domingo, 16 de outubro de 2016

Bocundji Cá: DE VENDEDOR DE RUA A CAPITÃO DA PRIMEIRA SELEÇÃO NACIONAL A APURAR-SE PARA CAN

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Nasceu no bairro de Bandim, zona 7, no seio de uma das famílias mais pobres da comunidade, que nem sempre tinha o que comer. Bocundji Cá sempre viveu com a mãe, vendedora de legumes, frutas e óleo de palma, nas feiras [mercados municipais] de Bissau, que assim garantia o sustento de uma grande família.
 
A mãe de Bocundji Cá sempre foi o alicerce principal de um agregado em que a maioria dos membros não tinha emprego.
Bocundji ausentava-se frequentemente da sala de aulas para ir jogar a bola com colegas. Nem ele tinha tempo de sobra. O atual capitão dos ‘Djurtus’ passou uma boa parte da sua infância na tabanca, na região de Biombo, norte da Guiné-Bissau. Ocupava-se de trabalhos domésticos e de campo nas épocas de chuvas. Ainda muito pequenino, Bocundji cuidava do gado no campo, plantava arroz nas bolanhas, enquanto a mãe arriscava em busca das melhores condições de vida. Mas Bocundji desde muito cedo se revelou um potencial talento no mundo de futebol.

Quando a família fixou a residência em Bissau, começou a dar os primeiros pontapés na bola, num campo improvisado em frente a sua casa, no bairro de Bandim.
De imediato, os mais atentos notaram que tinha algo mais a dar ao futebol, se fosse bem orientado.
Bocundji Cá foi incentivado a iniciar os treinos no Estádio Lino Correia, no centro de Bissau. Depois dos treinos comia, na rua, com os colegas, a habitual sandwíche que tinha preparado: pão com mancara. Cá e colegas, caminhavam todos os dias de Bandim até ao centro de cidade para os treinos.
Além dos treinos, o jovem tinha ainda de ajudar a mãe no negócio – tarefas nem sempre fáceis de conciliar. Muitas vezes, tinha de despertar às 6h00 para ajudar a mãe a preparar-se para a dura batalha diária, para que a família pudesse ter o que comer. Carregava à cabeça, até ao local do comércio, os produtos que a mãe vendia. Depois voltava para casa e preparava-se para ir ao liceu, que entretanto começou a frequentar em Bissau. A tarde era dedicada à bola, perto de casa, com amigos e vizinhos.
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Uma das grandes vergonhas a que foi sujeito, conta, foi quando o antigo Presidente da República, Kumba Iala, em plena visita aos mercados de Bissau, pisou, sem dar conta, os cadernos escolares que Cá vendia junto dos passeios. Bocundji passou a ser vulgarmente conhecido por ter sido vítima de tal insólito.
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Devido ao seu notável desempenho nos treinos, Bocundji Cá foi escolhido pelo empresário Inussa para ir a França fazer testes na escola de formação de Nantes FC.
Na altura, com 15 anos, a ansiedade era tal que Cá não conseguiu dormir por várias noites. Mesmo assim, não deixou de ajudar a mãe – até na recolha da comida de porco pelas vizinhanças.
O guineense foi admitido no Nantes FC e considerado uma promessa do futebol africano. Fez toda a formação, na altura, numa das maiores escolas de formação europeia de jogadores.
Foi aí que teve a oportunidade de se cruzar com um vasto leque de estrelas do futebol mundial, partilhando balneários com uns e defrontando outros em partidas decisivas em França.
Nessa altura em que se destacava no futebol internacional, Bocundji teve de enfrentar a dura prova da morte do seu pai. O jogador conta que entrou em desespero vendo o sonho do futebol desmoronar-se, pois queria que o pai testemunhasse o seu sucesso nos principais relvados mundiais.
O futebol permitiu ao jogador guineense ganhar avultados salários, realizar o sonho da mãe de conhecer a Europa e garantir uma vida confortável perto dos irmãos.
Ao serviço da seleção nacional guineense, Cá sempre foi um dos jogadores mais criticados, principalmente sempre que a equipa perdia uma partida. Mas nunca desistiu do seu sonho de erguer ao mais alto nível a bandeira nacional. Mas, quando a Guiné-Bissau não conseguia juntar os jogadores para as partidas da seleção, devido aos maus resultados, Cá foi dos primeiros a tirar do seu bolso para viajar e convencer os colegas sobre a importância de representar as cores nacionais. Mesmo assim, recorda que depois de uma pesada derrota da seleção guineense, no estádio nacional 24 de Setembro, não muito longe de casa, um grupo de adeptos foi a casa da sua mãe e insultou toda a família.
Bocundji chegou  mesmo a dizer, em entrevista à Rádio Jovem, que nesse dia chorou ao colo da sua mãe como se fosse uma criança. Mas no dia seguinte, levantou a cabeça empenhado em continuar a trabalhar, pela camisola da Guiné, com dedicação e humildade.
Hoje, o jovem determinado, que andou de porta em porta a vender manga, milho, “siti” [óleo de palma] e cadernos entrou para a história de um pequeno país que pretende conquistar o mundo em futebol.
Bocundji Cá, que muita das vezes não tinha sapatos para ir festas com colegas de infância,  foi capitão e figura importante no primeiro apuramento da seleção nacional da República da Guiné-Bissau para a fase final do CAN, a realizar-se no Gabão em 2017.
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Após o apito final do jogo que ditou o apuramento da Guiné-Bissau, Bocundji Cá, que se afirma ser um soldado que luta para levar avante os ideais de Amílcar Cabral, cobriu-se com bandeira nacional, ajoelhou-se no meio campo, levantou os dois braços aos céus e, perante um mundo de jornalistas, pediu paz, estabilidade e a união nacional dos políticos, a bem das populações mais carenciadas, maior atenção às crianças do país.
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“Queremos que esse apuramento sirva para trazer a paz, estabilidade e união entre os filhos da Guiné, no chão de Cabral. Que as nossas crianças tenham um futuro melhor’”, disse  Bocundji Cá.
 
Por: Braima Darame, jornalista