comigo, menos sermos um casal de namorados. Pois minha amizade bastava a ela.


Morria ano e nascia ano: nada. Não envolvi, nem confidenciei a ninguém sobre esta paixão avassaladora. Coitado de mim. Nunca me dei por mim a qualquer gesto para desconfiar que não a conhecia. Fui despertando em mim os desejos mais pecaminosos possíveis, sem que, entretanto, cuidasse de saber se ela tinha, por mim, a mesma paixão, e com que intensidade esta paixão se traduzia de sua parte. Parecia que o destino – ou a minha própria estupidez humana – não me permitiram, pelo menos, saber dos vizinhos quem ela era. Como eram seus progenitores, se deram a ela uma esmerada educação. Ou talvez mesmo se exageram na dose. Nada.
Iludia-me o amor macabro que acabei por viver com ela anos mais tarde.

1. Os nãos de sempre

Sua doçura fingida fez-me acreditar que tinha encontrado a minha princesa. Anos em Bissau, acenava para ela, mas não a prometia nada, para não me comprometer com o que não a poderia ofertar. Apenas, como oferta, tinha a minha paixão.

Sempre que me aproximava dela, repudiava-me. Porém, aceitava, com carinho, a minha amizade. Sobre a paixão, sobre o meu interesse por ela, sobre a admiração, o amor que nutria por ela, olhava-me com desdém, sempre que a declarasse.

Um dia destes quando, finalmente, tive a oportunidade de estar com ela a sós, segredei-lhe meus sentimentos. Riu-se, mas riu-se tanto que me senti ofendido, e disse lacónico:

– Jorge, eu não sou da tua laia – afirmou sarcasticamente enquanto virava-me as costas.
– Um dia a gente se casa – foi a resposta que consegui esboçar para aquela situação embaraçosa.

Lembro-me perfeitamente que isto foi em 2003 na hoje Avenida dos Combatentes da Liberdade da Pátria, perto do Liceu João XXIII, eu professor de Latim, e ela, aluna, do mesmo Liceu. Tinha voltado de estudos 1 ano antes.

2. Nos circuitos de Bissau

Às vezes cruzávamos. Cumprimentava-me, e passava. E ria-se de mim. Quase sempre a fazer troça de mim. Na minha cara, é claro.
Não me evitava. Menosprezava-me, contudo.

Dia destes, vi-a com um namorado. Um rapaz que, por sinal, conhecia. Mas ele não sabia que tinha interesse pela menina por quem estava a namorar.


Fui a uma festa dela com pessoas do seu grupo, ou melhor, de sua laia. As colegas, sem saberem da minha real intenção por ela, convidaram-me a festa. Fui. Tomei minhas cervejinhas. Diverti-me o bastante.

Pedi-a para dançarmos uma música. Respondeu-me que aquela música – não me lembro mais da música do(a) autor(a) dela -, só a dançaria com seu namorado. Apresentou-mo, de pronto. Resignei-me. Ora, desistir é que nunca.


A cada insistência minha, menosprezava-me. Criava condições de, isoladamente, poder derrotá-la; ela evitava que acontecesse. E conseguiu isso por longos 7 anos.

3. O reencontro com a amiga na cidade de Agudos, São Paulo, Brasil
Em 2009, fui a cidade de Agudos, no interior de São Paulo com um amigo para matricular suas filhas na Faculdade local.

Às tantas, chega a amiga que, nos idos anos de 2002 e 2003 fora também minha apaixonada – a tivesse aceito, talvez meu destino teria sido outro. Ela, entre uma cerveja e outra, disse-me que era bom que tentasse alguma aproximação com sua melhor amiga. Disse-lhe apenas:


– Dy, esqueça. Comigo é que não. Já perdi o gosto de paixão por ela. Acho-a um tanto grosseira.

Tentou, envia-me e-mails a falar sobre sua amiga. Que esta tinha reconsiderado a sua posição em relação a mim. E toda vez que ela insistia eu me distanciava dela. Até que ela, de visita a São Paulo, ligou-lha; e ela, prontamente, atendeu. Pediu-me que falasse com ela, recusei-me.

Mas, como boa guineense, repassou a ela os meus e-mails e os meus contatos telefónicos. E ela que nunca se interessou por mim, entretanto passou a demonstrar certa empatia, e até mesmo simpatia pela minha pessoa. Incrível. Contudo, continuei rijo, seco e intransigível na minha posição de refutação deste amor que começava por desconfiar que só me traria infortúnios no futuro.
E não é que trouxe mesmo?

Expliquei a Dy que a Gy, por incrível que pareça não era mulher para mim. Pois tinha perdido a paixão. Soubera eu, por intermédio das suas amigas, que ela tinha um namorado na cidade em que estudou com o qual davam escândalos nas constantes brigas que tinham, entre ciúmes e traições. Desisti. Enterrei-a do meu coração.

4. Bissau, o palco da chungaria


Não obstante ter recusado namorá-la, ela insistia, mandava-me e-mails com frases que seus pobres neurónios não podiam conceber. Frases lindas, exóticas até. Falava-me de um amor que não sei donde o inventou. Porque inexistente, falso, sem pingo de verdade.

Ainda em 2009, vim a Bissau participar de um concurso da PLAN INTERNATIONAL. Fiz quinze dias. Como passou a ligar para mim em São Paulo, decidi, ainda que em razão do concurso, ligar para ela, a partir do Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira. Ao atender ao telefone, perguntou-me lacónica e assustadoramente:
– Este número é de Bissau!? – inquiriu, com surpresa.
– Sim, estou em Bissau – respondi-lhe gentilmente.

O tom com que me fez a pergunta, a maneira como reagiu emocionalmente à minha presença em Bissau dava-me indícios de que se tivesse vindo visitá-la, tinha perdido a viagem. E isso era verdade.

Só a vi naquela noite. Na casa dos pais. O resto eram subterfúgios indecentes: não a minha tia está doente, fui visitá-la no Hospital Nacional, temos um toca-choro, fui a uma cerimónia, tivemos muito trabalho hoje no serviço.

Mentia, e isso me desgostava. Até que enviei-lhe uma mensagem, talvez para acalmá-la: querida não estou aqui para atrapalhar a tua vida, vim apenas participar de um concurso. Volto dentro de dias. Tenho compromissos na Universidade.

O amor ou a paixão – que ela tentou despertar – através da amiga dela, foi-se. Evaporou-se. Estava claro que não estava preparada. Tinha outro relacionamento. Estava era a tentar tapar-me os olhos, sugando-me. Ao contrário do que espalha, caluniosamente, que me sustenta, tem o melhor salário. Coisas de um amor mentiroso.

Às vezes, ponho-me a pensar se ela não poderia ser chamada de Dona Flor e seus 2 maridos. O marido oficial e oficioso que queria que eu fosse, e outro o chupador de sua buceta, o seu fodedor. Fugi para não sujar minha honra com porcaria desta porca fedorenta.

5. As esmolas, os irans e os escândalos

De norte a sul, de leste a oeste chegavam plantas, pós e farinhas para me pôr na comida. Os meus bóxeres sumiam. Os muros e os djambakusis, tinha-os, aos montes. Meu nome constava de todos os alcorões, além de ser enterrado na balobas deste chão. Outros papeis enterrados nos irans de diferentes índoles.

Tudo porque ela queria casar-se, à força, pondo-me na forca. Os meus filhos e suas mães, a minha própria mãe eram objetos de escárnios e maldizeres.

Sofria calado, mas armava meus planos de fuga. Aprendi a fingir a amar. E consegui, com maestria, é claro.

Outro dia, estava eu na TGB, para apresentação do Jornal da Tarde, a amiga, My, reuniu um grupo de jornalistas a difamar-me. Sabia que era sobre mim que falavam. Fingi não perceber. O que a amiga não sabia é que tenho ouvidos apuradíssimos. Escutei a conversa. Uma outra vigarista.

Fora ela que, mais uma vez, usava a amiga, e colegas para difamar-me. O que eles não sabem é que ainda me liga a chorar, a pedir para voltarmos. Só sendo eu estúpido, e imbecil, é claro, para o fazer.

6. O orgasmo e os constantes insultos

Estávamos em Dezembro de 2011, ligou-me, umas 16 horas a dizer que sabia que eu tinha voltado de estudos. Respondi-lhe com a toda a polidez possível, e em seguida, pediu-me que a recebesse para um papo simples – em nome da amizade. Prontamente aceitei, e às 17 horas, subia as escadas do Espaço Lenox, já que estava no 1º piso a tomar umas cervejinhas, como sempre.

Conversamos sobre amenidades, e lógico, pediu-me que reconsiderasse minha posição, e que podíamos “tentar” para ver no que dava. Recusei. Nos dias seguintes, ela foi insistindo, ligando incessantemente; mas continuei recusando. Até que um dia à noite veio ter comigo em Míssira. Usava o melhor perfume que tinha.

No entanto, como tinha saído à caça de uma em quem pudesse afogar o ganso, e não encontrei, estava ela ali, disponível. O meu irmão piscou-me os olhos, e como se isto não bastasse, disse-me: está aí uma, curta-a; afinal, não a convidaste.
Nisso de afogar o ganso, aconteceu de ela uivar como um cão no cio. Lembro-me depois do orgasmo ter-me ela dito que algo tinha saído de dentro dela como se fosse água a jorrar-lhe do corpo. Deduzi que ela não sabia – ou fingia ou era a primeira vez – que tinha tido o primeiro orgasmo da sua vida.

Agora espanta-me que, decorridos anos, ainda tenha que aguentar insultos de alguém que dei tantos orgasmos, e a ensinei a muitas outras formas de fazer amor com o máximo de prazer possível. Explorando as possibilidades do devir outro prazeroso.

Mas isso não importa. Dizia-nos a nossa mãe que se quiséssemos vencer na vida que evitássemos, ao máximo, fazer amizade ou com uma pessoa mentirosa ou com uma pessoa ladra. Pois, os dois tipos carregam em si a semente da discórdia que conduz à morte.

Caro leitor d’O Democrata, até a próxima, que o cronista precisa dormir para tentar esquecer o desassossego pátrio.

Por: Jorge Otinta, poeta, ensaísta e crítico literário Guineense