[REPORTAGEM] Os pescadores da região de Quínara, sul da Guiné-Bissau, agrupados na organização – Associação de Pescadores do Rio Grande de Buba,pediram ao governo central que acione mecanismos necessários e urgentes que levem à abertura de armazéns para a venda de materiais de pesca à semelhança de vários países vizinhos.
O grito de socorro foi feito pelo secretário da Associação de Pescadores do Rio Grande de Buba, António Braima Baldé, durante uma entrevista ao repórter do Jornal O Democrata. A associação foi criada no pretérito ano 1993, com o apoio da União Internacional da Conservação da Natureza (UICN). Atualmente conta com mais de 300 associados em diferentes zonas ou aldeias que fazem parte do Rio Grande de Buba.
O Rio Grande de Buba é uma zona de pesca reservada, por isso está limitada a certos tipos de equipamentos para a atividade pesqueira. Em face desta restrição, os pescadores pedem a abertura de uma loja de venda de todo o tipo de materiais, incluindo os mais adequados para a prática de pesca na zona reservada. A maior parte de materiais usados para a prática de pesca, de acordo com os pescadores, é comprada nos países vizinhos: no Senegal (Ziguinchor ou Dakar) e na Guiné-Conakry.
O Rio está dividido em duas partes: uma está dentro da zona do Parque Natural de Lagoa de Cufada e a outra foi declarada pelo ministério das Pescas como zona de pesca reservada. Conta com dois estatutos e o primeiro é da pesca reservada (declarada pelo ministério das Pescas) e o estatuto do parque (declarado por IBAP-Instituto da Biodiversidade das Áreas Protegidas). Para sustentar esta divisão, criou-se uma estrutura com a finalidade de fiscalizar o mar e impedir a pesca com as redes inapropriadas nas zonas reservadas,que engloba diferentes entidades.
Durante a entrevista com o secretário da associação,abordou-se a questão relacionada com as iniciativas das boas práticas para atividade da pesca implementadas pelos pescadores, em colaboração com a direcção do Parque Natural de Lagoa de Cufada, a fim de apoiar na conservação da zona de pesca reservada e do parque natural, onde os peixes, em particular a espécie de o “bicuda” desovam no período das chuvas, nos meses de augusto e setembro, bem como as dificuldades que os pescadores enfrentam.
PESCADORES MOBILIZADOS PARA PROTEGER A ZONA RESERVADA E PEDEM APOIO EM MATERIAL DE PESCA
António Braima Baldé, secretário da Associação de Pescadores do Rio Grande de Buba, disse em entrevista a`O Democrata que a sua organização comprometeu-se em apoiar as autoridades nacionais na implementação de medidas das boas práticas de pesca, porque a maior parte da sua atividade pesqueira está concentrada na zona reservada. Contudo, condiciona a cooperação ao apoioem materiais adequados para a pesca naquele rio.
Assegurou neste sentido que 80 por cento dos pescadores já foram sensibilizados para adoptarem as boas práticas de pesca que visem pescar com redes adequadas (redes algodão de 30 milímetrosou mais e não redes malhas e sobretudo com menos de 30 milímetros).
“Requer-se a utilização da rede têxtil para a pesca na zona reservada e não da rede de menofoliamento ou ‘tchás’. É uma rede que prejudica bastante o rio. Se um pedaço da rede ‘tchás’ cortar-se e cair na água, fica no fundo do riopor mais de 100 anos sem apodrecer. Vai causar problemas ao ecossistema. É uma rede invisível para os peixes e se ficar na água, mata muitos peixes. Por isso os especialistas apelaram que os pescadores se abstivessem de usá-la, sugerindo o uso da rede têxtil com mais de 30 milímetros”, espelhou.
Neste sentido lembrou que o governo guineense enviou no passado técnicos de Centro de Investigação Pesqueira Aplicada (CIPA)para efetuar um estudo biológico no rio, de forma a definir as espécies existentes bem como as suas potencialidades. E como conclusão, os técnicos de CIPA produziram um documento no qual recomendam a criação de uma zona de reserva, dado que a referida zona é usada por algumas espécies para desovar na época da chuva.
Baldé disse que através deste estudo dos técnicos de CIPA,dividiu-se o rio em três partes com respectivas delimitações e placas.
“Do porto de Buba até uma zona que batizamos com o nome de “sapateiro” é uma área onde se prática a pesca seletiva. Ou seja, é uma área em que se prática apenas a pesca para a subsistência alimentar e não para a venda.De “sapateiro” para frente é uma área de reprodução e crescimento que também está marcada com uma placa, mas permite-se apesca com malha de 30, 40, 50 e até a malha de 60 milímetros. E há certas regras para a pesca nesta zona, por exemplo, no canal do rio pode-se usar a malha de 30 milímetros e que tenha umcomprimento de 500 metros”, explicou o pescador.
Esclareceuque a dimensão da rede usada no canal não é a mesma a ser usada no braço do rio. Por isso reforçouque precisam de apoio do executivo em materiais da pesca que os permita fazer uma boa prática da pesca, uma vez que se engajaram para o cumprimento das boas práticas estabelecidas.
Lamentou, contudo, o fato de o país não dispor de materiais de pesca adequados para as zonas reservadas. Fato que, segundo disse, obriga os pescadores interessados a se deslocarem até ao Senegal, à Ziguinchor ou Dakar. Algunspreferem sair do sul do país para as cidades da Guiné-Conakry a procura de materiais de pesca.
Revelouque a falta de materiais de pesca adequados para as zonas reservadastem-lhes dificultadomuito no trabalho de sensibilização de pescadores, sobretudo no que tem a ver com apelos paraabandonar as redes com grandes aberturas, uma vez que não existem armazéns para a venda dos materiais adequadose exigidos pelas autoridades para a pesca nas aguas territoriais do país, sobretudo nas zonas reservadas.
O pescador disse que desconhecea existência de uma loja de venda de materiais de pesca, em particular para a pesca em zonas reservadas, nem mesmo da partedeiniciativas particulares. Por isso exortou o executivo a ciar armazéns de venda de materiais adequados para a pesca nas zonas reservadas, porque “não se pode exigir às pessoas que deixem de pescar com redes pequenas naquelas zonas, sem criar condições para que possam ter acesso às redes adequadas”.
BUBA PRODUZ UMA TONELADA E MEIA DE PESCADO POR DIA
Relativamente aos pescadores do sector de Buba, António Braima Baldédisse que a sua organização conta com 35 associados que pescam apenas para a sobrevivência, sem obter grandes ganhos monetários que lhes permitam render economicamente.
Na mesma entrevista, Baldé revelou que a associação não tem piroga própria para atividades da pesca. Esclarece que cada pescador associado tem piroga própria, na sua maioria construída a partir de troncos de poilão. Estas conseguem resistir mais tempo queas construídas em madeira que,em menos de dois anos, começam a dar problemas.
Explicou neste particular que a produção diária dos pescadores da cidade de Buba estima-se em uma tonelada e meia de pescado, mas referiuque essa tendência varia de período em período. Ou seja, no período da lua cheia não se consegue quase nada, mas no período de escuridão os pescadores conseguem fazer grandes capturas.
BALDÉ DENÚNCIA QUE FÁBRICA DE GELO INSTALADA PARA PESCADORES É GERIDA POR UMA PESSOA
O presidente de Associação de Pescadores do Sector de Buba denunciou que a fábrica de gelo instalada para os pescadores no quadro do “Projecto Rias” do Sul é gerida por uma pessoa que nem sequer exerce atividade pesqueira.
A instalação da fábricaresultou de um projeto denominado “Projeto Rias do Sul”. É uma iniciativa de governo guineense financiada pela União Económica Monetária Oeste Africana (UEMOA) e gerida pela União Internacional da Conservação de Natureza (UICN). Rias é um nome técnico.São rios continentais [águas que romperam o continente e são chamados de rias] e no país são três: Rio Cacine, Rio Cacheu e Rio Grande de Buba. O projetofoi concebido justamente para apoiar os pescadores destes três grandes rios.
Recordou que a fábrica foi instalada com o propósito de permitir que os pescadores consigam gelo para conservar o seu pescado. Mas as denúncias feitas por Braima Baldé indicam que neste momento a fábrica trabalha mais para a venda de geloa particulares que aos pescadores. António Braima Baldé disse que não está contra a inciativa, mas exige que a gestão seja sob a responsabilidade dos pescadores.
“Não duvidamos que a fábrica tenha sido concebida para os pescadores, mas não podemos permitir uma gestão danosa do bem comum e, sobretudo de alguém que se diz dono da empresa que nem sequer sabe quanto rende, quanto entra da venda do gelo e muito menos quanto sai”, notou, apelando ao executivo no sentido de instalar outra fábrica que passa ser gerida pelos próprios pescadores.
Informou que com os seus esforços próprios, a organização que dirige conseguiu construir sede própria. Uma parte do seu edifício funciona com armazém para guardar os materiais e a outra funciona como sala de reuniões. Atualmente é usada para as aulas de alfabetização dos pescadores.
PESCADORES ACUSAM DIREÇÃO DE PARQUE DE FICAR COM DINHEIRO DE MULTAS RECOLHIDAS
Uma das preocupações dos pescadores levantada na voz de seu responsável tem a ver com a questão do dinheiro cobrado aos pescadores que violam as normas ou regulamentos implementados para as boas práticas de pesca. Esclareceu que no âmbito da dinâmica implementada para a boa prática de pesca, criou-se uma Célula de Fiscalização Participativa que integra diferentes entidades ligadas ao setor.
“A célula tem a missão de fiscalizar os pescadores que não estão a cumprir com as normais estabelecidas. Quando um pescador é flagrado a pescar com rédeas não admitidas no regulamento, o infrator é detido e confiscado todos os seus materiais. É-lheaplicada igualmente uma multa em dinheiro. A multa é aplicada em funçaoda infração cometida, de acordo com o regulamento. Uma parte do dinheiro proveniente desta multa, ou seja, 20 por cento deveria ser canalizado àscontas da associação de pescadores”, notou.
Explicou que de acordo com o regulamento aprovado, “do valor total da multa aplicada aos infratores das normas do mar, uma soma de 20 por cento deste valor deveria ser remetido às contas de pescadores”.
Acusou a direcção do Parque Natural de Lagoa de Cufada de ficar com o total do dinheiro recebido das multas aplicadas. Contudo, disse que está esperançado que um dia chegarão a um entendimento e que os 20 por cento serão entreguesaos pescadores.
DIREÇÃO DO PARQUE NATURAL APOIA PESCADORES E SUSTENTA MISSÃO DE CÉLULA DE FISCALIZAÇÃO
O director do Parque Natural da Lagoa de Cufada, Joãozinho Mané, explicou na entrevista concedida ao repórter que, no âmbito da proteção da zona declarada pelo executivo guineense como a “zona de pesca reservada”, a sua instituição engajou-se em apoiar logística e financeiramente as missões da célula, desde combustível e subsídios às pessoas que participam na missão.
Neste sentido, recordou que a UICN antes mesmo da existência do Instituto da Biodiversidade das Áreas Protegidas (IBAP) tinha uma relação com os pescadores daquele sector e em geral do Rio Grande de Buba, em que mobilizava apoios para ajudar a comunidade pesqueira e incentivar a prática da pesca responsável.
“A UICN implementou um projeto denominado “Projeto do Rio Grande de Buba” e que tinha como objetivo sensibilizar a comunidade pesqueira para a prática de pesca responsável. A ideia era chamar atenção às pessoas para não praticarem a pesca intensiva, porque é uma zona reservada. A partir dali o projeto começou a trabalhar na sensibilização dos pescadores e na gestão do rio. Por isso a UICN mobilizou meios para ajudá-los em créditos e materiais de pesca”, contou.
Em relação às acusações dos pescadores que alegam que a direcção do parque não está a cumprir com as normas estabelecidas no concernente à atribuição de 20 por cento do valor total de multas aplicadas aos pescadores que cometeram infração na pesca, o responsável do Parque disse que os pescadores “devem compreender e saber fazer a diferença entre as normas da zona de pesca reservada e a zona do parque natural”.
Esclareceu que a zona reservada do parque é da estrita responsabilidade da direcção do Parque Natural, pelo que o dinheiro da multa aplicada aos pescadores apanhados a pescar naquela zonavai para as contas do parque.
Informou, no entanto, que o dinheiro de multa aplicada aos pescadores apanhados na zona de pesca reservada vai direto para as contas da associação ‘e nenhum franco deste valor entra nas contas do parque’.
“Assumimos as despesas logísticas e financeiras das fiscalizações neste momento, mesmo assim não pedimos nem tomamos dinheiros de multas aplicadas aos pescadores apanhados na zona de pesca reservada. Conseguimos fazer com que a associação angarie na sua conta mais de 300 mil francos cfa, provenientes de multas de violação de normas das boas práticas de pesca na zona de pesca reservada. Gastamos muito dinheiro nas operações de fiscalizações. Em cada operação gastamos 200 litros de gasóleo e se forem dez fiscalizações, então serão dois mil litros”, revelou.
Afirmou que a direcção do parque assume ainda a responsabilidade de subsidiar quatro mil francos Cfa a cada pessoa que participa na missão de fiscalização, incluindo os elementos de associação de pescadores, como também paga um valor de dez mil francos cfa aos elementos da força de Guarda Nacional.
“Incentivamos ações das pequenas células nas aldeias. Um dos exemplos é dos pescadores de povoação de Lamane, que com os seus meios próprios desencadeiam operações de fiscalização e conseguem deter infratores. Fazem operações sem nos fazer gastar dinheiro nenhum. Portanto, tomamos a iniciativa de conceder todo o dinheiro proveniente da multa aplicada pelos infratores à comunidade pesqueira daquela aldeia. São no total 150 mil francos CFA e não tomamos nenhum franco deste valor”, contou.
Quanto à gestão da fábrica de gelo que os pescadores reclamam, Joãozinho Mané nega que a direção do parque não esteja a gerir a fábrica de gelo. Avançou, contudo, que a fábrica está a ser gerida pelo ministério das pescas.
“A instalação da fábrica é um projeto financiado pela UEMOA no valor estimado em mais de 30 milhões de francos cfa e que seria destinada aos pescadores. A UICN era a entidade que geria os projetos implementados no quadro do “Projeto de Rias do Sul”, através do seu animador e tinha a co-gestão da direção do Parque. A direção do Parque foi incluída na gestão naquela altura, porque é uma estrutura permanente na zona e assim que terminasse o projeto ajudaria no seu controlo”, esclareceu.
Segundo Joãozinho Mané, depois dos trabalhos da instalação do projeto, o ministério das Pescas decidiu passar a gestão da fábrica a responsabilidade do animador da UICN. Acrescentou que desde então, ou seja, a partir daquele momento e até a data presente a sua instituição está fora da gestão.
Mané disse que a fábrica funciona já há dois anos etem uma capacidade de produção de cinco toneladas por dia. Frisou que, para a sua instalação fez-se um furo de água e foi montado um deposito de água de dez mil litros.
Lembrou neste sentido que o objetivo preconizado para a instalação da fábrica era que depois de alguns anos do seu funcionamento estivesse em condições, através das receitas recolhidas,de comprar equipamentos para abertura de outra fábrica. No entanto, sublinhou que até agora os gestores não conseguiram instalar outra fábrica.
Por: Assana Sambú
Foto: AS