Bissau, 24 set (Lusa) - O Estado da Guiné-Bissau podia ser ajudado a melhor governar se tivesse em conta o papel que os chefes tradicionais tiveram no passado, admitiram à Lusa três régulos que se assumem como “dignos representantes” do povo.
Saico Embaló é régulo de Gabú, Tcherno Sanhá é da região de Badorá e Augusto Fernandes é o juiz do povo do Geba e presidente da Associação dos detentores dos poderes tradicionais.
Os três são detentores dos poderes ancestrais em regiões diferentes mas advogam a mesma posição: a devolução de competências aos régulos para realizarem justiça, dirimirem os conflitos e “vigiarem a terra”, que todos afirmam que lhes pertence “na realidade”.
Talvez pelo facto de ser o “chefe” dos naturais de Geba, uma das regiões mais antigas da atual Guiné-Bissau, Augusto Fernandes diz que “o próprio colono branco” só conseguiu “dominar os filhos da terra” quando começou a colaborar com os régulos.
Conhecido no país por juiz do povo, Augusto Fernandes defende que a Guiné-Bissau passou a ser “ quase uma terra sem lei” com a redução dos poderes tradicionais, no que diz ser “um erro grave” do Estado.
No passado, o medo do poder dos régulos levava a que não se praticassem certos males na comunidade, aponta.
“Dantes ninguém engravidava uma rapariga sem estar casado com ela, hoje, os rapazes fazem filhos e não assumem. Dantes ninguém ousava roubar nada de outrem porque podia ser castigado”, destaca Augusto Fernandes.
A linhagem paterna de Tcherno Sanhá sempre governou em Badorá, uma vasta região que vai de Bafatá até perto de Gabú, mas com a independência do país em 1973, o seu pai, que entretanto ascendeu ao poder, passou a ser “um mero conselheiro” da população.
Com a morte do pai, Tcherno Sanhá, engenheiro electrónico, viu-se obrigado a deixar Bissau para voltar para a terra onde é régulo mas com “poderes reduzidos”.
Sanhá é de opinião de que o Estado guineense “devia devolver os poderes aos régulos” por serem o “suporte do próprio Estado”, que não consegue “fazer chegar a mensagem” às populações.
“O régulo é uma estrutura valiosa para o Estado e sem custos”, observa Tcherno Sanhá, que afirma que o país “é um desastre total” desde que acabou com os poderes dos chefes tradicionais.
Saico Embaló era funcionário público até há dez anos, quando foi empossado como régulo de Gabú, mas desde então só tem críticas a fazer ao Estado, que diz não quer saber dos poderes tradicionais.
“O Estado toma as decisões de cima para baixo quando devia ser ao contrário e é por isso que as orientações do Estado não são cumpridas”, defende Saico Embaló, que apela para a devolução dos poderes aos régulos sob pena de este ficar cada vez mais sem voz perante o povo.
“Se eu chamar a população esta vem responder rapidamente mas quando é o Estado a convocar o povo não aparece, porque a população conhece-me a mim e não a eles, os do Estado”, nota Embaló.
Defende que o Estado devia envolver os detentores dos poderes tradicionais antes de tomar qualquer decisão, isto é ouvir os régulos, os chefes tradicionais e os donos das balobas (santuários animistas) até chegar aos palácios da República.
O juiz do povo Augusto Fernandes vai mais longe, afirmando que se o Estado guineense quisesse combater o banditismo no país não teria melhor aliado do que os régulos que abandonou.
“Até esta coisa da droga de que se fala, com a nossa ajuda podia ser combatida de uma vez por todas, porque quem lida com a população diretamente somos nós”, observou Fernandes.
Em uníssono, os três régulos afirmam que a própria democracia guineense tem a ganhar se o Estado devolver competências para os detentores dos poderes tradicionais, dando o exemplo de quase todos os países africanos onde os chefes tradicionais são consultados para as decisões importantes, frisam.
“O Estado é a cabeça do país, mas nós somos as pernas, ora sem pernas ninguém consegue andar”, graceja Saico Embaló.