terça-feira, 6 de junho de 2017

CABO-VERDE, 4 DE JUNHO DE 1977 : 40 ANOS DEPOIS JÁ NÃO HÁ JUSTIÇA NEM PARA OS ALGOZES, NEM PARA AS VITIMAS

Ponto a reter: Homens do PAIGC regressem para o mato onde a barba é simples resguardo da pele do rosto e não o símbolo da divindade humana.

Fez ontem, 4 de Junho , quarenta anos  que um grupo de sanvicentinos iniciou uma descida ao inferno. Um inferno de torturas .Prisões arbitrárias . Humilhações, Vidas destruídas. E sobretudo de um silêncio  cúmplice  que de tanto silêncio  nos faz acreditar  que nada “de grave aconteceu” no dia 4 de Junho de 1977  na cidade do Mindelo .Mas aconteceu . Pacatos cidadãos , que  se cometeram algum crime , mesmo no entender do regime do partido único , foi espalhar panfletos contra a “unidade Guiné-Cabo Verde “, foram presos e torturados . Este facto está provado e comprovado . O  regime do partido único e os seus dirigentes nunca conseguiram provar que esses cidadãos “ preparavam ataques terroristas “. Nunca se provou a sua conexão com” um pretenso inimigo  externo” Mesmo que o tivessem confessado , hoje é  facto que essas confissões   foram tiradas  sob tortura .E tarde para se procurar os culpados . E tarde para se julgar na praça pública. È tarde para se exigir justiça .Pois quarenta anos depois  já não há justiça nem para os algozes , nem para as vitimas . Mas não é tarde para acabar com o silêncio  e revisitar essas páginas negras da nossa história  em nome da decência , em nome das desculpas que nunca foram pedidas  e sobretudo para reafirmar que  no dia  4 de Junho de 1977 um grupo de sanvicentinos iniciou uma descida ao inferno . Um inferno de torturas  . Prisões arbitrárias . Humilhações, Vidas destruídas.

A partir de hoje publicamos na íntegra depoimentos das vitimas que foram publicados no jornal Expresso das Ilhas

 Agnelo Alves

É preso e passa os primeiros dias sem qualquer alimento nem água. A família não sabe o que lhe aconteceu. Sem poder tomar banho e com uma lata de azeite como retrete, só tem acesso aos primeiros cuidados de higiene no dia em que é levado para interrogatório (um banho de três minutos, sem sabão). No antigo quartel de João Ribeiro começa o questionário e as torturas com choques eléctricos, durante horas, até ser retirado em braços da cela. Depois de assinar uma confissão que não lera, passam-se semanas até que a família seja autorizada a levar-lhe comida, mas tinham de chegar até uma certa hora em ponto, ao mínimo atraso e os alimentos eram deitados aos cães. Lembra-se dos outros presos, Lulu Marques, metido numa cela isolado, a gritar durante três dias consecutivos, próximo da loucura. Toi de Forro, igualmente isolado, com um braço e costelas partidas, acabando por morrer porque ninguém o deixou ser visto por um médico.


Manuel Chantre

É levado igualmente para João Ribeiro. É questionado sobre a “organização”, o nome do chefe e dos integrantes. Perante o silêncio, é espancado até quase ao desmaio. São-lhe mostrados os panfletos que circularam pelo Mindelo: “Homens do PAIGC regressem para o mato onde a barba é simples resguardo da pele do rosto e não o símbolo da divindade humana. O povo já não vos quer, o povo já não vos tolera mais”. Perante a ameaça de mais sevícias, Manuel Chantre confessa que tinha sido ele a estampar os panfletos e que não havia organização alguma. Isso não satisfaz as autoridades. Os interrogatórios continuam, sempre sem a presença de advogados de defesa ou de escrivães para anotarem as palavras dos presos, mas a máquina de choques eléctricos nunca faltava. Como disse anos mais tarde: “Eu fazia parte de um grupo anti-PAIGC, mas não se tratava de qualquer conjuração ou conspiração para a perpetração de qualquer crime contra a segurança interior ou exterior do Estado, nem de qualquer conspiração que tivesse tomado a forma de associação ilícita ou organização secreta com vista ao incitamento ou execução de qualquer crime”. Manuel Chantre fica preso na Ribeirinha até Janeiro de 1979.

Fonte: NN