O tricampeão africano da luta livre, Augusto Midana, que recentemente esteve nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro (Brasil), encontra-se em dificuldades, sobretudo com a falta de meios para efectuar o tratamento médico da lesão que sofreu na clavícula direita. O ‘Guerrilheiro’ guineense da arena da luta livre na categoria de 74 quilogramas, concedeu uma entrevista [30/09/2016] ao semanário “O Democrata” para abordar o seu percurso bem como as suas conquistas no mundo da luta livre e as suas perspectivas para o futuro.
Durante a entrevista, Midana contou que conquistou até aqui 16 medalhas para a Guiné-Bissau, das quais, dez (10) de Ouro, três (3) de Prata e três (3) de Bronze. Acrescentou ainda que luta há muito tempo, recebendo apenas um ‘Obrigado’, mas pediu as autoridades para verem os seus resultados e que tente ser justo.
“Eu consegui esses feitos para o Estado da Guiné-Bissau. O que é que o Governo fez por mim? Nada até aqui… Não estou aqui a pedir milhões, mas que, pelo menos, haja uma justiça entre os desportistas, porque não pode haver o mais importante e o menos importante. O que país pode exigir são os resultados, mas nós conseguimos os resultados que o povo guineense podia exigir, sem nenhum apoio e a custa de grandes sacrifícios”, espelhou o rei de arena da luta livre.
Explicou ainda que neste momento deveria começar a preparar-se para defender o título de campeão africano da luta livre em 2017, mas até agora não conseguiu tratar a sua lesão.
“Como vou defender esse título?! Tenho lesões na clavícula direita desde antes dos Jogos Olímpicos, até agora não consegui o tratamento. A ideia era que a federação internacional da luta livre assumisse o meu tratamento, mas não consegui tratar-me e fui para os Jogos Olímpicos. A responsabilidade agora é do Comité Olímpico, de assumir o meu tratamento, mas nada até agora. Se o Comité Olímpico não conseguir ajudar-me, então falarei com um meu amigo, no Senegal e talvez ele possa ajudar-me”, assegurou.
O Democrata (OD): Onde nasceu Augusto Midana?
AUGUSTO MIDANA (AM): Nasci no sector de Nhacra, numa tabanca chamada Sucuto, mas nós balantas a chamamos de “Tsucutu”, onde cresci e vivo até hoje.
Estudei até 4ª classe em Nhacra, mas quando comecei a estudar 5ª classe, faleceu o meu tio – irmão mais novo do meu pai. Na nossa tradição, naquelas circunstâncias fazia-se a lavagem de casa, na base da referida cerimónia – entrei na luta.
A primeira pessoa que me descobriu ou melhor que viu em mim uma potência foi um senhor chamado “Nelo”. Na altura, organizou-se um evento de luta aqui em Bissau, no bairro de Quelélé. Um jovem que veio de Bafatá, o ‘Nhamma’, e por coincidência somos sobrinhos da mesma tabanca.
Nhamma derrotou os meus colegas na luta. Os meus colegas pensaram logo numa pessoa que pudesse vencer e convencê-lo. Concluíram que eu era a pessoa certa para fazer frente ao bravo Nhamma.
Foram procurar-me na nossa aldeia, mas a partida não me encontraram em casa. Encontraram-me mais tarde e trouxeram-me para Bissau. Lutei com Nhamma e felizmente saí como vencedor. Daí descobriram-me como um grande lutador.
A minha primeira saída como lutador foi para Ziguinchor, Senegal. Venci todos os combates que disputei no solo senegalês na altura. Naquele período, o meu falecido irmão também lutava e era grande lutador.
OD: Achava que a luta seria um caminho para a sua ascensão no mundo do desporto?
AM: Não esperava que pudesse conseguir os feitos que estou a exibir agora. Mas eu tinha a minha determinação em prosseguir, tendo em conta o meu talento. Antes de iniciar a minha carreira, muitos colegas meus seguiram o mesmo caminho, mas acabaram por desistir devido ao sacrifício enorme que há nessa caminhada. Eu tenho a minha determinação e decidi enfrentar os obstáculos, por isso consegui chegar ao nível onde estou hoje.
OD: Nhacra é o lugar de onde saem mais lutadores no país?
AM: Posso dizer que sim, mas não é superior às outras localidades. Antes havia grandes lutadores como Talata Embaló e N’Palmutcha, ambos eram grandes lutadores. Claro que agora as pessoas podem falar de Nhacra, porque todo o mundo fala de Augusto Midana. Mas não significa que Nhacra seja melhor na luta em relação às outras localidades da Guiné-Bissau.
Se a Guiné-Bissau organizasse eventos de luta livre como o Senegal, certamente que veríamos que o país tem muitos e bons lutadores, tanto em Nhacra, nas regiões e até mesmo aqui em Bissau. Nas tabancas, as pessoas lutam sem receber um tostão. Fazem tudo com grande prazer.
OD: Como é que Augusto Midana sente-se agora no seio da sociedade de Nhacra, em relação aos tempos passados?
AM: Sinto-me bem, porque na primeira vez que fui recebido de uma forma calorosa no Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira, após ter conquistado o meu título de tricampeão africano, muitas pessoas deixaram os seus afazeres em Nhacra e vieram juntar-se a mim naquele dia tão especial. Foi um momento inédito na minha vida e na minha careira como atleta.
OD: Já se sentiu que a sua dimensão ultrapassa a vila de Nhacra?
AM: Não! Jamais vou ultrapassar Nhacra, talvez morto. Acho que nunca vou ultrapassar Nhacra, porque percebi que cheguei onde estou hoje através dos nhacrenses. E o nome que estou a ter hoje é graças a eles.
Mas no que concerne a fama, Augusto Midana tem uma dimensão internacional. Mereço um enorme respeito entre meus colegas assim como de cidadãos comuns. Garanto que o respeito que tenho fora do país é maior que o que tenho na Guiné-Bissau.
No Senegal por exemplo, chamam-me de campeão…campeão, mas sou campeão de nada!
OD: Augusto Midana faz alguma coisa além de luta?
AM: Além de luta livre, também sou camponês. Nunca abandono a minha actividade agrícola, a minha segunda profissão. Vejam só as minhas mãos como estão calejadas devido prática de lavoura antes da minha participação nas olimpíadas do Brasil.
Se tivesse meios, talvez não estaria a praticar lavoura com minhas próprias mãos, talvez contratasse pessoas para o efeito, mas como não tenho dinheiro tenho que assumir o cultivo do meu campo. Até na véspera da nossa ida ao Brasil estive no meu campo, cultivando.
Mas se tivesse meios, certamente que concentrar-me-ia apenas nos treinos e não no meu campo. Mas como estou sem meios financeiros, sou obrigado a ficar na lavoura.
OD: Onde conquistou a sua primeira medalha?
AM: Conquistei a minha primeira medalha [Prata] no Níger, em 2006, numa competição da francofonia. Na altura viajei junto com o Vitorino Cassamá que era o presidente da federação da luta livre.
Antes de conquistar a minha primeira medalha, sentia uma enorme vontade de representar condignamente o meu país como tenho feito até hoje. E amanhã continuarei a fazer o mesmo por amor a Guiné-Bissau.
Quando perco um combate fico muito triste. Às vezes, antes das competições não consigo comer, tudo pela força e vontade de representar o nosso país. Sempre jurei defender a bandeira nacional nas arenas internacionais.
OD: Foi essa primeira medalha de Prata em Níger que lançou Augusto Midana no mundo da luta livre?
AM: Foi sim! Porque a conquista daquela primeira medalha deu-me uma alegria tremenda. Naquele dia senti-me confiante de poder dar algo mais ao país, na modalidade de luta. O mesmo feito de Níger fez os responsáveis do Comité Olímpico da Guiné-Bissau acreditarem em mim e concederam-me uma bolsa olímpica para o centro de alto rendimento de Thiès – Senegal, onde, com os treinos tornei-me no Augusto Midana que as pessoas conhecem hoje.
OD: Qual é sua relação com outros lutadores africanos?
AM: Tenho uma boa relação com quase todos os atletas africanos, todos querem aproximar-se de mim. Por exemplo, se nos vemos num restaurante vivemos momentos de harmonia, incluindo o grande atleta nigeriano com o qual tive vários combates. Mas a minha aproximação aos meus colegas deve-se em parte ao meu treinador. Tenho uma relação saudável com os lutadores do nosso continente, sejam egípcios ou seja, com todos da arena africana.
Até alguns têm seguranças ou guardas, mas eu acredito que Deus é minha segurança.
OD: Qual é o treinador que teve influência na careira de Midana, seja nacional ou internacional?
AM: No país, Aristóteles Soares da Gama (Tótó) era o meu treinador. Até me hospedava na sua residência e dava-me de comer antes de deixar a Guiné-Bissau para ingressar ao centro de alto rendimento de Thiès no Senegal. Ele influenciou bastante na minha evolução como atleta. Actualmente a minha treinadora é a Leopoldina Ross Dayves.
OD: Lutava com Tótó no momento de preparação. Será que consegue lutar também nos treinos com Ross sem dificuldades?
AM: Ela tem enfrentado muitas dificuldades, porque o meu nível actual é diferente do da Ross. Ela é treinadora e devo respeitá-la e ouvir as suas orientações. Devo ouví-la e ela a mim, mas na verdade o meu nível é superior ao dela.
OD: Augusto Midana é hoje um atleta internacional de um nível muito alto, com uma treinadora de um nível inferior. Não dificulta seu trabalho?
AM: Claro que dificulta os meus trabalhos!
OD: A Ross foi sua escolha ou foi indicada pela federação de luta?
AM: Não foi minha escolha. Ela foi praticante da modalidade de luta. Mas a luta actualmente é diferente do passado. Agora precisa pesquisar muito para saber do nível dos outros atletas.
OD: A mudança de treinador, de Tótó para Ross, não influenciou o seu desempenho nos jogos olímpicos?
AM: Não! Mesmo que tendo um bom treinador, se ficarmos num único lugar, nunca seremos bons atletas. É importante ter contactos com outros atletas. Imagine aqui na Guiné-Bissau, não tenho nenhum atleta do meu nível para poder sondar o meu nível.
Mesmo se Tótó e Ross fossem bons treinadores, se eu não conseguisse manter contactos com outros atletas do meu nível e saber do nível onde estou, não seria tão bom atleta na modalidade. Outra coisa é que eu estava no Senegal, longe de Ross e Tótó, mas o problema era um parceiro com quem pudesse fazer um estágio antes das olimpíadas do Brasil. Foi isso que aconteceu comigo. Não tive um parceiro (partenaire) com quem fizesse o meu estágio.
Treino com Quintino Ntipe, mas já nos conhecemos. Assim os treinos não têm piada. Há toda a necessidade de fazer combates-treino com outros atletas de outros países.
OD: Quais são os ganhos que Augusto Midana teve até aqui?
AM: A minha mãe pediu-me para deixar de lutar, porque para nós balantas, é complicado quando vêm uma pessoa como Midana a ter êxitos internacionais sem nenhum ganho. Alguns familiares podem pensar que apenas a minha mãe que está a beneficiar dos meus ganhos. E isto provoca mal-estar no seio da família. Por isso ela é da opinião que eu pare de lutar, porque não ganho nada na luta.
Há muita gente que sabe lutar muito bem, mas abdicaram da luta, porque não ganham nada. Eu sou da opinião de que mesmo que custe a minha vida, vou lutar. Mas quero que a minha família beneficie do meu trabalho.
A minha mãe sempre insistiu que eu deixasse de lutar, porque não vê nada de ganhos na luta.
Não conseguiu oferecer nada ao meu falecido irmão com profissão de luta livre ao serviço da Guiné-Bissau. Imagine! Até sou obrigado a pedir empréstimos à minha mãe para resolver os meus assuntos particulares. Recentemente ela emprestou-me 100 000 (cem mil) francos CFA.
“Pare de lutar, porque você não faz nada para mim e toda família pensa que fazes tudo só para mim. Mas não como nada de ti. Eu trabalho com as minhas mãos” – oiçosempre essas palavras da minha mãe, e ela tem toda a razão.
A minha mãe arruma areia, cultiva inhame e explora a lenha para ganhar o seu dinheiro. O exemplo disso foi o dinheiro que lhe pedi emprestado. É da sua exploração de areia.
OD: Augusto Midana é tricampeão africano e com muitas mais medalhas. Quanto custa, em termos monetários, cada medalha arrecadada pelo país?
AM: O país não me dá nada… o país não me dá nada! Apenas lutamos por amor a pátria. Nós atletas da luta livre, antes das competições temos que fazer um regime alimentar para baixar o peso. Talvez se o país desse um pouco de dinheiro de bolso (perdiem) quando fossemos competir, talvez isso facilitasse o regime de subir e baixar de peso. O meu peso normal é 78 a 79kg, às vezes chego aos 80. Quando assim é, sou obrigado a baixar quatro ou cinco quilos antes das competições para estar nos 74 quilos que correspondem à minha categoria. O nosso peso é confirmado na tarde da véspera do combate.
O meu irmão mais novo, Quintino Midana, chegou a descer o seu peso dez quilos, mas no caso de nós atletas da Guiné-Bissau, muitas vezes não conseguimos meios financeiros para podermos fazer uma recuperação adequada de pesos perdidos.
Chegamos ao ponto de beber água para poder competir no dia seguinte. E atenção, a luta livre tem três partes de três – três minutos. Nós, atletas da Guiné-Bissau, sempre quando chegamos a última parte dos combates sentimo-nos fracos devido a má alimentação… ficamos sem forças nos braços e nas pernas.
OD: Tem a noção dos feitos que conseguiu para a Guiné-Bissau. Sente-se reconhecido pelas autoridades nacionais?
AM: Não me sinto reconhecido como uma pessoa que trouxe medalhas de Ouro para o país, ou melhor, que levou a bandeira da Guiné-Bissau para o mundo fora. Eu sou o tricampeão africano da luta livre na categoria de 74 quilogramas, mas não sou reconhecido no meu próprio país. É impossível comparar a vida que os meus colegas lutadores levam nos seus respectivos países com a vida que levo.
Sinto-me triste e até envergonhado de apresentar-me perante a minha família e perante os meus próprios colegas de profissão. Aliás, eles levam uma vida melhor que a que levo. Confesso que essa situação toda deixa-me muito triste. Mas o que me leva a dedicar-me à luta é o amor pela minha pátria e a paixão que sinto pela luta livre. Sei que não me reconhecem pelos esforços consentidos ou pelos feitos obtidos em nome da Guiné-Bissau.
Eu não gosto de falar muito e, particularmente de criticar as pessoas, porque os guineenses são difíceis e qualquer coisa é interpretada de várias formas. Sabe que nós africanos somos ‘complicados’, aliás, não temos a ousadia de encarrar a verdade. Sinto-me muito mal com a situação que estou a enfrentar, por isso não me apetece apresentar-me com o nome de campeão perante as pessoas.
Digo apenas as pessoas que o meu nome é Augusto, sem acresentar ‘Midana’… às vezes apresento-me com o nome de ‘Binghaté’, que é o nome da tabanca. Sou tricampeão africano da luta livre em nome da Guiné-Bissau e não é em nome da Nhacra ou da minha tabanca Sucuto. Mereço ser valorizado como um combatente que luta para erguer a bandeira da Guiné-Bissau no mundo. Aliás, qualquer pessoa que luta na sua área profissional para representar o nosso país com a dignidade merece ser respeitada e valorizada.
OD: Conseguiu grandes feitos na África e uma boa posição no mundo da luta livre. Chegou a ser recebido por altos dirigentes do país para falar sobre as suas conquistas?
AM: Nunca. Lembro-me apenas que fui convidado recentemente para tomar parte no jantar promovido pelo Presidente da República, José Mário Vaz, no âmbito da comemoração de 24 de Setembro, data da proclamação de independência. O Presidente perguntou-me naquela ocasião se eu não queria ter uma audiência com ele, respondi-lhe que queria.
O Presidente disse-me que há muito tempo que queria ver-me. Disse-lhe que também andei atrás dele, mas não consegui. Espero que ainda haja a possibilidade de conseguir uma audiência com o Presidente da República, José Mário Vaz. Não estou a pedir nada à ninguém, mas a única coisa que exijo que nos tratem com honra e dignidade, como combatentes que lutam para erguer a bandeira da Guiné-Bissau no mundo, porque merecemos e a prova disso são as nossas conquistas. Elas falam por nós.
OD: A promessa das autoridades de construir uma casa para si e estabelecer um salário base já foi materializada?
AM: Até neste momento que estamos a falar, tudo não passa de uma simples promessa. Eu acho que pode ser concretizado, mas até agora nada ainda. Antes do Governo de Carlos Correia, que formalmente tomou a iniciativa que construir-me-ia uma casa e estabelecer-me-ia um salário base.
Não é a primeira vez que o governo compromete-se em fazer isto e mais aquilo… já nos habituamos às promessas. Lembro-me que tínhamos assinado um contrato com o governo no último mandato do Presidente Nino Vieira, onde o governo comprometia-se em estabelecer um salário base para pagar.
Assinamos o contrato com muitas esperanças que passaríamos a receber um salário no final de cada mês, o que nos permitiria resolver alguns assuntos da família. A pessoa que tinha esse dossiê acabou por falecer e todo o sonho foi com ele. Era um homem chamado de ‘Bela’, ocupava um cargo no Comité Olímpico, mas também foi designado como chefe da delegação Olímpica no ano 2008. Foi ele quem fez ‘finca-pé’ para que pudessemos ter um salário mensal, mas infelizmente morreu e a iniciativa foi com ele.
O Governo de Eng. Carlos Correia tomou a iniciativa, na reunião do Conselho dos Ministros, que construir-me-ia uma casa e até estabeleceram-me um salário mensal de um milhão de Francos CFA. Apesar de toda aquela euforia na altura, ninguém comunicou-se comigo para informar daquela iniciativa do governo. Eu vi a notícia na internet em Dakar e fiquei a espera de uma comunicação oficial sobre a referida decisão.
O antigo Secretário de Estado da Juventude, Cultura e dos Desportos, Francisco Conduto de Pina, foi uma das pessoas que se comprometera também nesta história de implementar um salário para mim, bem como a construção de uma casa. Lembro-me que uma vez o Conduto perguntou-me se tinha energia eléctrica em casa, respondi-lhe que não.
Ele prometeu que ia providenciar a instalação de um painel solar na minha casa em Socuto, infelizmente não chegou a concretizar a promessa. Sobre o salário, pediram-me o número da minha conta em Dakar, de forma a poder enviar-me o salário mensalmente através daquela conta. Tudo isso não passou de promessa. Não sei se se concretizará ou não.
Os amigos, famílias e conhecidos ligavam-me para felicitar e até há os que pensam que já comecei a ganhar aquele dinheiro. Confesso que até agora não recebi nem 25 xof. Aliás, não recebo nada do Estado da Guiné-Bissau como salário ou subsídio mensal, como uma pessoa que se esforça para representar o país com honra e dignidade pelo mundo fora.
Hoje não se pode falar da luta livre na África e no mundo sem mencionar o nome da Guiné-Bissau. Isso foi graças ao Augusto Midana, tricampeão africano da luta livre. Consegui para a Guiné-Bissau 16 medalhas, das quais, 10 (dez) de ouro, 3 (três) de prata e 3 (três) de bronze.
Consegui esses feitos para o Estado da Guiné-Bissau. O que é que o Governo fez para mim, nada até aqui… Não estou aqui a pedir milhões, mas sim pedir que pelo menos haja uma justiça para os desportistas, porque não pode haver um que seja mais ou menos importante. O que país deve exigir são os resultados. Nós conseguimos os resultados que o povo guineense poderia exigir, sem nenhum apoio e à custa de grandes sacrifícios.
Nós já conseguimos medalhas de ouro, prata e bronze. Conseguimos títulos de melhor em África na nossa modalidade. A única coisa que queremos é um tratamento igual, porque merecemos. Somos campeões de Africa da Luta Livre três vezes consecutivas.
Estou cá a pensar nos próximos jogos africanos de 2017, sobretudo para defender o título.
Como vou defender esse título? Tenho lesões na clavícula direita desde antes dos Jogos Olímpicos do Brasil, até agora não consegui ainda um tratamento. A ideia era que a federação internacional da luta livre assumisse o meu tratamento, mas não consegui tratar-me e fui aos Jogos. A responsabilidade de assumir o meu tratamento agora é do Comité Olímpico, mas nada até agora. Se o Comité Olímpico não conseguir ajudar-me, então falarei com o meu amigo no Senegal e talvez ele possa ajudar-me.
Preciso tratar-me e prosseguir com os treinos de preparação. Preciso buscar um parceiro para treinos que corresponda ao meu nível. Treino com uma única pessoa no centro olímpico de Thiès, mas a regra recomenda variar os parceiros.
Eu teria que deslocar-me sempre de um lugar para outro para a preparação, mas o governo guineense não me proporcionou essas condições. Estou aqui a conduzir uma motorizada (TVS), sem seguro de vida.
OD: O seu título de tricampeão africano de luta livre valeu-lhe uma motorizada TVS?
AM: Até agora não recebi nada do Governo da Guiné-Bissau. A motorizada que conduzo é do meu irmão. Ele é que ma empresta para poder movimentar-me e resolver alguns assuntos no centro da cidade. Eu vivo em Nhacra e concretamente na aldeia de Socuto, portanto peço-lhe que ma empreste sempre que pretendo vir à Bissau.
OD: Acha que com o seu título de tricampeão africano de luta livre é normal pedir esmola…
AM: Não é normal pedir esmola para viver, muito menos para tratamento médico. Acho que mereço um tratamento condigno, porque sou um lutador. Luto para dignificar o país, luto para honrar o nome da minha família. Sinto-me como um combatente que luta para o bem-estar do seu país.
OD: Sente-se explorado pelas pessoas que ganham alguma coisa em nome de Augusto Midana?
AM: Sim, eu sinto que estou a ser explorado pelas pessoas que nos representam. Não sabemos o montante real disponibilizado pelas autoridades para nos apoiar. A única coisa que sabemos é que, se nos entregam 100 mil Francos CFA é porque levantaram um valor muito superior daquilo que nos deram. Imaginem, como campeão não tenho nada. São os meus colegas (adversários) que derroto em combates que me convidam para sair, depois dos combates, mas eu não posso convidar ninguém, porque não tenho nada.
Luto pela minha pátria, sobretudo para defender a bandeira e o nome do meu país. Quero advertir às pessoas, que eu, Augusto Midana, estou a tolerar muitas coisas… isso não significa que não sei nada, ou seja, que porque vim do interior, não percebo nada. A luta livre é a minha paixão, eu amo a minha terra. Portanto vou combater e honrar o nome da Guiné-Bissau até ao fim da minha vida.
Não pedi nada a ninguém e a única coisa que peço é que me tratem com dignidade e honra. Eu mereço isso, porque represento o país com suor e sacrifício. É urgente que se comece a pensar no desporto da Guiné-Bissau em geral, sobretudo em criar condições necessárias para os desportistas. Os jovens estão a crescer na modalidade da luta livre, portanto é bom que se comece a reorganizar para evitar que as situações deste género se repitam.
Se nos organizarmos melhor, podem surgir mais Augusto’s Midana’s e quiçá, atletas com mais qualidades que o Augusto. Mas isso faz-se com organização e respeito. Tínhamos Talata Embaló e N’Palmutcha e hoje estamos a falar de Augusto Midana. Se não houver condições e dignificação de atletas, eu não acredito que possa haver novos Augustos. Hoje todos nós vemos muito longe, particularmente os jovens que estão a crescer. Jamais ninguém lutará para obter o pago de ‘Obrigado’.
Há muitos anos que estou a combater por ‘Obrigado’. É verdade que sou guineense e que estou a defender o meu país, mas também a maior verdade é que tenho família. Tenho que lutar para o futuro dos meus filhos.
NB: continua na próxima edição…
Por: Assana Sambú/Sene Camará
Foto: Marcelo N’Canha Na Ritche
Durante a entrevista, Midana contou que conquistou até aqui 16 medalhas para a Guiné-Bissau, das quais, dez (10) de Ouro, três (3) de Prata e três (3) de Bronze. Acrescentou ainda que luta há muito tempo, recebendo apenas um ‘Obrigado’, mas pediu as autoridades para verem os seus resultados e que tente ser justo.
“Eu consegui esses feitos para o Estado da Guiné-Bissau. O que é que o Governo fez por mim? Nada até aqui… Não estou aqui a pedir milhões, mas que, pelo menos, haja uma justiça entre os desportistas, porque não pode haver o mais importante e o menos importante. O que país pode exigir são os resultados, mas nós conseguimos os resultados que o povo guineense podia exigir, sem nenhum apoio e a custa de grandes sacrifícios”, espelhou o rei de arena da luta livre.
Explicou ainda que neste momento deveria começar a preparar-se para defender o título de campeão africano da luta livre em 2017, mas até agora não conseguiu tratar a sua lesão.
“Como vou defender esse título?! Tenho lesões na clavícula direita desde antes dos Jogos Olímpicos, até agora não consegui o tratamento. A ideia era que a federação internacional da luta livre assumisse o meu tratamento, mas não consegui tratar-me e fui para os Jogos Olímpicos. A responsabilidade agora é do Comité Olímpico, de assumir o meu tratamento, mas nada até agora. Se o Comité Olímpico não conseguir ajudar-me, então falarei com um meu amigo, no Senegal e talvez ele possa ajudar-me”, assegurou.
O Democrata (OD): Onde nasceu Augusto Midana?
AUGUSTO MIDANA (AM): Nasci no sector de Nhacra, numa tabanca chamada Sucuto, mas nós balantas a chamamos de “Tsucutu”, onde cresci e vivo até hoje.
Estudei até 4ª classe em Nhacra, mas quando comecei a estudar 5ª classe, faleceu o meu tio – irmão mais novo do meu pai. Na nossa tradição, naquelas circunstâncias fazia-se a lavagem de casa, na base da referida cerimónia – entrei na luta.
A primeira pessoa que me descobriu ou melhor que viu em mim uma potência foi um senhor chamado “Nelo”. Na altura, organizou-se um evento de luta aqui em Bissau, no bairro de Quelélé. Um jovem que veio de Bafatá, o ‘Nhamma’, e por coincidência somos sobrinhos da mesma tabanca.
Nhamma derrotou os meus colegas na luta. Os meus colegas pensaram logo numa pessoa que pudesse vencer e convencê-lo. Concluíram que eu era a pessoa certa para fazer frente ao bravo Nhamma.
Foram procurar-me na nossa aldeia, mas a partida não me encontraram em casa. Encontraram-me mais tarde e trouxeram-me para Bissau. Lutei com Nhamma e felizmente saí como vencedor. Daí descobriram-me como um grande lutador.
A minha primeira saída como lutador foi para Ziguinchor, Senegal. Venci todos os combates que disputei no solo senegalês na altura. Naquele período, o meu falecido irmão também lutava e era grande lutador.
OD: Achava que a luta seria um caminho para a sua ascensão no mundo do desporto?
AM: Não esperava que pudesse conseguir os feitos que estou a exibir agora. Mas eu tinha a minha determinação em prosseguir, tendo em conta o meu talento. Antes de iniciar a minha carreira, muitos colegas meus seguiram o mesmo caminho, mas acabaram por desistir devido ao sacrifício enorme que há nessa caminhada. Eu tenho a minha determinação e decidi enfrentar os obstáculos, por isso consegui chegar ao nível onde estou hoje.
OD: Nhacra é o lugar de onde saem mais lutadores no país?
AM: Posso dizer que sim, mas não é superior às outras localidades. Antes havia grandes lutadores como Talata Embaló e N’Palmutcha, ambos eram grandes lutadores. Claro que agora as pessoas podem falar de Nhacra, porque todo o mundo fala de Augusto Midana. Mas não significa que Nhacra seja melhor na luta em relação às outras localidades da Guiné-Bissau.
Se a Guiné-Bissau organizasse eventos de luta livre como o Senegal, certamente que veríamos que o país tem muitos e bons lutadores, tanto em Nhacra, nas regiões e até mesmo aqui em Bissau. Nas tabancas, as pessoas lutam sem receber um tostão. Fazem tudo com grande prazer.
OD: Como é que Augusto Midana sente-se agora no seio da sociedade de Nhacra, em relação aos tempos passados?
AM: Sinto-me bem, porque na primeira vez que fui recebido de uma forma calorosa no Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira, após ter conquistado o meu título de tricampeão africano, muitas pessoas deixaram os seus afazeres em Nhacra e vieram juntar-se a mim naquele dia tão especial. Foi um momento inédito na minha vida e na minha careira como atleta.
OD: Já se sentiu que a sua dimensão ultrapassa a vila de Nhacra?
AM: Não! Jamais vou ultrapassar Nhacra, talvez morto. Acho que nunca vou ultrapassar Nhacra, porque percebi que cheguei onde estou hoje através dos nhacrenses. E o nome que estou a ter hoje é graças a eles.
Mas no que concerne a fama, Augusto Midana tem uma dimensão internacional. Mereço um enorme respeito entre meus colegas assim como de cidadãos comuns. Garanto que o respeito que tenho fora do país é maior que o que tenho na Guiné-Bissau.
No Senegal por exemplo, chamam-me de campeão…campeão, mas sou campeão de nada!
OD: Augusto Midana faz alguma coisa além de luta?
AM: Além de luta livre, também sou camponês. Nunca abandono a minha actividade agrícola, a minha segunda profissão. Vejam só as minhas mãos como estão calejadas devido prática de lavoura antes da minha participação nas olimpíadas do Brasil.
Se tivesse meios, talvez não estaria a praticar lavoura com minhas próprias mãos, talvez contratasse pessoas para o efeito, mas como não tenho dinheiro tenho que assumir o cultivo do meu campo. Até na véspera da nossa ida ao Brasil estive no meu campo, cultivando.
Mas se tivesse meios, certamente que concentrar-me-ia apenas nos treinos e não no meu campo. Mas como estou sem meios financeiros, sou obrigado a ficar na lavoura.
OD: Onde conquistou a sua primeira medalha?
AM: Conquistei a minha primeira medalha [Prata] no Níger, em 2006, numa competição da francofonia. Na altura viajei junto com o Vitorino Cassamá que era o presidente da federação da luta livre.
Antes de conquistar a minha primeira medalha, sentia uma enorme vontade de representar condignamente o meu país como tenho feito até hoje. E amanhã continuarei a fazer o mesmo por amor a Guiné-Bissau.
Quando perco um combate fico muito triste. Às vezes, antes das competições não consigo comer, tudo pela força e vontade de representar o nosso país. Sempre jurei defender a bandeira nacional nas arenas internacionais.
OD: Foi essa primeira medalha de Prata em Níger que lançou Augusto Midana no mundo da luta livre?
AM: Foi sim! Porque a conquista daquela primeira medalha deu-me uma alegria tremenda. Naquele dia senti-me confiante de poder dar algo mais ao país, na modalidade de luta. O mesmo feito de Níger fez os responsáveis do Comité Olímpico da Guiné-Bissau acreditarem em mim e concederam-me uma bolsa olímpica para o centro de alto rendimento de Thiès – Senegal, onde, com os treinos tornei-me no Augusto Midana que as pessoas conhecem hoje.
OD: Qual é sua relação com outros lutadores africanos?
AM: Tenho uma boa relação com quase todos os atletas africanos, todos querem aproximar-se de mim. Por exemplo, se nos vemos num restaurante vivemos momentos de harmonia, incluindo o grande atleta nigeriano com o qual tive vários combates. Mas a minha aproximação aos meus colegas deve-se em parte ao meu treinador. Tenho uma relação saudável com os lutadores do nosso continente, sejam egípcios ou seja, com todos da arena africana.
Até alguns têm seguranças ou guardas, mas eu acredito que Deus é minha segurança.
OD: Qual é o treinador que teve influência na careira de Midana, seja nacional ou internacional?
AM: No país, Aristóteles Soares da Gama (Tótó) era o meu treinador. Até me hospedava na sua residência e dava-me de comer antes de deixar a Guiné-Bissau para ingressar ao centro de alto rendimento de Thiès no Senegal. Ele influenciou bastante na minha evolução como atleta. Actualmente a minha treinadora é a Leopoldina Ross Dayves.
OD: Lutava com Tótó no momento de preparação. Será que consegue lutar também nos treinos com Ross sem dificuldades?
AM: Ela tem enfrentado muitas dificuldades, porque o meu nível actual é diferente do da Ross. Ela é treinadora e devo respeitá-la e ouvir as suas orientações. Devo ouví-la e ela a mim, mas na verdade o meu nível é superior ao dela.
OD: Augusto Midana é hoje um atleta internacional de um nível muito alto, com uma treinadora de um nível inferior. Não dificulta seu trabalho?
AM: Claro que dificulta os meus trabalhos!
OD: A Ross foi sua escolha ou foi indicada pela federação de luta?
AM: Não foi minha escolha. Ela foi praticante da modalidade de luta. Mas a luta actualmente é diferente do passado. Agora precisa pesquisar muito para saber do nível dos outros atletas.
OD: A mudança de treinador, de Tótó para Ross, não influenciou o seu desempenho nos jogos olímpicos?
AM: Não! Mesmo que tendo um bom treinador, se ficarmos num único lugar, nunca seremos bons atletas. É importante ter contactos com outros atletas. Imagine aqui na Guiné-Bissau, não tenho nenhum atleta do meu nível para poder sondar o meu nível.
Mesmo se Tótó e Ross fossem bons treinadores, se eu não conseguisse manter contactos com outros atletas do meu nível e saber do nível onde estou, não seria tão bom atleta na modalidade. Outra coisa é que eu estava no Senegal, longe de Ross e Tótó, mas o problema era um parceiro com quem pudesse fazer um estágio antes das olimpíadas do Brasil. Foi isso que aconteceu comigo. Não tive um parceiro (partenaire) com quem fizesse o meu estágio.
Treino com Quintino Ntipe, mas já nos conhecemos. Assim os treinos não têm piada. Há toda a necessidade de fazer combates-treino com outros atletas de outros países.
OD: Quais são os ganhos que Augusto Midana teve até aqui?
AM: A minha mãe pediu-me para deixar de lutar, porque para nós balantas, é complicado quando vêm uma pessoa como Midana a ter êxitos internacionais sem nenhum ganho. Alguns familiares podem pensar que apenas a minha mãe que está a beneficiar dos meus ganhos. E isto provoca mal-estar no seio da família. Por isso ela é da opinião que eu pare de lutar, porque não ganho nada na luta.
Há muita gente que sabe lutar muito bem, mas abdicaram da luta, porque não ganham nada. Eu sou da opinião de que mesmo que custe a minha vida, vou lutar. Mas quero que a minha família beneficie do meu trabalho.
A minha mãe sempre insistiu que eu deixasse de lutar, porque não vê nada de ganhos na luta.
Não conseguiu oferecer nada ao meu falecido irmão com profissão de luta livre ao serviço da Guiné-Bissau. Imagine! Até sou obrigado a pedir empréstimos à minha mãe para resolver os meus assuntos particulares. Recentemente ela emprestou-me 100 000 (cem mil) francos CFA.
“Pare de lutar, porque você não faz nada para mim e toda família pensa que fazes tudo só para mim. Mas não como nada de ti. Eu trabalho com as minhas mãos” – oiçosempre essas palavras da minha mãe, e ela tem toda a razão.
A minha mãe arruma areia, cultiva inhame e explora a lenha para ganhar o seu dinheiro. O exemplo disso foi o dinheiro que lhe pedi emprestado. É da sua exploração de areia.
OD: Augusto Midana é tricampeão africano e com muitas mais medalhas. Quanto custa, em termos monetários, cada medalha arrecadada pelo país?
AM: O país não me dá nada… o país não me dá nada! Apenas lutamos por amor a pátria. Nós atletas da luta livre, antes das competições temos que fazer um regime alimentar para baixar o peso. Talvez se o país desse um pouco de dinheiro de bolso (perdiem) quando fossemos competir, talvez isso facilitasse o regime de subir e baixar de peso. O meu peso normal é 78 a 79kg, às vezes chego aos 80. Quando assim é, sou obrigado a baixar quatro ou cinco quilos antes das competições para estar nos 74 quilos que correspondem à minha categoria. O nosso peso é confirmado na tarde da véspera do combate.
O meu irmão mais novo, Quintino Midana, chegou a descer o seu peso dez quilos, mas no caso de nós atletas da Guiné-Bissau, muitas vezes não conseguimos meios financeiros para podermos fazer uma recuperação adequada de pesos perdidos.
Chegamos ao ponto de beber água para poder competir no dia seguinte. E atenção, a luta livre tem três partes de três – três minutos. Nós, atletas da Guiné-Bissau, sempre quando chegamos a última parte dos combates sentimo-nos fracos devido a má alimentação… ficamos sem forças nos braços e nas pernas.
OD: Tem a noção dos feitos que conseguiu para a Guiné-Bissau. Sente-se reconhecido pelas autoridades nacionais?
AM: Não me sinto reconhecido como uma pessoa que trouxe medalhas de Ouro para o país, ou melhor, que levou a bandeira da Guiné-Bissau para o mundo fora. Eu sou o tricampeão africano da luta livre na categoria de 74 quilogramas, mas não sou reconhecido no meu próprio país. É impossível comparar a vida que os meus colegas lutadores levam nos seus respectivos países com a vida que levo.
Sinto-me triste e até envergonhado de apresentar-me perante a minha família e perante os meus próprios colegas de profissão. Aliás, eles levam uma vida melhor que a que levo. Confesso que essa situação toda deixa-me muito triste. Mas o que me leva a dedicar-me à luta é o amor pela minha pátria e a paixão que sinto pela luta livre. Sei que não me reconhecem pelos esforços consentidos ou pelos feitos obtidos em nome da Guiné-Bissau.
Eu não gosto de falar muito e, particularmente de criticar as pessoas, porque os guineenses são difíceis e qualquer coisa é interpretada de várias formas. Sabe que nós africanos somos ‘complicados’, aliás, não temos a ousadia de encarrar a verdade. Sinto-me muito mal com a situação que estou a enfrentar, por isso não me apetece apresentar-me com o nome de campeão perante as pessoas.
Digo apenas as pessoas que o meu nome é Augusto, sem acresentar ‘Midana’… às vezes apresento-me com o nome de ‘Binghaté’, que é o nome da tabanca. Sou tricampeão africano da luta livre em nome da Guiné-Bissau e não é em nome da Nhacra ou da minha tabanca Sucuto. Mereço ser valorizado como um combatente que luta para erguer a bandeira da Guiné-Bissau no mundo. Aliás, qualquer pessoa que luta na sua área profissional para representar o nosso país com a dignidade merece ser respeitada e valorizada.
OD: Conseguiu grandes feitos na África e uma boa posição no mundo da luta livre. Chegou a ser recebido por altos dirigentes do país para falar sobre as suas conquistas?
AM: Nunca. Lembro-me apenas que fui convidado recentemente para tomar parte no jantar promovido pelo Presidente da República, José Mário Vaz, no âmbito da comemoração de 24 de Setembro, data da proclamação de independência. O Presidente perguntou-me naquela ocasião se eu não queria ter uma audiência com ele, respondi-lhe que queria.
O Presidente disse-me que há muito tempo que queria ver-me. Disse-lhe que também andei atrás dele, mas não consegui. Espero que ainda haja a possibilidade de conseguir uma audiência com o Presidente da República, José Mário Vaz. Não estou a pedir nada à ninguém, mas a única coisa que exijo que nos tratem com honra e dignidade, como combatentes que lutam para erguer a bandeira da Guiné-Bissau no mundo, porque merecemos e a prova disso são as nossas conquistas. Elas falam por nós.
OD: A promessa das autoridades de construir uma casa para si e estabelecer um salário base já foi materializada?
AM: Até neste momento que estamos a falar, tudo não passa de uma simples promessa. Eu acho que pode ser concretizado, mas até agora nada ainda. Antes do Governo de Carlos Correia, que formalmente tomou a iniciativa que construir-me-ia uma casa e estabelecer-me-ia um salário base.
Não é a primeira vez que o governo compromete-se em fazer isto e mais aquilo… já nos habituamos às promessas. Lembro-me que tínhamos assinado um contrato com o governo no último mandato do Presidente Nino Vieira, onde o governo comprometia-se em estabelecer um salário base para pagar.
Assinamos o contrato com muitas esperanças que passaríamos a receber um salário no final de cada mês, o que nos permitiria resolver alguns assuntos da família. A pessoa que tinha esse dossiê acabou por falecer e todo o sonho foi com ele. Era um homem chamado de ‘Bela’, ocupava um cargo no Comité Olímpico, mas também foi designado como chefe da delegação Olímpica no ano 2008. Foi ele quem fez ‘finca-pé’ para que pudessemos ter um salário mensal, mas infelizmente morreu e a iniciativa foi com ele.
O Governo de Eng. Carlos Correia tomou a iniciativa, na reunião do Conselho dos Ministros, que construir-me-ia uma casa e até estabeleceram-me um salário mensal de um milhão de Francos CFA. Apesar de toda aquela euforia na altura, ninguém comunicou-se comigo para informar daquela iniciativa do governo. Eu vi a notícia na internet em Dakar e fiquei a espera de uma comunicação oficial sobre a referida decisão.
O antigo Secretário de Estado da Juventude, Cultura e dos Desportos, Francisco Conduto de Pina, foi uma das pessoas que se comprometera também nesta história de implementar um salário para mim, bem como a construção de uma casa. Lembro-me que uma vez o Conduto perguntou-me se tinha energia eléctrica em casa, respondi-lhe que não.
Ele prometeu que ia providenciar a instalação de um painel solar na minha casa em Socuto, infelizmente não chegou a concretizar a promessa. Sobre o salário, pediram-me o número da minha conta em Dakar, de forma a poder enviar-me o salário mensalmente através daquela conta. Tudo isso não passou de promessa. Não sei se se concretizará ou não.
Os amigos, famílias e conhecidos ligavam-me para felicitar e até há os que pensam que já comecei a ganhar aquele dinheiro. Confesso que até agora não recebi nem 25 xof. Aliás, não recebo nada do Estado da Guiné-Bissau como salário ou subsídio mensal, como uma pessoa que se esforça para representar o país com honra e dignidade pelo mundo fora.
Hoje não se pode falar da luta livre na África e no mundo sem mencionar o nome da Guiné-Bissau. Isso foi graças ao Augusto Midana, tricampeão africano da luta livre. Consegui para a Guiné-Bissau 16 medalhas, das quais, 10 (dez) de ouro, 3 (três) de prata e 3 (três) de bronze.
Consegui esses feitos para o Estado da Guiné-Bissau. O que é que o Governo fez para mim, nada até aqui… Não estou aqui a pedir milhões, mas sim pedir que pelo menos haja uma justiça para os desportistas, porque não pode haver um que seja mais ou menos importante. O que país deve exigir são os resultados. Nós conseguimos os resultados que o povo guineense poderia exigir, sem nenhum apoio e à custa de grandes sacrifícios.
Nós já conseguimos medalhas de ouro, prata e bronze. Conseguimos títulos de melhor em África na nossa modalidade. A única coisa que queremos é um tratamento igual, porque merecemos. Somos campeões de Africa da Luta Livre três vezes consecutivas.
Estou cá a pensar nos próximos jogos africanos de 2017, sobretudo para defender o título.
Como vou defender esse título? Tenho lesões na clavícula direita desde antes dos Jogos Olímpicos do Brasil, até agora não consegui ainda um tratamento. A ideia era que a federação internacional da luta livre assumisse o meu tratamento, mas não consegui tratar-me e fui aos Jogos. A responsabilidade de assumir o meu tratamento agora é do Comité Olímpico, mas nada até agora. Se o Comité Olímpico não conseguir ajudar-me, então falarei com o meu amigo no Senegal e talvez ele possa ajudar-me.
Preciso tratar-me e prosseguir com os treinos de preparação. Preciso buscar um parceiro para treinos que corresponda ao meu nível. Treino com uma única pessoa no centro olímpico de Thiès, mas a regra recomenda variar os parceiros.
Eu teria que deslocar-me sempre de um lugar para outro para a preparação, mas o governo guineense não me proporcionou essas condições. Estou aqui a conduzir uma motorizada (TVS), sem seguro de vida.
OD: O seu título de tricampeão africano de luta livre valeu-lhe uma motorizada TVS?
AM: Até agora não recebi nada do Governo da Guiné-Bissau. A motorizada que conduzo é do meu irmão. Ele é que ma empresta para poder movimentar-me e resolver alguns assuntos no centro da cidade. Eu vivo em Nhacra e concretamente na aldeia de Socuto, portanto peço-lhe que ma empreste sempre que pretendo vir à Bissau.
OD: Acha que com o seu título de tricampeão africano de luta livre é normal pedir esmola…
AM: Não é normal pedir esmola para viver, muito menos para tratamento médico. Acho que mereço um tratamento condigno, porque sou um lutador. Luto para dignificar o país, luto para honrar o nome da minha família. Sinto-me como um combatente que luta para o bem-estar do seu país.
OD: Sente-se explorado pelas pessoas que ganham alguma coisa em nome de Augusto Midana?
AM: Sim, eu sinto que estou a ser explorado pelas pessoas que nos representam. Não sabemos o montante real disponibilizado pelas autoridades para nos apoiar. A única coisa que sabemos é que, se nos entregam 100 mil Francos CFA é porque levantaram um valor muito superior daquilo que nos deram. Imaginem, como campeão não tenho nada. São os meus colegas (adversários) que derroto em combates que me convidam para sair, depois dos combates, mas eu não posso convidar ninguém, porque não tenho nada.
Luto pela minha pátria, sobretudo para defender a bandeira e o nome do meu país. Quero advertir às pessoas, que eu, Augusto Midana, estou a tolerar muitas coisas… isso não significa que não sei nada, ou seja, que porque vim do interior, não percebo nada. A luta livre é a minha paixão, eu amo a minha terra. Portanto vou combater e honrar o nome da Guiné-Bissau até ao fim da minha vida.
Não pedi nada a ninguém e a única coisa que peço é que me tratem com dignidade e honra. Eu mereço isso, porque represento o país com suor e sacrifício. É urgente que se comece a pensar no desporto da Guiné-Bissau em geral, sobretudo em criar condições necessárias para os desportistas. Os jovens estão a crescer na modalidade da luta livre, portanto é bom que se comece a reorganizar para evitar que as situações deste género se repitam.
Se nos organizarmos melhor, podem surgir mais Augusto’s Midana’s e quiçá, atletas com mais qualidades que o Augusto. Mas isso faz-se com organização e respeito. Tínhamos Talata Embaló e N’Palmutcha e hoje estamos a falar de Augusto Midana. Se não houver condições e dignificação de atletas, eu não acredito que possa haver novos Augustos. Hoje todos nós vemos muito longe, particularmente os jovens que estão a crescer. Jamais ninguém lutará para obter o pago de ‘Obrigado’.
Há muitos anos que estou a combater por ‘Obrigado’. É verdade que sou guineense e que estou a defender o meu país, mas também a maior verdade é que tenho família. Tenho que lutar para o futuro dos meus filhos.
NB: continua na próxima edição…
Por: Assana Sambú/Sene Camará
Foto: Marcelo N’Canha Na Ritche