quinta-feira, 25 de agosto de 2016

QUANDO O SORRISO NÃO SIGNIFICA NECESSARIAMENTE ALEGRIA

O livro A Vida Sexual dos Selvagens do Noroeste da Melanésia, publicado em 1929 pelo antropólogo austro-húngaro Bronisław Malinowski, descreve um insólito costume que o autor só conhecia de ouvir falar. Numa determinada ilha, as mulheres de várias aldeias, quando arrancavam as ervas daninhas das roças, tinham o direito de "atacar" os homens de outros povoados que aparecessem na sua frente. “O homem se torna então um brinquedo das mulheres, que se entregam com ele a todo tipo de violências sexuais e crueldades obscenas, cobrindo-o de imundícies e maltratando-o de mil maneiras”, contava Malinowski.
 
O antropólogo continuava seu relato sem poupar detalhes que, quase um século depois, continuam a ser tabus. “Depois da primeira ejaculação, a vítima pode ser tratada da mesma maneira por outra mulher. Frequentemente ocorrem coisas ainda mais repugnantes. Algumas mulheres cobrem o corpo do homem com seus excrementos e sua urina, atacando de preferência o rosto, que mancham o quanto podem.” O livro de Malinowski desenhava as ilhas Trobriand (parte de Papua-Nova Guiné, na Oceania) como um paraíso com uma relativa liberdade sexual, a qual, no decorrer do século XX, foi exagerada por publicações como a Playboy e National Geographic, transformando o arquipélago nas "Ilhas do Amor".
 
Mas não são. “Não mesmo. Há sexo oficial e oficioso, como em qualquer lugar, e às vezes é mais visível porque são comunidades pequenas”, resume o psicólogo espanhol José Miguel Fernández Dols. A equipa desse especialista da Universidade Autónoma de Madri acaba de observar nas ilhas Trobriand algo que pode ser mais importante que a promiscuidade. Em algumas de suas aldeias, o sorriso não está associado à alegria. “Interpretam-no como um convite social, como a magia da atração”, explica.
 
A comunidade científica acredita atualmente que as expressões faciais da emoção não são determinadas pela cultura, e sim por uma origem biológica, o que as tornaria universais. O pai dessa teoria é o psicólogo norte-americano Paul Ekman, assessor científico do filme Divertida Mente. Essa animação da Disney resume bem a chamada Tese da Universalidade, com cinco emoções cujos gestos seriam reconhecíveis por qualquer um dos 7,4 mil milhões de habitantes da Terra: alegria, tristeza, raiva, medo e nojo.
 
Fernández Dols discorda. A sua equipa estudou os rostos de dezenas de atletas olímpicos recebendo a medalha de ouro, de uma centena de pessoas tendo um orgasmo, de 174 lutadores de judo ganhando suas lutas, de adeptos de futebol vibrando e até de 22 toureiros em plena ação. E conclusão foi que as expressões faciais, como o sorriso, são ferramentas para a interação social, mais do que uma representação de uma emoção interna básica.
 
“A indústria da felicidade move milhões de euros e parte do princípio de que o sorriso está por trás da felicidade”, diz Fernández Dols, referindo-se à máquina internacional de cursos, livros de autoajuda e outras formas de charlatanismo. “As expressões faciais são estratégias interativas. As crianças, quando caem, só choram ao verem a sua mãe”, argumenta o psicólogo.
 
As ilhas Trobriand são um arquipélago de atóis, sem eletricidade nem água corrente. Os seus habitantes vivem da pesca e da agricultura rudimentar. Carlos Crivelli, colega de Fernández Dols, mostrou a 68 crianças e adolescentes das ilhas seis fotos, com as expressões faciais prototípicas de alegria, tristeza, raiva, medo e nojo, além de um rosto neutro. Fizeram o mesmo com 113 crianças de Madrid.
 
Em Trobriand, só 58% das crianças associaram o sorriso à alegria. A cara de tristeza só foi identificada como tal por 46%; a de medo, por 31%; a de nojo, por 24%. Só 7% associaram o rosto carrancudo à raiva. Em Matemo, uma ilha perdida no norte de Moçambique, os pesquisadores obtiveram resultados semelhantes. Em Madrid, a imensa maioria dos participantes associou todas as emoções básicas às supostas expressões faciais universais.
 
“O conceito de emoção básica é popular, mas não necessariamente científico”, opina Fernández Dols. 
 
Redação (El País)
Fonte: Aqui